No mercado global, um velho mantra parece estar com os dias contados: o lucro a qualquer custo. Acostumada a ser relegada, quando muito, ao plano da retórica, a sustentabilidade parece se consolidar, enfim, como um fator crucial para a sobrevivência das empresas no longo prazo.

CEO da BlackRock, gestora com US$ 6,96 trilhões em ativos, o americano Larry Fink é uma das principais vozes nesse contexto. Famoso por trazer o tema à tona em suas cartas anuais, o executivo elevou o tom na última delas, divulgada há um mês. “Risco climático é risco de investimento”, cravou ele no documento, intitulado “Uma reformulação fundamental das finanças.”

Muito antes, porém, de o tema entrar na pauta de CEOs, investidores e acionistas em todo o mundo, o banco ING elegeu a questão como uma prioridade. A partir dos anos 2000, a instituição holandesa foi uma das pioneiras no mercado financeiro ao incorporar de fato, uma agenda de sustentabilidade em suas operações internas. E tempos depois, no seu portfólio.

Com € 891,7 bilhões em ativos, 38,8 milhões de clientes no varejo e presente em mais de 40 países, o banco também foi um dos primeiros no setor a investir no segmento digital, em meados da década de 1990.

“Os bancos, com seu negócio principal, que é o crédito, têm um poder enorme de influência na economia real e nessa transição para incorporar a sustentabilidade à estratégia de negócios”, diz Samuel Canineu, CEO do ING no Brasil, ao NeoFeed. “E nós, do ING, queremos ser os catalisadores desse movimento.”

Nesse contexto, o Brasil começa a entrar no mapa do banco. Canineu revelou com exclusividade ao NeoFeed que, no fim de 2019, o ING liderou um empréstimo local no valor de US$ 250 milhões para a Louis Dreyfus Sucos, subsidiária do grupo francês Louis Dreyfus, um dos maiores nomes globais do agronegócio.

O contrato foi o primeiro do ING no País dentro do modelo batizado como Sustainability Improvement Loan. Uma das alternativas criadas pelo banco a partir da estruturação da área de Sustainability Finance, em 2017, esse conceito abriga dois formatos.

No primeiro deles, o financiamento está atrelado a ratings de sustentabilidade, cujas classificações são feitas por empresas independentes, como a holandesa Sustainalytics. Na prática, quanto mais sustentável for a companhia tomadora do crédito, menor será a taxa de juros paga por ela no empréstimo. Da mesma forma, esses índices sobem caso a nota em questão piore.

Adotado no acordo com a Louis Dreyfus Sucos, o segundo modelo segue o mesmo princípio. Os juros estão condicionados, porém, a metas em sustentabilidade estabelecidas pelas empresas em busca de crédito. Essas diretrizes envolvem um escopo amplo, com projetos ligados a questões como redução de emissões de carbono, geração de empregos e de igualdade de gênero. E o cumprimento desses indicadores é avaliado por uma auditoria independente.

Em nota enviada ao NeoFeed, o grupo Louis Dreyfus observou que, em 2019, renovou todas as suas operações de financiamento na América do Norte, Ásia, Europa e Oriente Médio com termos vinculados à sustentabilidade e ao desempenho ambiental da empresa.

A estratégia seguiu quatro pilares: emissões de gases de efeito estufa, consumo de eletricidade, uso de água e resíduos sólidos. “Era perfeitamente claro que deveríamos fazer o mesmo com o nosso empréstimo na operação de sucos”, afirmou o grupo no comunicado. “Nossos clientes e consumidores querem saber de onde vêm seus produtos e ter a certeza de que eles foram gerenciados de maneira sustentável ao longo de toda a cadeia.”

O fato de o modelo proposto pelo ING “premiar” quem inclui os preceitos sustentáveis em suas estratégias de negócios é destacado por Gustavo Pimentel, diretor da consultoria Sitawi. “Esse instrumento materializa que a sustentabilidade também tem valor financeiro”, diz.

Ele ressalta que essa era uma demanda antiga das empresas que seguiam essa abordagem e que se sentiam prejudicadas por estarem sujeitas às mesmas condições daquelas que não tinham a sustentabilidade como princípio. “O ING criou um conceito que está sendo replicado no mercado”, afirma Pimentel.

Levando-se em conta as duas vertentes de empréstimos, até setembro, o ING fez 65 transações globalmente. Foram 13 acordos apenas no quarto trimestre de 2019. E o ano foi marcado por mais estreias do Brasil em outras modalidades do portfólio verde do banco.

Em julho, o ING foi uma das instituições que lideraram a emissão de papéis de sustentabilidade, os chamados sustainable bonds, da Marfrig. O processo também teve a participação de nomes como Bradesco, Banco do Brasil, XP e HSBC.

Samuel Canineu, CEO do banco ING no Brasil

Com os títulos de dívida atrelados a fatores ambientais, no valor de US$ 500 milhões e prazo de dez anos, a Marfrig foi a primeira no País a investir nesse modelo. Em comunicado divulgado na época, a companhia informou que os recursos captados com a emissão seriam investidos na compra de gado proveniente dos estados do Mato Grosso, Pará e Rondônia.

Nesse processo, entre outros requisitos, todos os produtores deveriam assegurar o compromisso de não usar mão de obra análoga à escravidão e de não produzir gado em reservas indígenas, unidades de conservação e áreas de desmatamento.

Um terceiro acordo completa o pacote local de novidades do ING nessa esfera. O banco fechou um financiamento de US$ 75 milhões com uma indústria de alumínio com atuação no mercado brasileiro, de nome não revelado.

O montante será destinado a um projeto de tratamento de água. E consolidou o primeiro negócio no País dentro da Green Loan Principles, metodologia desenvolvida por entidades como a Loan Market Association e que cria parâmetros elevados para os empréstimos ligados a iniciativas de impacto ambiental.

“Esses três acordos vieram mais rápido do que pensávamos”, diz Canineu, sobre o portfólio que começou a ser trabalhado no País há pouco mais de um ano. “Não temos uma meta. Mais importante que a quantidade é o impacto deles. Queremos ser referência e ajudar a desenvolver esse mercado.”

Arsenal verde

Globalmente, o ING já investe há tempos em uma agenda ambiental. Em 2007, por exemplo, o banco colocou em prática um programa de carbono neutro. Essa abordagem começou a ganhar mais peso, no entanto, com a nomeação de Ralph Hamers como CEO global, em 2013.

Em um primeiro plano, a empresa adotou iniciativas dentro de casa. Entre outras metas, o banco prevê ter 100% de seus prédios com energia renovável até o fim desse ano. Atualmente, a participação dessas matrizes na geração de energia das operações da instituição está em 98%.

Outro objetivo estipulado é a redução da emissão de gás carbônico em 50%, entre 2014 e 2020. Até 2018, o ING já havia atingido o índice de 44%.

A estratégia também inclui uma série de medidas envolvendo as ofertas de produtos. “O banco entendeu que nosso papel não é simplesmente não causar danos ao meio ambiente e à sociedade”, diz Canineu. “Mas também incentivar as empresas a mudarem seus modelos.”

Um dos objetivos do banco ING é alinhar sua carteira global de empréstimos, de cerca de € 600 bilhões, às metas do Acordo de Paris

Boa parte dessa abordagem está reunida sob um guarda-chuva batizado de Terra Approach. Um dos objetivos definidos é alinhar a carteira global de empréstimos do banco, de cerca de € 600 bilhões, às metas do Acordo de Paris.

Nessa frente, a redução gradual da exposição em diversos setores, entre eles, empresas de geração de energia por meio da queima de carvão, é um dos focos. O uso de cenários e estudos científicos para embasar os financiamentos é outro direcionamento.

O maior peso, entretanto, está no desenvolvimento de um portfólio para estimular a adoção de projetos e de práticas sustentáveis. Além dos modelos de empréstimos verdes, a estratégia inclui um amplo pacote de ofertas.

O ING criou, por exemplo, um formato de financiamento para iniciativas que contemplem a sustentabilidade em toda a cadeia de fornecedores de uma empresa.

Já no setor imobiliário, o banco desenvolveu um software que avalia a eficiência energética de empreendimentos. O sistema calcula ainda o aporte necessário para aprimorar esses indicadores e o tempo estimado para obter o retorno desse investimento. E oferece um empréstimo para financiar o projeto em questão.

Ralph Hamers, CEO global do banco ING

Com cerca de 50% de sua carteira de empréstimos ligada a hipotecas, o ING também incorpora as pessoas físicas nesse processo. Um dos modelos disponíveis oferece melhores condições nesses acordos para os clientes que investirem em recursos como energia solar em seus imóveis, além de conectá-los com empresas que trabalham com essa e outras tecnologias.

A partir desses e outros esforços, um dos objetivos do banco é dobrar o volume de financiamentos de projetos ligados a mudanças climáticas até 2022. Em 2017, esse montante era de € 14,6 bilhões. Já em 2018, último dado divulgado, a cifra estava em € 16,5 bilhões.

Fora de casa

As metas estipuladas na Terra Approach acabaram por gerar parcerias com outras instituições no setor. Em dezembro de 2018, os bancos BBVA, BNP Paribas, Société Générale e Standard Chartered aderiram ao programa, por meio do Compromisso de Katawice. No acordo, o quinteto assinou um pacto para alinhar suas carteiras de empréstimos ao Acordo de Paris. Juntas, elas somam € 2,4 trilhões.

Outro anúncio, mais amplo e derivado do programa do ING veio à tona em setembro do ano passado, durante uma Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU). Nele, 130 bancos de todo o mundo assinaram um documento intitulado Princípios para um Banco Responsável.

Na mesma data, outras 30 instituições, entre elas o Itaú Unibanco, responsáveis por uma carteira de US$ 13 trilhões em empréstimos, assinaram o Compromisso Coletivo com a Ação Climática, também em linha com as metas do Acordo de Paris.

Em 2018, os empréstimos globais atrelados à sustentabilidade cresceram 677% , para US$ 36,4 bilhões, segundo a BloombergNEF

Alguns números reforçam essa mudança de perspectiva no setor financeiro. Em 2018, por exemplo, os empréstimos atrelados a índices de sustentabilidade cresceram 677%, para US$ 36,4 bilhões, segundo a BloombergNEF. Já a emissão de títulos verdes somou US$ 182,2 bilhões.

No Brasil, dados mais recentes da Febraban apontam que as carteiras de crédito para os setores da economia verde tiveram um saldo de R$ 314 bilhões em 2018. O volume representou 20,8% da carteira de pessoa jurídica dos bancos no País. No mesmo ano, as emissões de títulos verdes somaram R$ 64,7 bilhões, uma alta de 43,7% sobre 2017.

“O mercado financeiro do Brasil já começa a evoluir para o estágio de alimentar a sustentabilidade nas operações de seus clientes”, observa Canineu. “Somos um país rico em recursos Naturais. E temos tudo para ser referência em financiamentos sustentáveis.”

Ele ressalta, no entanto, uma barreira a ser superada para que esse mercado ganhe escala, tanto no Brasil como em todo mundo. Em especial, pelo fato de esses modelos exigirem, em sua maioria, a participação de auditores e terceiros, o que torna o processo mais caro.

“O grande desafio é ter um funding mais barato”, afirma ele, ao destacar que hoje, bancos como o ING estão subsidiando esse mercado. “Se conseguirmos captar esses recursos com menos custo, será uma grande alavanca de incentivo para as empresas entenderem que vale a pena.”

Em xeque

Em um contraponto aos avanços de sua agenda de sustentabilidade, o ING se envolveu, recentemente, em questões o colocaram na berlinda. Em setembro de 2018, o banco pagou uma multa de € 775 milhões (US$ 878 milhões) em uma investigação na Holanda.

No caso, o Ministério Público do país identificou falhas nos controles de prevenção e monitoramento do ING para impedir que contas de seus clientes fossem usadas para lavagem de dinheiro e corrupção. Além da multa, a investigação levou à renúncia do diretor financeiro Koos Timmermans.

“Temos a obrigação de garantir que nossas operações atendam aos mais altos padrões, especialmente quando se trata de impedir que criminosos façam mau uso do sistema financeiro”, afirmou Ralph Hamers, CEO do banco, na época. “Não cumprir esses padrões é inaceitável e o ING assume total responsabilidade.”

Em março de 2019, outra investigação semelhante veio à tona, desta vez na Itália. No país, o ING segue impedido de captar novos clientes.

Como reflexo desses casos, o banco diz ter passado pela análise de autoridades em diversos países. E anunciou um programa para aprimorar suas práticas. Entre outras iniciativas, o projeto inclui a triagem de transações realizadas no passado e a melhoria dos processos de verificação da documentação, dos dados e da identidade dos clientes.

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