Nos últimos dois anos, não foram poucas as startups e empresas brasileiras de tecnologia que captaram cifras impressionantes em rodadas de investimento. Em 2019, especialmente, os dólares do Softbank traduziram, em boa parte, o apetite dos fundos pelos aportes ambiciosos no País.

Mas em meio a tantos cheques milionários, e até mesmo bilionários, há quem se interesse pelo outro lado da moeda nessas transações. Esse é o caso da CI&T, companhia brasileira de tecnologia que se especializou em auxiliar empresas dos mais variados setores em suas jornadas digitais.

Desde junho, a empresa passou a integrar o portfólio da gestora americana de private equity Advent. A transação, não envolveu, no entanto, nenhum aporte no caixa da Ci&T. A gestora comprou a fatia de 30% detida pelo BNDESPar na operação, além de parte das ações dos três fundadores.

“Nosso foco não era dinheiro. Mas sim um parceiro estratégico”, diz Cesar Gon, 48 anos, CEO e cofundador da CI&T. “Queríamos um sócio americano, com perfil global e de controlador, mas que topasse ser minoritário e conhecesse o Brasil. A Advent foi um achado.”

Com uma carteira de US$ 54,3 bilhões em ativos sob gestão, a Advent tem negócios em mais de 40 países. No Brasil, entre saídas e companhias ainda no portfólio, a gestora já investiu em mais de 20 empresas. Nessa relação, figuram nomes como Kroton, Walmart, Yduqs, Fleury e Restoque.

“Tínhamos um namoro antigo e era mais uma questão de surgir a oportunidade”, afirma Gon, revelando que as conversas levaram cerca de um ano. “Nessa história, o capítulo Advent surge para turbinar a CI&T global.”

O foco inicial é ganhar corpo nos Estados Unidos. Hoje, a CI&T já mantém quatro operações no país, base dos seus negócios no exterior. O mapa global inclui ainda escritórios e centros de desenvolvimento no Japão, China, Canadá e Inglaterra.

Em uma primeira etapa da escalada no mercado americano, o plano é acessar as empresas do portfólio da Advent, com prioridade para as companhias de médio porte. Serviços financeiros, varejo e saúde estão entre os segmentos nos quais a gestora tem boa presença no país.

“Essa era a tese. Nós queríamos campo de jogo e, principalmente, acesso aos executivos C-Level. Vamos visitar cada CEO dessa carteira”, diz Gon. “Em um segundo momento, vamos estender essa abordagem ao universo de relacionamento da Advent.”

"Nós queríamos campo de jogo e, principalmente, acesso aos executivos C-Level. Vamos visitar cada CEO dessa carteira”, diz Gon

Sob essa perspectiva, a CI&T quer aproveitar os contatos dos sócios e diretores da Advent, que acumulam passagens como executivos em variadas empresas e que, em muitos casos, integram os Conselhos de Administração dessas operações.

Uma parte desse roteiro também já está sendo cumprido junto ao portfólio da Advent no Brasil. Posteriormente, essa estratégia será replicada em outras geografias.

“Temos cerca de 60 empresas fora do Brasil e muitas delas estão nessa agenda digital. É natural que essa conexão aconteça”, diz Brenno Raiko, diretor da Advent International. Ele destaca o fato de a CI&T não precisar de aportes. “A CI&T já é uma empresa saudável, geradora de caixa e com alto crescimento. O valor do acordo está nos benefícios que essa combinação pode trazer.”

No pacote

A CI&T enxerga outras oportunidades na associação com a Advent. A primeira delas em uma área na qual a gestora é especialista e pode contribuir com todo o seu conhecimento e reputação: as aquisições.

Apesar de não ser uma prioridade, não estão descartados movimentos semelhantes ao da Comrade, agência digital com sede no Vale do Silício, comprada pela CI&T em 2017.

Os eventuais novos acordos acontecerão nos Estados Unidos. E trarão como teses ampliar a presença no país e acelerar o ganho de escala e de portfólio de clientes em determinados segmentos. No radar, setores como varejo e telecomunicações.

Os planos também passam por ampliar os espaços de coinovação no exterior. Batizado na empresa como Prisma e com duas unidades no Brasil, a primeira estrutura fora do País foi inaugurada em agosto, no Vale do Silício, com um investimento de US$ 2 milhões.

Para estar mais perto dos clientes, em 2020, outras unidades devem ser abertas nos Estados Unidos. No decorrer do ano, a intenção é reforçar as operações na Ásia e, em especial, na Europa. No continente, a estratégia envolve, a princípio, a abertura de novos escritórios.

Escritório da Ci&T nos Estados Unidos

No Brasil, a perspectiva também é de expansão. No momento, a empresa tem 500 vagas abertas para ampliar sua capacidade de atendimento. Hoje, a CI&T tem 2,5 mil funcionários, 80% deles no País.

Transformação

A CI&T que a Advent encontrou é bem diferente daquela que recebeu o aporte do BNDESPar, em 2005, tendo como meta dar os primeiros passos além das fronteiras brasileiras. Na época, a receita bruta da companhia era de R$ 15 milhão.

Desde então, a empresa vem registrando um ritmo anual de crescimento de 25%, mesmo índice previsto para 2019. No ano passado, o faturamento ficou em R$ 600 milhões, sendo que metade desses ganhos foi originada pela operação internacional. Para 2020, a meta é chegar a R$ 1 bilhão.

Para 2020, a meta da CI&T é chegar a um faturamento de R$ 1 bilhão

Quem olha essas cifras não imagina que, em seu início, em 1995, a CI&T tinha data de validade. Aluno do mestrado da Unicamp, Gon montou o projeto com os colegas Bruno Guiçardi e Fernando Matt, que hoje atuam no Conselho de Administração.

“O combinado era um ano. Depois disso, cada um iria cuidar da sua vida”, diz Gon, cujo plano era conseguir dinheiro para financiar um doutorado nos Estados Unidos. “Com seis meses, eu me descobri empreendedor. O que foi uma estupidez, pois desde os 13 anos eu ganhava dinheiro com software”, diz, ele, referindo-se aos jogos que criava e vendia para revistas de games.

A CI&T nasceu como uma clássica desenvolvedora de software sob demanda. Mas a partir desse momento, essa trajetória foi marcada por diversas mudanças de rota. A principal delas veio com a entrada nos Estados Unidos, em 2006.

“Tomamos um choque. Nós vimos que ficar esperando as especificações dos clientes e só cuidar do ciclo técnico não ia funcionar”, diz Gon. “O mundo ia virar do avesso”, afirma, em uma referência à chegada de produtos e conceitos como smartphones, machine learning, advanced analytics e experiência do cliente.

Para se adaptar ao novo cenário, a CI&T redesenhou seu modelo. Investiu em metodologias ágeis e deu mais autonomia às suas equipes. Na prática, a companhia começou a percorrer uma jornada que hoje é o desafio de boa parte das empresas: a transformação digital. E inspirada em sua própria reinvenção, levou essa oferta ao mercado.

“Tivemos sorte porque todo mundo estava meio sem chão e aberto a testar coisas novas”, afirma. “Tiramos proveito disso. E da nossa ousadia de estar lá fora.”

No decorrer desse percurso, a companhia foi abrindo portas, cliente a cliente. No Brasil, vieram empresas como Itaú Unibanco, Bradesco, Carrefour, Vivo e Raízen. Globalmente, nomes como Yahoo, Google, Nestlé, Pfizer, Johnson & Johnson e Coca-Cola.

“Nós ganhamos escala a partir da combinação de dinossauros assustados precisando se reinventar e da nossa própria transformação”, diz Gon. “Hoje, nós somos um animal diferente, que faz estratégia, design e engenharia.”

Essa nova equação também traz outra abordagem diferente. A ideia, em cada projeto, é “ensinar” o caminho das pedras ao cliente. E não reter esse conhecimento.

“Eu canibalizo o que eu sei hoje, mas em dois anos, vou saber muito mais”, afirma Gon, que cita o fato de a CI&T viver a realidade de transformação de 80 clientes do mundo inteiro. “Estou desenhado para aprender mais rápido que eles, porque só faço isso. Os padrões mudam e eu preciso voltar com novos feitiços para me manter relevante.”

Velocidade e desapego

A partir da experiência acumulada, Gon ressalta alguns aspectos que devem ser levados em conta no caminho da transformação digital. Para ele, os planejamentos de longo prazo, por exemplo, não cabem mais nessa nova realidade.

“A empresa precisa ler com agilidade o ecossistema, ver o que a concorrência está fazendo, propor, ousar”, observa. “E copiar rápido também. A inovação não é privilégio de mais ninguém.”

"A inovação não é privilégio de mais ninguém”, diz Gon

Ele também destaca a necessidade de os CEOs abandonarem suas posturas clássicas. E de entrarem, definitivamente, no jogo. “É um exercício de humildade, de largar o osso, descentralizar as decisões e mostrar que também é vulnerável, que não sabe tudo”, diz. “Só assim se cria um ambiente onde a experimentação e os erros são possíveis.”

Em linha com esse discurso, a própria CI&T promoveu mudanças recentes em seu modelo de gestão. A empresa dividiu sua operação em 12 unidades no mundo, dando maior liberdade de ação a 60 executivos globais, que trabalham em squads autônomos.

Por trás desse formato está o objetivo de estabelecer um modelo menos hierárquico. “Esse foi o nosso antídoto para uma empresa maior e mais agressiva”, afirma Gon. “E que quer preservar sua cultura e sua veia empreendedora. Mas agora, não mais na figura de seus fundadores.”

Siga o NeoFeed nas redes sociais. Estamos no Facebook, no LinkedIn, no Twitter e no Instagram. Assista aos nossos vídeos no canal do YouTube e assine a nossa newsletter para receber notícias diariamente.