Nem o próprio Brian Wilson consegue explicar de onde vem a sua genialidade musical. “Começa no meu cérebro, depois abre caminho até o piano e acaba nos alto-falantes do estúdio”, conta o músico, em trecho do documentário “Brian Wilson: Long Promised Road”, que resgata a sua jornada profissional e pessoal.

Uma das atrações do recém-encerrado Festival de Tribeca, o filme celebra a vida do cantor e principal compositor dos Beach Boys. Diagnosticado há mais de 50 anos com problemas mentais, que até hoje o fazem “ouvir vozes”, Wilson foi a mente criativa por trás de “Pet Sounds” (1966).

O álbum é apontado até hoje como um dos melhores discos de todos os tempos, na opinião de críticos e de veículos especializados. A maioria das composições e arranjos foi feita por Wilson, que introduziu harmonias e efeitos fora dos padrões, com elementos do pop, do jazz e da música clássica, além de sons inesperados, como apito, sino de bicicleta e latido de cães. Daí o disco ser considerado uma obra-prima que mudou a história da música pop.

O próprio ex-líder dos Beach Boys, atualmente com 79 anos, faz a retrospectiva de sua trajetória no filme – ainda sem data para estrear no Brasil. Ele é guiado por Jason Fine, o editor da revista Rolling Stone que é seu amigo de longa data. Boa parte do documentário foi rodado dentro do carro do editor, enquanto ele conduz o músico por um passeio pelas ruas de Los Angeles e arredores.

A dupla percorre alguns dos locais mais emblemáticos para Wilson e para os Beach Boys, que venderam mais de 100 milhões de discos ao redor do mundo. O trajeto inclui a casa onde o músico cresceu, com os irmãos Carl e Dennis, que também integravam o grupo. Como a casa, localizada em Hawthorne, subúrbio de Los Angeles, foi demolida nos anos 1980, o que se vê hoje é um monumento que foi construído no local – uma espécie de atração turística.

Wilson também revisita Paradise Cove, um ponto pitoresco da praia de Malibu que serviu de locação para a sessão de fotos do primeiro álbum dos Beach Boys, “Surfin’ Safari”, lançado em 1962. A partir daí, a banda foi projetada mundialmente, tornando-se um símbolo da cultura do surfe e vendendo uma imagem sedutora da Califórnia.

Entre uma parada e outra que o músico e o editor fazem durante a filmagem, eles conversam, ouvem as músicas preferidas de Wilson e escolhem onde vão parar para comer. “Para que o filme fosse pessoal, com conversas íntimas, as perguntas partem de um amigo, revelando assim um lado de Brian que poucos conhecem”, disse o diretor do documentário, Brent Wilson (sem parentesco com o músico, apesar do sobrenome).

O documentário “Brian Wilson: Long Promised Road”

Após a projeção do filme no evento nova-iorquino, o cineasta conversou virtualmente com um pequeno grupo de jornalistas, incluindo a reportagem do NeoFeed. Fine e o próprio Wilson, que se mostrou bastante tímido no encontro, também participaram.

“Exceto pelas câmeras que estavam conosco desta vez, Brian e eu estamos muito acostumados a conversar no carro. Como é algo que fazemos há muito tempo, rodar o documentário foi muito natural”, contou Fine. “Quando conversamos dirigindo pela cidade, há menos pressão. Embora Brian seja considerado um cara recluso, aqui vemos como ele interage com a sua cidade”, completou o amigo.

Wilson quase não falou durante o encontro, esquivando-se da maioria das perguntas. O seu jeito introspectivo deixou ainda mais evidente a necessidade de um amigo, como Fine, para tomar à frente da conversa no filme. Com o editor, Wilson fica mais à vontade para relembrar capítulos de sua vida, inclusive os mais dolorosos.

O músico responsável por hits como “Good Vibrations” e “God Only Knows” relembra o passado de abuso de drogas, sobretudo com maconha e LSD. O sofrimento com os problemas mentais (incluindo transtorno esquizoafetivo e distúrbio bipolar) e o relacionamento destrutivo com o psiquiatra Eugene Landy também são abordados aqui.

“Certa vez, Eugene chegou a me fazer comer espaguete do chão”, contou o músico, lembrando que o psiquiatra conseguiu manipulá-lo por uma década. Wilson foi uma espécie de prisioneiro de Landy, que se mudou para sua casa e o manteve sob fortes sedativos.

Embora esteja muito melhor hoje, o músico admite que ainda é doente e que enfrenta muitos tormentos. É como se ele precisasse “escapar de algo o tempo todo”. “A música me acalma”, afirmou Wilson, que continua na ativa, compondo e fazendo concertos. Ele escreveu uma canção especialmente para o documentário: “Right Where I Belong”.

Do passado dos Beach Boys, o músico só falou rapidamente da rivalidade com os Beatles. “Eu e Mike (Mike Love, um dos vocalistas) tínhamos um pouco de inveja dos Beatles porque eles dominaram a cena musical”, disse Wilson, como quem parece ter se esquecido da influência do grupo californiano sobre o quarteto de Liverpool.

O próprio produtor dos Beatles, George Martin, chegou a afirmar certa vez que “sem ‘Pet Sounds’, o disco ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’ (1967) não teria acontecido". Segundo o produtor, “Sgt. Pepper's” foi uma tentativa de se igualar a “Pet Sounds”.