Em maio deste ano, em entrevista ao NeoFeed, Ivan Murias, CEO da Valid, destacou que a companhia havia cumprido boa parte de uma reestruturação iniciada em 2020, quando ele assumiu a operação. E que, a partir desse cenário, a empresa estava pronta para acionar sua máquina de M&A.
Passado pouco mais de um mês, a Valid está colocando uma das engrenagens dessa estratégia para funcionar. Avaliada em R$ 774 milhões, a empresa acaba de anunciar a criação do seu corporate venture capital (CVC), batizado de Valid Ventures.
O anúncio foi oficializado ao mercado a partir da assinatura do primeiro cheque da nova estrutura, que será comandada por Rafael Sbampato, diretor de tecnologia e novos negócios da Valid. Trata-se de um aporte, de valor não revelado, em troca de uma fatia de 10% na idtech paraibana Vsoft.
“Nós operamos com três verticais principais em mercados muito maduros, mas nosso espaço para crescer está limitado à presença que temos nesses segmentos”, diz Murias, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “O CVC é uma das formas de gerarmos novas pistas e crescimento futuro nesses territórios que já dominamos.”
Como parte do turnaround realizado pela Valid, que envolveu o retorno do foco aos seus negócios core, as linhas às quais o CEO se refere incluem as áreas de identificação, com a certificação de RGs e CNHs; de banking, com a fabricação de cartões; e de telecom, com a distribuição de chips.
Com essa “volta às origens”, a empresa vem registrando recordes trimestrais consecutivos. Entre janeiro e março deste ano, por exemplo, a Valid reportou uma receita líquida de R$ 579,5 milhões e um Ebitda de R$ 102,9 milhões, altas, respectivamente, de 18,4% e 68,5% sobre igual período um ano antes.
O pano de fundo para a criação da Valid Ventures se completa com a redução da alavancagem da operação, medida pela dívida líquida/Ebtida. Quando Murias assumiu como CEO, essa relação era de 3,6 vezes. Hoje, ela está na faixa de 1,3 vezes.
“Nesse contexto, o plano é ter quatro a cinco iniciativas no Valid Ventures em 24 meses”, diz Murias. Ele ressalta que não há um valor específico reservado ao CVC. O montante dependerá das oportunidades mapeadas e será financiado, a princípio, pelo próprio balanço, agora mais “saudável”, da companhia.
O volume, a princípio, pequeno de startups do portfólio se explica pela tese da Valid Ventures. Ela irá compreender desde cheques iniciais, em troca de fatias minoritárias, de 10% a 30% das operações, até a participação em rodadas subsequentes, à medida que essas empresas ganhem mais tração.
“Num prazo de quatro a cinco anos, a ideia é investir entre R$ 100 milhões e R$ 300 milhões”, observa o executivo. “E, nesse mesmo intervalo, a nossa projeção é que essas iniciativas também representem entre R$ 100 milhões e R$ 300 milhões de faturamento.”
Para isso, o olhar estará centrado em startups com produtos já validados no mercado e que estejam entre as rodadas série A e série B. Isso inclui a possibilidade de coinvestimentos com outros CVCs, especialmente em espaços como banking, telefonia e saúde, próximos do core de identificação da Valid.
“Nosso foco está nas verticais de governo e identificação, em temas como onboarding digital e antifraude, que, na nossa crença, serão os próximos capítulos do nosso mercado”, diz Murias. “E também em soluções de inteligência artificial, associadas a esses dois segmentos.”
Fundada no ano 2000, em João Pessoa (PB), a Vsoft se encaixa justamente nesse perfil. A empresa teve origem em uma ferramenta de antifraude para autoescolas e hoje tem como carro-chefe uma solução de validação biométrica para CNHs e RGs, usada, por exemplo, por departamentos de trânsito.
“Nós emitimos cerca de 2 milhões de documentos por mês e temos 80% do mercado de CNHs e 60% em RGs”, conta Murias. “Faz todo sentido plugar a ferramenta da Vsoft no nosso ecossistema, com nosso volume e nossa presença nessa cadeia para construir uma oferta mais robusta.”
Em busca dessas conexões, a Valid não partiu do zero para construir a tese do seu CVC. Há dois anos, a companhia começou a investir em startups, de forma não estruturada. Foram cinco investidas e, desse total, a empresa se desfez das fatias que detinha na fintech BluePay e na agtech Agrotopus.
A empresa ainda mantém participações na Estacionamento Digital, de mobilidade urbana; na Mitra, de sistemas de gestão municipal; e na Valid Hub, que digitaliza a conexão entre empresas, cartórios e órgãos públicos. E colheu aprendizados a partir dessas primeiras incursões.
“Um deles foi justamente não entrar com a mão pesada e assumir o controle já na largada”, explica Murias. “Outro erro foi não delimitar o território. Buscamos ativos que tinham alguma relação com a Valid, mas que não eram suficientemente próximos do nosso core e cujo go to market não era claro.”
Em alta
Ao apostar nesse novo modelo, a Valid engrossa as estatísticas de empresas que investem em CVCs no Brasil. Dados do hub de inovação Distrito mostram que essa vertente começa a ganhar escala no País. Em 2022, esses fundos movimentaram US$ 622,1 milhões em aportes, contra US$ 198,6, um ano antes.
Entre as empresas que seguiram essa trilha recentemente estão a Telefônica Vivo, com um fundo de R$ 350 milhões; a Ânima Educação, que reservou R$ 150 milhões a essa frente; e a Renner, com um veículo de R$ 155 milhões. A lista também inclui nomes como Ambev, Itaú, Multilaser, Arezzo e Eurofarma.
Para Marcelo Nakagawa, professor do Insper, a busca por encurtar o caminho para negócios disruptivos e por soluções que se encaixem na lógica de plataforma, cada vez mais em voga entre as empresas, ajuda a explicar o crescimento do interesse nos CVCs. Mas há outro fator impulsionando essa tendência.
“Os fundos tradicionais de venture capital estão pisando no freio e sendo muito mais seletivos nesse momento de maior restrição no mercado”, afirma Nakagawa. “E, como reflexo, os valuations das startups caíram bastante, o que torna mais acessível o investimento por parte dos CVCs.”
Ele faz, porém, uma ressalva. “Investir é fácil. Agora, gerar valor a partir desses aportes é muito mais complexo”, diz. “Os CVCs precisam ter uma estrutura independente para evitar os jogos de interesse, as visões de curto prazo e as burocracias corporativas. E poucos têm, de fato, esse nível de maturidade.”