Em 2009, o alemão Emilio Puschmann morava em Londres e construía uma carreira em bancos de investimentos, quando viu uma capa da revista britânica The Economist, que mostrava o Cristo Redentor decolando. A imagem era uma referência ao fato de o Brasil estar passando por uma fase de exuberância econômica e de ter conseguido enfrentar a crise financeira global melhor do que outros países.

Dois anos depois, ele desembarcou no Brasil com a cara e coragem para empreender. Mas a jornada empreendedora de Puschmann não foi nada fácil – a própria revista The Economist fez outra capa, em 2013, mostrando a debacle econômico do Brasil, com a imagem do Cristo Redentor desgovernado.

Nove anos depois de chegar ao Brasil, três startups na bagagem (duas delas faliram) e uma passagem pelo dr.consulta, Puschmann parece que agora encontrou seu caminho. Ela está à frente da Amparo Saúde, uma startup focada em atenção primária de saúde através de médicos de família que já levantou R$ 42 milhões desde meados de 2017, quando foi fundada.

Os sócios são o laboratório de medicina diagnóstica Sabin, dono de 30% da startup, e o médico José Luiz Setúbal, da família controladora do Itaú Unibanco e dono do Hospital Infantil Sabará, além de outros investidores-anjos. Puschmann, que é o CEO e fundador da Amparo, tem mais de 50% da startup.

Agora, no meio da pandemia, a Amparo está apostando em telemedicina, o que fez o número de clientes da startup crescer de forma exponencial. Desde que adotou o atendimento online de saúde, o número passou de 45 mil vidas para mais de 1 milhão de vidas, um salto de mais de 20 vezes.

“Tem sido um desafio muito grande lidar com a demanda atual”, disse Puschmann, em entrevista ao NeoFeed, com um português quase perfeito – ele é filho de uma brasileira que vive há 40 anos na Alemanha. “Já estamos fazendo mais de quatro vezes o atendimento que fazíamos antes da Covid-19.”

Esse salto da noite para o dia se deve a um contrato assinado pela Amparo com União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (unidas), entidade que reúne 120 empresas e tem cerca de 4,5 milhões de vidas, pouco mais de 10% do total de vidas do setor de planos de saúde.

Desse total, 25 empresas com 1 milhão de vidas já aderiram ao plano da Amparo Saúde. Mas Puschmann acredita que esse número deve crescer ainda mais.

A Amparo já levantou R$ 42 milhões em investimentos desde meados de 2017

Para dar conta da nova demanda, Puschmann está dobrando o número de médicos. Hoje, eles são 60 de um total de 130 funcionários. Até o fim do ano, a meta é chegar a 120 profissionais de saúde. O número de empregados deve passar para 260, incluindo profissionais de tecnologia.

“Hoje, somos uma empresa de telemedicina e de tecnologia”, diz o fundador da startup, que também está oferecendo sua plataforma de teleatendimento para o uso de médicos. “Aproximadamente 85% do nosso atendimento é remoto.”

Em abril, o primeiro mês completo do atendimento via telemedicina, a Amparo fez 10 mil consultas por mês. A capacidade atual é de 20 mil consultas mensais. Embora não divulgue dados, Puschmann diz que o número vem crescendo dia após dia.

No ano passado, o faturamento da Amparo foi de R$ 10 milhões, um salto também de 20 vezes vezes sobre o ano anterior. Neste ano, Puschmann não quis fazer previsões. Mas dado o crescimento exponencial de clientes, ele deve aumentar bastante.

A Netflix da saúde

A aposta na telemedicina não significa que Puschmann esteja abandonando o seu modelo de clínicas médicas. Ao contrário: ele planeja também expandir essas unidades.

Atualmente, a Amparo conta com 9 unidades espalhadas por São Paulo, Osasco, Alphaville (Barueri), Campinas, São José dos Campos, Brasília e Salvador. A previsão é chegar a 13 unidades até fim de 2020 e quase dobrar esse número em 2021, quando pretende contar com 25.

Quando surgiu, a Amparo apostou no modelo direto ao consumidor, numa espécie de Netflix da saúde. O cliente pagava uma mensalidade, que custava a partir de R$ 49, e tinha direito a consultas e exames sem limite.

Ao longo do tempo, a startup migrou para um modelo B2B, atendendo planos de saúde. O primeiro cliente foi a Amil no fim de 2018. Mas hoje a companhia já atende diversos planos, como Sul América, Bradesco, Omint, Unimed, entre outros.

A Amparo também fecha contratos direto com empresas, como o caso da montadora japonesa Toyota e a Assefaz (Fundação Assistencial dos Servidores do Ministério da Fazenda). Nos dois casos, a startup montou clínicas internas para atender os clientes.

O modelo da Amparo é diferente da maioria das empresas. A startup não cobra por atendimento, mas sim um valor fixo recorrente mensal por cada vida, negociado com cada operadora de saúde. O número de consultas médicas ou de exames não influencia o valor final. No setor, o habitual é ganhar pelo número de procedimentos médicos realizados.

Atualmente, a Amparo recebe entre R$ 60 e R$ 100 por mês por vida, mais uma bonificação anual no caso de clínicas dentro da empresa. Se for apenas o serviço de telemedicina, a mensalidade varia entre R$ 4 e R$ 10. Os médicos pagam entre R$ 150 e R$ 250 mensais para usar a plataforma de telemedicina da startup, que conta com agendamento, prontuário, aprazamento, aplicativo do paciente e atendimento remoto.

O modelo da Amparo é diferente da maioria das empresas. A startup não cobra por atendimento, mas sim um valor fixo recorrente mensal por cada vida

A Amparo foca na atenção primária, com atendimento de médicos de família e de uma equipe de enfermagem. “Consigo melhorar os indicadores para os planos de saúde, reduzo o uso de prontos-socorros, que são caros e muitas vezes desnecessários, e diminuo a utilização de médicos especialistas” afirma Puschmann.

De acordo com o empreendedor, o médico de família pode resolver até 90% dos casos, sem a necessidade de um especialista. Ele ressalta que o objetivo é fazer tudo o que for necessário para manter o paciente saudável, mas evitando desperdícios ou exames desnecessários.

Um exemplo, segundo Puschmann, é que apesar de o laboratório Sabin ser sócio da Amparo, ele não tem nenhum incentivo para fazer mais exames lá. Ao contrário. Assim como os planos de saúde pagam um valor recorrente por vida à Amparo, a startup tem um contrato igual com o Sabin para realizar a quantidade de exames necessárias por paciente, sem restrições.

Essa abordagem, segundo Puschmann, tem feito muitas operadoras de saúde redirecionarem seus clientes à Amparo, pois terão seus custos reduzidos. Isso é feito via o call center do plano de saúde e através de campanhas feitas pela própria startup para atrair os consumidores às suas clínicas.

A vez das healthtechs

A virada da Amparo rumo à telemedicina, que foi regulamentada provisoriamente durante a pandemia da Covid-19, foi um caminho natural seguido por quase todas as empresas da área de saúde.

A maioria dos planos de saúde criou seus próprios serviços de atendimento online. As healthtechs que apostam nessa tecnologia estão também em alta, como é o caso da Conexa Saúde, que recebeu um aporte da e.bricks ventures e está em fase de negociação para nova captação.

Isso tem atraído a atenção dos investidores de venture capital que estão de olho nessas empresas. “Que o setor precisava passar por uma transformação digital, todo mundo sabia. Mas a Covid-19 falou: agora é hora”, afirma Armando Buchina, CEO da Pixeon, uma startup que desenvolve sistemas tecnológicos de saúde do portfólio do fundo americano Riverwood.

Um estudo do Distrito, um ecossistema independente de startups, indica que os investidores já estão de olho nas startups de saúde. Nos cinco primeiros meses de 2020, as healthtechs receberam US$ 34 milhões em 14 negócios, valor 310% superior ao do mesmo período do ano passado.

Nos cinco primeiros meses de 2020, as healthtechs receberam US$ 34 milhões em 14 negócios, valor 310% superior ao do mesmo período do ano passado

“Essa área tem potencial de virar algo muito maior”, diz Tiago Ávila, responsável pelo Distrito Dataminer, braço de pesquisa do Distrito. “Mas a regulação, às vezes, assusta os fundos.”

Até agora, o maior aporte de 2020 aconteceu na Sanar, uma plataforma de educação médica, que recebeu US$ 11,7 milhões da DNA Capital, gestora da família Bueno, dona do laboratório Dasa, e do Valor Capital.

Em seguida, as startups que mais receberam recursos foram SouSmile, de aparelhos ortodônticos invisíveis; a Memed, de prescrição médica; e a Zenklub, de psicologia online.

A Covid-19 colocou as healthtechs em evidência, mas não serão todos os setores que irão se beneficiar. “O mercado de saúde continua sendo complexo”, afirma Jeff Plentz, fundador da Techtools Ventures, fundo que tem US$ 100 milhões para investir em startups de saúde e conta com um portfólio de mais de 50 healthtechs. “As decisões de investimentos em healthtechs continuam superconservadoras.”

De acordo com ele, as startups focadas em telemedicina devem se beneficiar desse crescimento de demanda por serviços de saúde digital. Mas ele faz uma ressalva. “Agora é o momento de decantar as empresas de telemedicina e separar aquelas que conseguem fazer um bom atendimento”, diz Plentz.

O investidor acredita também que empresas de fora, em especial da Europa, devem começar a olhar para o potencial do mercado brasileiro e trazer suas soluções de saúde online para cá. Com isso, o mercado brasileiro vai ficar mais competitivo.

Puschmann, da Amparo, diz que tem sido abordado por fundos de venture capital e não descarta um aporte. Mas, por enquanto, o seu foco é preparar a startup para aguentar essa expansão de demanda. “Estou trabalhando direto. Esse é o preço que a gente paga por esse crescimento”, diz o empreendedor.

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