Em meados de 2022, a Natura &Co deu a largada em uma reestruturação para restaurar a confiança dos investidores. Na época, seu balanço refletia os duros impactos da desaceleração econômica e do desafio de consolidar sua plataforma global de marcas, após adquirir a Avon, a The Body Shop e a Aesop.
Desde então, o foco em questões como rentabilidade e melhora das margens, em detrimento do crescimento nas vendas, começou a surtir efeito. Até o pregão de ontem na B3, as ações da companhia acumulavam uma valorização de 27,5%, mostrando que o mercado estava comprando essa orientação.
Logo após o fechamento do mercado, no entanto, a divulgação do resultado da operação no quarto trimestre e no ano de 2022 colocou em xeque essa recuperação e voltou a testar a paciência dos investidores.
Como reflexo, as ações da companhia chegaram a desabar mais de 18% na manhã desta terça-feira, 14 de março. Por volta das 11h40, os papéis da recuavam 16,21% na bolsa brasileira, dando à empresa um valor de mercado de R$ 17 bilhões.
“Tivemos um ano difícil em 2022 e continuamos a operar no quarto trimestre em um ambiente desafiador”, afirmou Fabio Barbosa, CEO da Natura &Co, em call com analistas realizada nessa terça-feira, 14 de março.
O executivo, nomeado para o posto em julho de 2022, justamente para liderar esse turnaround, ressaltou os impactos de fatores como a pressão inflacionária, a volatilidade cambial, a elevação dos custos e os problemas resultantes da guerra da Ucrânia.
Na sequência, ele tentou, na medida do possível, reduzir os efeitos provocados pelo balanço, ao mudar o foco para os avanços conquistados no período. “Muito já foi feito e temos muito ainda a fazer. E os resultados às vezes demoram a aparecer”, disse Barbosa, em sua única intervenção na conferência.
Não foram poucos os indicadores que ilustraram a decepção do mercado. Um dos principais números que pesaram nessa direção foi o Ebitda ajustado da operação que, no quarto trimestre de 2022, foi de R$ 1,09 bilhão, 29% inferior em relação a igual período, um ano antes.
Em 2022, a retração nessa linha foi de 23,7%, para R$ 3,1 bilhões. Já a margem Ebitda ajustada recuou 2,8 pontos percentuais entre outubro e dezembro, para 10,5%, e 1,6 ponto percentual no ano, para 8,7%.
A empresa ressaltou que o Ebitda foi impactado pelos efeitos de despesas não estruturais e não recorrentes no longo prazo, incluindo R$ 383 milhões de impairment no quarto trimestre. E observou que o baixo Ebitda de 2022 impactou significativamente sua alavancagem no período.
A Natura &Co encerrou o quarto trimestre de 2022 com uma dívida líquida de R$ 7,4 bilhões, contra R$ 5,9 bilhões há um ano. Nesse intervalo, a alavancagem da operação, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, no padrão IFRS 16, foi de 1,25 vezes para 3,49 vezes.
Na última linha do balanço, por sua vez, a companhia apurou um prejuízo líquido de R$ 890,4 milhões no quarto trimestre, contra um lucro líquido de R$ 695,5 milhões no mesmo intervalo de 2021. Em 2022, a perda foi de R$ 2,8 bilhões, frente a um lucro líquido de R$ 1,04 bilhão no exercício anterior.
Entre outubro e dezembro, a receita líquida do grupo teve queda de 10,8%, para R$ 10,3 bilhões. Levando-se em conta todo o ano de 2022, o recuo registrado foi de 9,5%, para R$ 36,3 bilhões.
Outro sinal de alerta foram as despesas com vendas, gerais e administrativas que totalizaram R$ 6,1 bilhões no quarto trimestre, contra R$ 6,5 bilhões, há um ano. E ficaram em R$ 22,3 bilhões em 2022, ante R$ 24,1 bilhões em 2021.
A falta da divulgação de qualquer avanço sobre um eventual spin-off ou IPO da Aesop, após a empresa anunciar, em outubro de 2022, um estudo nessas direções, também desapontou. O grupo se limitou a dizer que segue avaliando alternativas estratégicas e que trará mais visibilidade sobre o tema no tempo adequado.
À parte dessa questão, no decorrer da conferência com os analistas, outros executivos do grupo buscaram reforçar alguns passos recentes da operação, além de destacar alguns direcionamentos para os próximos meses.
Na The Body Shop, por exemplo, a Natura &Co anunciou recentemente o fechamento dos negócios de The Body Shop At Home nos Estados Unidos, além de promover uma reestruturação na gestão, com uma redução de 25% nas posições de liderança e de 12% no restante das despesas com a equipe global.
“Recentemente, também anunciamos uma nova estrutura para a Avon. Basicamente, vamos reunir duas subunidades em uma única equipe de liderança”, disse Guilherme Castellan, CFO do grupo. “Vamos ficar mais enxutos e mais ágeis para focar nos países que vão fazer a diferença.”
Ainda sobre a Avon, os executivos ressaltaram o início de uma segunda onda na integração da empresa na América Latina, a partir do segundo trimestre e de mercados como Brasil, Peru e Colômbia.
“Na Avon, toda reestruturação que estamos fazendo vai criar uma certa turbulência, mas também já começamos a mostrar recuperação de caixa, receita e margem bruta, com esforços como aumento de preços”, afirmou João Paulo Ferreira, diretor-executivo da Natura &Co para a América Latina.
Em relatório, a XP apontou justamente o Ebtida ajustado como um dos pontos negativos nos “resultados fracos” reportados pela empresa. Em contrapartida, um dos aspectos vistos como favoráveis foi a geração de caixa positiva em R$ 1 bilhão.
“Além disso, nenhum anúncio quanto à venda da Aesop foi realizado, com a companhia dizendo que continua a analisar alternativas estratégicas para o ativo, o que acreditamos que possa desapontar o mercado”, escreveram os analistas Danniela Eiger, Thiago Suedt e Gustavo Senday.