No último sábado, 26 de fevereiro, enquanto as tropas russas avançavam em território ucraniano, Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro e ministro da transformação digital da Ucrânia, recorreu ao Twitter para fazer um apelo, com endereço certo.

“@elonmusk, enquanto você tenta colonizar Marte - a Rússia tenta ocupar a Ucrânia! Enquanto seus foguetes pousam com sucesso do espaço – os foguetes russos atacam civis ucranianos! Nós pedimos que você forneça à Ucrânia estações da Starlink e dirija-se aos russos sãos para se levantarem!”

Fedorov referia-se à Starlink, unidade de internet de alta velocidade da SpaceX, a empresa de projetos aeroespaciais comandadas por Elon Musk. E, no mesmo dia, obteve a resposta do bilionário, também via Twitter. "O serviço Starlink agora está ativo na Ucrânia. Mais terminais a caminho”, afirmou Musk.

Mais do que uma simples “conversa” via Twitter, a troca de mensagens foi mais um sinal de que, entre tanques, mísseis, tropas, sanções econômicas e eventuais intervenções diplomáticas, uma frente pode ter papel decisivo nos conflitos entre a Ucrânia e a Rússia: a tecnologia e as empresas do setor.

Centralizado, em boa parte, na figura do vice-primeiro-ministro ucraniano, o diálogo do país com as companhias de tecnologia já envolveu diversos outros atores. Entre eles, empresas como Visa, Mastercard e PayPal, com a solicitação de que bloqueassem seus serviços na Rússia.

Nesse sentido, um dos principais destinos dessas mensagens foi a Apple. Também no sábado, Fedorov escreveu uma carta a Tim Cook, CEO da empresa da maçã, pedindo que a companhia deixasse de oferecer seus produtos e serviços no mercado russo.

Na carta, que foi publicada no Twitter, o ministro apelou a Cook para ajudar a “proteger a Ucrânia” e para que incluísse, entre outras medidas, o bloqueio do acesso dos usuários russos à App Store, a loja de aplicativos da Apple.

“Precisamos do seu apoio – em 2022, a tecnologia moderna talvez seja a melhor resposta para os tanques, lançadores de foguetes múltiplos e mísseis”, escreveu Fedorov. O pedido não teve, até o momento, uma resposta oficial da Apple.

Um dia antes, Tim Cook também usou o Twitter para postar uma mensagem sobre o conflito dizendo estar “profundamente preocupado com a situação na Ucrânia”. E acrescentando que a Apple está fazendo tudo o que é possível por suas equipes no país, além de apoiar os esforços humanitários locais.

Tim Cook, o CEO da Apple

Ao mesmo tempo, na guerra de informações relacionadas à escalada militar na Ucrânia, a invasão russa alimentou a ofensiva de outras big techs. No sábado, por exemplo, a Meta anunciou que iria restringir as publicações e os acessos de veículos de mídia estatais da Rússia ao Facebook, sua rede social.

“Estamos proibindo as mídias estatais russas de veicularem anúncios ou de monetizarem em nossa plataforma em qualquer lugar do mundo”, afirmou Nathaniel Gleicher, diretor de política de segurança do Facebook, via Twitter.

Além do objetivo de conter a disseminação de notícias falsas de veículos estatais russos, conhecidos por seu viés totalmente favorável ao governo do presidente russo Vladimir Putin, as medidas também têm como pano de fundo a própria guerra particular do Facebook, cada vez mais pressionado pelas críticas em relação à sua capacidade de combater as fake news em sua plataforma.

O mesmo roteiro foi seguido por empresas como o Twitter, que também decidiu suspender qualquer publicidade envolvendo a Rússia e a Ucrânia, assim como as recomendações aos usuários de postagens e contas relacionadas ao conflito.

Outros nomes relevantes no mundo da tecnologia reforçaram essa corrente. Serviço de vídeos do Google, o YouTube restringiu o acesso e a capacidade de mídias como a RT, rede de televisão estatal russa, de monetizar seus conteúdos na plataforma.

O pacote também inclui as limitações nas recomendações de conteúdos dessa e de outras mídias russas. Medidas semelhantes foram implantadas em outros recursos do Google, como os serviços de busca e o Gmail.

No domingo, 27 de fevereiro, a gigante de buscas também anunciou que estava desativando temporariamente alguns recursos do Google Maps na Ucrânia. As ferramentas em questão fornecem dados em tempo real sobre as condições de trânsito e de movimentação em diversos locais do país.

A resposta do governo da Rússia não tardou. O órgão regulador do setor de comunicações do país acusou o Facebook, por exemplo, de violar os direitos e liberdades dos cidadãos russos, ao limitar o livre fluxo de informações.

Segundo Nick Clegg, vice-presidente de assuntos globais da Meta, as autoridades russas exigiram que o Facebook interrompesse a verificação de fatos e de notícias falsas. O que foi recusado pela plataforma. Com a negativa, o governo russo afirmou que iria limitar parcialmente o acesso à rede social.

Um “poderoso” celular no front

Se as autoridades russas vivem um conflito à parte com as principais plataformas de tecnologia e comunicação globais, Volodymyr Zelenskiy, o presidente ucraniano, tem usado justamente esses e outros recursos tecnológicos como suas principais armas de combate.

Com um telefone na mão e o uso das redes sociais, o político – até pouco tempo, uma estrela da comédia e da atuação no país – ganhou protagonismo ao usar a tecnologia para comunicar com líderes de outros países e também com o povo ucraniano.

Essa faceta foi destacada pelo jornal britânico The Guardian, que ressaltou, por exemplo, a série de ligações e conferências virtuais de Zelenskiy com líderes como o presidente francês Emmanuel Macron, o chanceler alemão Olaf Scholz e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson.

“Estamos maravilhados com ele. Ele pode não ser capaz de salvar a Ucrânia ou mudar a Rússia, mas está mudando a Europa”, disse uma das fontes ouvidas pelo jornal britânico.
Todas essas conversas são seguidas e reforçadas por mensagens e vídeos em ferramentas como o Twitter.

Com essa atuação, Zelenskiy convenceu o Ocidente a impor uma série de sanções econômicas à Rússia e angariou o apoio de boa parte da opinião pública, seja na Ucrânia ou em outras fronteiras.

Ao mesmo tempo, outra batalha de Zelenskiy e de seus pares passa pela fronteira das criptomoedas. Em mais um de seus pedidos, o vice-primeiro-ministro Fedorov solicitou no domingo, 27 de fevereiro, que as principais exchanges de moedas virtuais bloqueassem endereços russos em seus serviços.

Nessa trincheira, no entanto, a Ucrânia não tem sido tão bem-sucedida até o momento. Principal exchange global, a Binance, por exemplo, informou que irá bloquear usuários incluídos nas sanções do Ocidente, mas que não pode “congelar unilateralmente” todas as contas russas em sua plataforma sem uma exigência legal para isso.

“A criptomoeda busca fornecer maior liberdade financeira para as pessoas em todo o mundo. Decidir unilateralmente proibir o acesso das pessoas às suas criptomoedas iria contra a razão pela qual esses ativos existem”, afirmou um porta-voz da empresa, em entrevista à rede americana CNBC.

CEO da Kraken, outra exchance de criptomoedas, Jesse Powell também afirmou em postagem no Twitter que irá adotar uma postura semelhante à Binance.

Em contrapartida, as autoridades ucranianas já teriam arrecadado US$ 16,7 milhões em doações de criptomoedas, segundo a consultoria de blockchain Elliptic. No sábado, o perfil oficial do governo local no Twitter postou os endereços de duas carteiras desses ativos para a destinação de recursos.

Nesta segunda-feira, 28 de fevereiro, a própria Binance divulgou um comunicado se comprometendo a destinar um valor mínimo de US$ 10 milhões para ajudar a Ucrânia, por meio da Binance Charity Foundation.