O etologista austríaco Karl von Frisch (1886-1982) costumava dizer que as abelhas o haviam salvado a vida. Ele era pesquisador no Instituto de Zoologia, da Universidade de Rostock, na cidade alemã de Munique, quando o Terceiro Reich assumiu o poder.
Como sua avó materna era judia, von Frisch foi proibido de trabalhar. Por pouco tempo, no entanto. Em 1941, uma epidemia de um fungo chamado nosema destruiu quase um milhão de colmeias, na Alemanha. A segurança alimentar nacional estava ameaçada, o que poderia arruinar os esforços de guerra dos nazistas.
As lideranças do Partido Nacional-Socialista tiveram de ser render à “ciência judaica”, como pejorativamente classificavam os trabalhos produzidos por acadêmicos judeus, e mandaram von Frisch para uma fazenda, no interior do país.
Ele deveria encontrar uma forma de proteger as abelhas do fungo Nosema apis, de modo a garantir a polinização das lavouras e, consequentemente, a saúde das colheitas alemãs. Para evitar que parentes e amigos fossem mandados para os campos de concentração, empregou-os como assistentes. E, assim, os insetos salvaram o pesquisador.
Ao longo dos séculos, o voo cadenciado das abelhas intrigou fazendeiros de todos os cantos do mundo, mas coube a von Frisch decifrá-lo. Os movimentos, observou, são a base de um sofisticadíssimo sistema de comunicação, para indicar a direção e a distância da colmeia até as fontes de alimento.
Sua teoria ficou conhecida como a dança das abelhas. Quando a comida está a mais de cem metros, as abelhas operárias voltam requebrando, em uma sucessão de “8s”. A menos, voam em círculos. Se dançam para cima, as companheiras devem ir rumo ao sol. Para baixo, se afastar dele.
Classificadas por Albert Einstein, como “admiráveis”, as descobertas de von Frisch lhe renderam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, de 1972. Os achados do etologista foram imprescindíveis para os estudos sobre a importância das abelhas para o equilíbrio dos ecossistemas, a preservação da biodiversidade e o aumento da produtividade agrícola.
Saber decifrar o ballet aéreo das operárias nunca foi tão importante em tempos como os de agora, de crise climática e crescimento populacional. E, para atender à urgência do futuro, as abelhas se transformaram em estratégia de negócios das startups de tecnologia agrícola.
“A dança das abelhas fornece informações valiosas para o monitoramento da ecologia de uma determinada região e a produtividade de uma cultura”, informam pesquisadores da Universidade de Sussex, na Inglaterra, no artigo Deconding waggle dances to determine where honey bees forage.
Capazes de voar até 14 quilômetros, entre um rodopio aqui, uma requebrada ali, as abelhas levam o pólen de planta em planta. Ligeiras, algumas espécies conseguem visitar dez flores, por minuto. Não há, no reino animal, polinizadores tão eficientes.
Presentes em 35% das terras agrícolas globais, as abelhas são responsáveis pela reprodução de nove das dez plantas mais importantes para a alimentação humana. Um trabalho da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul indica que, com elas, uma plantação de soja rende 20% a mais.
Nos últimos 50 anos, houve um aumento de 300% na produção agrícola dependente da polinização de insetos. Anualmente, essas culturas movimentam entre US$ 235 bilhões e US$ 577 bilhões, segundo relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes). Sem contar o mercado de mel –US$ 14 bilhões, no mundo, por ano.
Como muitos animais polinizadores, as abelhas estão sob ameaça. Eventos climáticos extremos, como calor, secas e inundações, alteram o tempo de floração, dificultando a polinização e, consequentemente, comprometendo a sua sobrevivência.
Mudanças no uso da terra, práticas agrícolas agressivas ao meio ambiente, monoculturas e uso de pesticidas, degradam seu habitat e favorecem o aparecimento de pragas e doenças.
Desde 2006, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) acusa uma redução anual da população de abelhas da ordem de cerca de 30%. O fenômeno é conhecido como CCD (Collony Colapse Disorder).
Com o aperfeiçoamento de tecnologias, como ciência de dados, inteligência artificial, robótica e internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), cresce o número de agtechs dedicadas às abelhas. Criatividade não falta aos novos empreendedores.
A americana MeliBio e a israelense Bee-ion, por exemplo, prometem produzir mel bee-free. A tecnologia desenvolvida pela startup de São Francisco foi eleita, pela revista Time, uma das grandes inovações de 2021.
“Ao usar a ciência como alternativa, reduzimos a pressão sobre as abelhas”, diz Darko Mandich, cofundador da MeliBio, em entrevista ao site TechCrunch. “Há uma demanda crescente por mel e, ao fazê-lo do nosso jeito, ajudamos a biodiversidade.”
Em março passado, a empresa recebeu US$ 5,7 milhões, em uma rodada de investimentos seed, liderada pelo fundo Astanor Ventures. Em dois anos, Mandich e o sócio Aaron Schaller, pesquisador da Universidade da Califórnia, em Berkeley, levantaram US$ 7,2 milhões em aportes.
O mel da MeliBio foi desenvolvido a partir dos princípios da biologia molecular aplicados à ciência das plantas e da fermentação de precisão – processo biotecnológico, no qual algas, fungos e leveduras, entre outros microorganismos, substituem os animais na produção de alimentos.
Até 2028, o mercado de fermentação de precisão deve movimentar US$ 11,8 bilhões, a um CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 41,5%, daqui até lá. A startup irlandesa ApisProtect usa IoT, para fazer o monitoramento remoto das abelhas, 24 horas por dia, sete dias por semana.
Desde sua criação, há cinco anos, ao redor de 15 milhões de dados foram coletados em fazendas da Irlanda e dos Estados Unidos. “Com sensores dentro da colmeia, conseguimos fornecer ao apicultor dados para as melhores tomadas de decisão, garantindo a saúde de suas colônias”, explica Fiona Murphy, CEO e o cofundadora da empresa.
Algumas startups, como a israelense Beewise, recorrem à tecnologia para fazer da colmeia o melhor lugar para a abelha estar. Pois é, elas não estão mais seguras nem em casa.
Um trabalho conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, comparou a eficiência das abelhas mandacaia na polinização da cultura tradicional de tomate, com agrotóxico, e da berinjela, em sistema agroflorestal.
Em ambas, os insetos aumentaram a quantidade de sementes. Mas, nos ninhos do tomateiro, as abelhas definharam. Na massa de pólen das colmeias doentes, os estudiosos detectaram altas concentrações de metais pesados.
Pois bem, a Beewise desenvolve colmeias que funcionam como babás de abelhas. Com ferramentas de inteligência artificial, os robôs conseguem identificar as necessidades dos insetos, quando os problemas surgem. No futuro, a engenhoca deve até extrair mel sozinha.
Sediada na Galileia, com sucursal na Califórnia, a Beewise recebeu recentemente um aporte de US$ 80 milhões, em uma rodada de investimento de série C. São 24 mil babás espalhadas por fazendas de Israel e dos Estados Unidos.
A meta do apicultor Eliyah Radzyner e do empresário Saar Safra, fundadores da startup, é expandir para a Europa e Austrália. Tudo para que as abelhas continuem a dançar. Que seus rodopios e requebrados nos salvem da catástrofe climática.