O Twitter baniu apenas 0,02% de todo conteúdo publicado sobre as eleições americanas, mas a "censura" da plataforma de microblog foi suficiente para inflamar a ira dos conservadores americanos e turbinar uma concorrente mais "permissiva", a Parler.

Levada ao ar em 2018 com a proposta de "respeitar a liberdade de expressão", a rede social se coloca como uma alternativa para os incomodados, entre outras coisas, com os "selos de advertência" da rede de microblog de 280 caracteres. Desde maio deste ano, o Twitter tem exibido um aviso em mensagens que sejam caluniosas ou "distorcidas".

Esse alerta foi a gota d'água para influenciadores como a âncora da Fox News, Maria Bartiromo. Dois dias após a eleição presidencial americana, a jornalista viu seu tuite, que continha o link para uma reportagem que afirmava que os democratas estariam roubando a votação, ser "carimbado" com o aviso do Twitter. 

Irritada com o que ela chama de censura, Baritromo escreveu aos seus mais de 900 mil seguidores: "Eu vou sair logo e vou pra Parler. Por favor abram uma conta na Parler agora mesmo". 

Apelos como esse fizeram com que a nova rede social quase dobrasse de tamanho em um tempo recorde. Na última semana de junho, a Parler contava 1,5 milhão de contas ativas. Pouco mais de 15 dias depois, a base de usuários da plataforma já abrangia 2,5 milhões de pessoas. 

Em novembro, a Parler chegou ao topo dos aplicativos gratuitos mais baixados nos Estados Unidos. Em entrevista à BBC, John Matze, fundador e CEO da rede social, disse que 2 milhões de novos usuários se cadastraram em um único dia.

Sem revelar exatamente quanto dos usuários cadastrados seguem ativos diariamente, o executivo, que já atuou como engenheiro de software da Amazon, cita alguns exemplos de sucesso. O senador do Texas Ted Cruz, por exemplo, já tem 2,6 milhões de seguidores em seu perfil. Outros âncoras da Fox News, como Mark Levin e Sean Hannity, têm 1 milhão de seguidores cada um. 

Embora ainda esteja distante dos 187 milhões de usuários ativos no Twitter e dos 2 bilhões no Facebook, a Parler segue atraente a investidores. A herdeira Rebekah Mercer, por exemplo, já abriu a carteira para aportar recursos na iniciativa.

Sem revelar valores, Mercer usou a própria plataforma Parler para falar de seu investimento. "John (Matze) e eu começarmos a Parler para oferecer uma plataforma neutra para a livre expressão", escreveu. Na mensagem, a bilionária condenou ainda a "crescente tirania e arrogância dos senhores da tecnologia". 

Além da nova rede social, a família Mercer, capitaneada pelo magnata dos fundos hedge, Robert Mercer, apoia também outros veículos de imprensa conservadores, como o polêmico Breitbart News, do ex-estrategista da Casa Branca, Steve Bannon.

Mercer, aliás, foi um dos principais investidores da Cambridge Analytica, a empresa que usou dados das redes sociais para influenciar as eleições americanas de 2016 e o Brexit no Reino Unido.

Com o dinheiro, a Parler pretende turbinar sua própria tecnologia e expansão, mantendo intacta a sua proposta. Em sua página inicial, a plataforma saúda os novos usuários com uma mensagem encorajando-os a "falar abertamente e se expressar de forma livre, sem o medo de ser 'punido' por suas opiniões". 

Isso não significa, contudo, que a comunidade Parler é isenta de regulamentação. De acordo com as regras da rede social, são proibidas atividades que promovam atividades criminosas, terrorismo, pornografia infantil, fraude, spam e conteúdo que infrinjam direitos autorais. 

"Nós somos rigorosos quanto à nudez e pornografia, mas se as pessoas apenas discordam umas das outras, não estamos aqui para mediar ou moderar a conversa", disse Matze. 

A plataforma pretende, em breve, trazer recursos de publicidade e monetizar apenas com isso – como fazem suas concorrentes. Mas além do modelo de negócio, a Parler também se inspirou nas rivais para desenhar seu layout. A linha do tempo cheia de mensagens curtas lembra o Twitter, mas a disposição dos elementos, bem como as imagens compartilhadas, lembram o Facebook.

Diferente das duas, porém, a Parler não conta com um algoritmo que defina os interesses dos usuários: ali, as pessoas acessam o que foi postado por ordem cronológica – sendo as notícias mais recentes exibidas no topo da página.

Tamanha liberdade, aos olhos de Shannon McGregor, estudiosa das mídias sociais na Universidade da Carolina do Norte, pode se tornar em uma libertinagem perigosa. "O que vimos no passado com alguns desses outros sites alternativos de mídia social é que, se não houver regras, o que acontece é que a discussão fica cada vez mais extrema", afirmou ela à rede pública de notícias NPR.

Foi isso, por exemplo, o que aconteceu com a Gab, uma rede social que se tornou conhecida por hospedar mensagens antissemitas e de supremacistas brancos. Essa plataforma era usada, por exemplo, pelo americano Robert Gregory Bowers, que em 2018 abriu fogo contra pessoas em uma sinagoga em Pittsburgh. Onze pessoas morreram nesse atentado. 

Se por um lado a tendência é que as conversas fiquem cada vez mais "perigosas", por outro ela tende a ficar mais concentrada. Segundo Renée DiResta, que analisa a divulgação de fake news pelo Observatório da Internet de Stanford, a Parler não deve crescer justamente por falta de cobertura midiática. 

Para ela, é natural que haja essa alta de novos usuários e que, provavelmente, a crescente se estenda por mais algum período, mas sem a troca com influenciadores e jornalistas de grande expressão, a Parler deve perder fôlego. 

Pelo menos nesse período de ebulição civil por conta das conturbadas eleições, e da polarização do país, a Parler deve continuar crescendo. E promovendo um discurso à direita do que os americanos estão acostumados a acompanhar nas demais redes sociais. 

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