Em 14 de junho, um leilão realizado na B3 selou a venda da participação remanescente de 36% do Grupo Pão de Açúcar (GPA) na Via Varejo. A batida do martelo foi simbólica. De um lado, dava fim a um impasse de quase três anos, período no qual o GPA, controlado pelo francês Casino, não fez nenhuma questão de esconder que o ativo, resultante da fusão com a Casas Bahia, em 2009, não fazia mais parte dos seus planos.
Do outro lado do balcão, a compra dos papéis por Michael Klein e um grupo de investidores significava a volta da família fundadora da Casas Bahia ao controle da operação. E animou o mercado de capitais, que parecia ver, enfim, um futuro menos incerto para a varejista. Daquela data até ontem, dia 14 de agosto, as ações da Via Varejo subiram nada mais nada menos que 63,2%. No ano, até então, a escalada estava em 84,7%.
A divulgação do balanço do segundo trimestre, no entanto, após o fechamento do mercado, trouxe um choque de realidade para os investidores. “Temos uma grande reestruturação pela frente. Vai ser duro e não vai ser tão rápido. Mas sabemos como fazer”, afirmou Roberto Fulcherberguer, CEO da Via Varejo, durante teleconferência com analistas, nesta quinta-feira, 15 de agosto.
Homem de confiança de Klein, Fulcherberguer atuou por quase 20 anos como vice-presidente comercial do grupo. Há dois anos, ele representava o empresário no Conselho de Administração. E, há cerca de cinquenta dias, assumiu a presidência da Via Varejo.
“Devemos começar a ver melhoras tanto nas vendas quanto na margem a partir de 2020”, afirmou Fulcherberguer
Apesar de reforçar a todo instante sua segurança na reviravolta, o executivo deixou claro que isso não acontecerá como num passe de mágica. “Devemos começar a ver melhoras tanto nas vendas quanto na margem a partir de 2020”, afirmou aos analistas.
Entre abril e junho deste ano, a Via Varejo reportou um prejuízo líquido de R$ 154 milhões, contra um lucro líquido de R$ 14 milhões, um ano antes. A receita líquida caiu 6,5%, para R$ 6,02 bilhões. Na esteira desses números, as ações da empresa caíam 4,5% perto das 16h.
Primeiras medidas
Mesmo com pouco tempo à frente da operação, Fulcherberguer já começou a implantar as primeiras mudanças na companhia. O ponto de partida foi a renovação das lideranças, bem como nos níveis logo abaixo do alto escalão. Boa parte dos nomes passa por executivos com passagens anteriores pela Casas Bahia. “Temos um time sênior, experiente tanto no físico quanto no digital, e que já entra jogando.”
Nas lojas físicas, um dos focos iniciais foi mudar a política de remuneração dos vendedores. Até então, os ganhos estavam atrelados à venda de garantia estendida dos produtos. “Os vendedores e gerentes ficavam horas no back-office respondendo questionários intermináveis e perdiam o foco do chão de loja.” Outra prioridade foi dar mais autonomia às lojas nas políticas de precificação, de acordo com as estratégias dos concorrentes.
O resgate da cultura dos anos de Casas Bahia parece ser a tônica da nova gestão. Entre outros exemplos, a empresa anunciou o programa Volta para Casa, que abre as portas para o retorno de antigos vendedores do grupo ao quadro de funcionários.
Outro processo foi a conclusão, em 1⁰de julho, da integração entre as operações offline e online. “Essa separação, na época da fusão, foi um erro estratégico. Ela gerou atraso e muitos dos problemas que temos pela frente”, afirmou Fulcherberguer.
A falta de conexão entre as lojas físicas e virtuais da Via Varejo é, de fato, uma das questões que trouxeram dores de cabeça para a operação. O roteiro só começou a ser corrigido no segundo semestre de 2016, quando a integração foi o caminho escolhido. Mas, enquanto o grupo patinava, o conceito de multicanal avançava no mercado. E juntamente com ele, rivais como a Magazine Luiza, mais atentos a esse processo, ganharam espaço.
A integração não significa, no entanto, que os desafios nessa vertente estão sanados. Fulcherberguer destacou o impacto de instabilidades que atingiram os sistemas da operação online logo após a conclusão desse processo. “Já temos uma força-tarefa para solucionar esses problemas, mas, por ora, decidimos desacelerar as vendas no nosso site para não prestar um desserviço ao consumidor.” Como reflexo, o faturamento do canal recuou 23,2% no período.
Os novos planos também incluem um reforço na venda de móveis, na qual o grupo conta com uma fábrica própria. A ideia é ampliar a penetração da categoria no bolo total do grupo, de 12% para 22%. E, por sua vez, impulsionar o aumento das margens e da oferta de crediários.
A falta de conexão entre as lojas físicas e virtuais da Via Varejo é uma das questões que trouxeram dores de cabeça para a operação
Nos serviços financeiros, embora não tenha entrado em detalhes, o executivo prometeu novidades nas próximas semanas para o banQi, banco digital lançado recentemente pelo grupo. Entre elas, a oferta de um cartão pré-pago.
O pacote inclui ainda componentes como a renegociação com fornecedores, usando o poder de barganha do grupo, e com bancos, para alongar dívidas de curto prazo. Além da contratação da consultoria McKinsey para auxiliar no desenho e na implantação de um processo estratégico de transformação de toda a operação.
Disputas
Fulcherberguer pontuou a teleconferência com diversas menções às disputas societárias que marcaram o início da Via Varejo. E também falou sobre os reflexos que esse contexto e o controle assumido posteriormente pelo Casino e o GPA trouxeram ao negócio. “Existia uma grande vontade do controlador de centralizar as decisões”, afirmou. “Essa abordagem acabou gerando um varejo burocrático e não tão veloz como o setor exige.”
Como um fator agravante, ele ressaltou a troca constante de CEOs no período. Foram cinco apenas entre 2013 e 2019. O que reforçou as mudanças de rumo e, por consequência, as incertezas do mercado quanto ao futuro da empresa.
O executivo fez questão, no entanto, de reforçar a virada de página. “Hoje, somos uma diretoria unida, focada, determinada e inconformada”, disse. “Vamos transformar a Via Varejo em uma empresa leve, ágil e transparente.”
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