Em março desse ano, quando a bolsa assistiu a uma sucessão de circuit breakers, um vídeo do veterano investidor Luiz Barsi Filho viralizou nas redes sociais. Nele, Barsi dizia que o “jacaré estava de boca aberta esperando a passarinhada passar”.
Barsi, conhecido como o Warren Buffett brasileiro, dono de uma fortuna estimada pelo mercado em mais de R$ 2 bilhões acumulados em mais de cinco décadas operando na bolsa, agora está só observando.
“Já comprei quando o mercado estava mais atrativo. Se eu for comprar agora, vou pagar 30% de ágio em alguns papéis”, diz ao NeoFeed. Para voltar às compras, ele diz que pretende esperar para ver “se algum político não solta uma besteira faraônica que mexa com o mercado”.
Economista, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Barsi critica a nova leva de investidores que está entrando na bolsa. “São milhões de especuladores, eu acredito”, afirma.
“99% daquilo que percebemos é o cidadão operando via robozinho. A grande verdade é uma só. Eles se transformaram em ganhadores de trocados. Um centavo o cara já acha que é um ganho. Ele quer negociar quantidade para ganhar R$ 100, R$ 200, R$ 500”, afirma.
Nesta entrevista, Barsi fala sobre a sua estratégia de investir em empresas que pagam bons dividendos, por que está investindo em empresas do setor de energia, faz uma análise dos setores que menos sofreram com a crise e aponta as ações que está de olho.
Indagado sobre o tamanho de sua carteira, ele afirma que é de mais de R$ 1 e completa dizendo que não é uma pessoa que tem um ego que contempla o patrimônio. “Eu contemplo os proventos, os juros, os dividendos e as bonificações”, diz. E continua. “O que alimenta o caixa é juro ou dividendo. O patrimônio alimenta o seu ego, a verdade é essa.” Acompanhe:
No início dessa crise, quando começou a onda de circuit breaker, viralizou um vídeo seu dizendo que o jacaré estava de boca aberta esperando a passarinhada passar. Já passou ou ainda tem pássaro voando por aí?
Quando tivemos os primeiros movimentos de circuit breaker, vimos quedas acentuadíssimas. O Banco do Brasil, que chegou a bater “56 pratas”, veio para 22. Caiu uma barbaridade. E outros papéis acompanharam essa oscilação negativa. A Petrobras veio para R$ 12. Naquela época, o jacaré estava com a boca aberta, palitando os dentes, e compramos tudo o que foi possível a preços muito atrativos. Ocorre que, nesses últimos tempos, subiu 30%. Na verdade, está voltando a ser o que era. Então, quando você compra bem, você fica estimulado a não comprar mais quando sobe. Aí você espera.
O que o senhor espera?
Quem sabe o Trump fala uma bobagem, o Bolsonaro continua falando as bobagens que ele sempre fala. Isso interfere no mercado. Lamentavelmente, o nosso mercado não é independente em termos de amadurecimento, em termos de colchão de investidores. A bolsa comemora diariamente o ingresso de investidores, mas não são investidores que estão convencidos de que as ações realmente oferecem uma oportunidade boa a médio e longo prazo.
Quem são, então, esses investidores?
Esse direcionamento de recursos que está indo para as ações é uma fuga que o cidadão está promovendo da renda fixa. Porque a renda fixa desapareceu. Se você considerar que, nesse País, não tem renda fixa e tem perda fixa, agora você tem perda total. O mercado tem condições de prosperar, mas eu procuro, sempre que possível, não considerar uma análise de mercado como um todo. Sempre fui muito pragmático no que diz respeito a análise que eu projeto.
“Quem sabe o Trump fala uma bobagem, o Bolsonaro continua falando as bobagens que ele sempre fala. Isso interfere no mercado”
Como é essa análise?
Eu olho as ações, as empresas, os projetos. Analiso o que, efetivamente, a empresa continua produzindo. Vou te dar um exemplo. Se você for analisar que a covid abalou as empresas em geral, é uma fantasia também. O coronavírus abalou as empresas de aviação, de eletrodomésticos, de turismo, de diagnósticos por imagem e mais outros setores. Mas, veja bem, não afetou empresas do setor elétrico, de saneamento, de celulose. A covid afetou a cotação das empresas, não as empresas. As plantinhas e as árvores da Klabin continuam crescendo; as pessoas continuam bebendo água e tomando banho, não se justifica o valor da Sabesp ter caído do jeito que caiu; o Banco do Brasil continua cobrando taxas para os fundos. Então, isso é psicológico.
Quais ações o senhor aproveitou para comprar?
Aproveitei Banco do Brasil, Geradora Tietê. O Banco do Brasil ainda vai subir mais.
E quais são oportunidade no mercado?
Um papel que me agrada muito é o da Transmissora Paulista de Energia Elétrica. É um papel que tem duas trajetórias. Se presta para tê-lo na carteira como uma segurança extraordinária, uma expectativa de valorização a médio e longo prazos, e, ao mesmo tempo, paga dividendos. A Taesa é outro papel também, a Geradora Tietê e o Banco do Brasil também.
O senhor só investe em companhias que pagam dividendos?
O meu DNA é dividendo. Não dou importância para o patrimônio. É lógico que é bom ter o patrimônio, mas não dou importância para oscilações do patrimônio porque não é ele que alimenta o seu caixa. O que alimenta o caixa é juro ou dividendo. O patrimônio alimenta o seu ego, a verdade é essa. O mercado vai voltar e há uma necessidade de voltar. Muitos fundos e fundações perderam muito valor.
“O que alimenta o caixa é juro ou dividendo. O patrimônio alimenta o seu ego, a verdade é essa”
O senhor esperava uma retomada tão rápida da bolsa?
Não acho que houve uma retomada. De dez degraus, subimos três ou quatro. Ainda tem muito degrau para subir.
O senhor investe na bolsa há mais de cinco décadas. Já tinha visto algo parecido com essa crise?
Sou testemunha de que já tivemos crises políticas, econômicas, cambiais, de bolhas. Nenhuma delas gerou um estrago tão potente como essa crise de saúde gerou porque não permitiu que ninguém tivesse as portas abertas. Essa crise vai demorar um pouco. Muitas pessoas tiveram de fechar suas atividades, principalmente os pequenos e médios empreendedores.
Recentemente, o Larry Fink, da BlackRock, disse que o mercado financeiro está fora de si e que os valores das ações estão descolados da economia real. Você não acha que isso está acontecendo aqui?
As ações valem em função daquilo que remuneram. As crises não afetam todas as empresas, afetam a cotação das empresas. Tem um fator psicológico. Tem que procurar e avaliar as empresas que não são afetados por crise. Ainda existe espaço para algumas ações prosperar.
Quais papéis estão descolados da realidade?
A Petrobras, por exemplo. Ela acabou de apresentar um resultado negativo de R$ 43 bilhões. Isso reflete no ânimo do cidadão que quer investir. Mas aquele que quer especular tem no DNA dele que o longo prazo é 15 minutos.
“Aquele que quer especular tem no DNA dele que o longo prazo é 15 minutos”
Qual é o prazo ideal?
O prazo ideal é aquele que proporciona excelentes resultados em termos de proventos. Tenho ações da Klabin, da Suzano, do Banco do Brasil há mais de 30 anos. O meu prazo é indefinido. Enquanto a empresa estiver me proporcionando proventos satisfatórios, ela está no meu radar.
E o senhor está comprando agora?
Estou mais observando do que comprando. Já comprei quando o mercado estava mais atrativo. Se eu for comprar agora, vou pagar 30% de ágio em alguns papéis. Vou esperar para ver se algum político não solta uma besteira faraônica ou se o governo não consiga de alguma maneira, coisa que eu não desejo, brecar essa questão do coronavírus.
Agora, milhões de novos investidores estão entrando no mercado...
Milhões de especuladores, eu acredito.
Por quê?
Porque 99% daquilo que percebemos é o cidadão operando via robozinho. A grande verdade é uma só. Eles se transformaram em ganhadores de trocados. Um centavo o cara já acha que é um ganho. Ele quer negociar quantidade para ganhar R$ 100, R$ 200, R$ 500.
Falta preparo para esses investidores?
Acho que falta uma estrutura para que eles, em vez de investir na especulação, invistam na geração de riqueza. Investir a médio e longo prazos, comprando papéis que tenham uma trajetória dupla. Ou seja, um papel com perspectiva de crescer de preço e que pague mais dividendos. A verdade é essa.
Tem um perfil nas redes sociais, o Faria Lima Elevator, que faz uma brincadeira entre os operadores raiz e os operadores Nutella. Quais as diferenças que você enxerga hoje?
Na época que havia o pregão viva-voz tinha uma intercomunicação muito mais frequente entre os profissionais. Na ocasião, éramos mais de 1,2 mil profissionais operando na bolsa. Hoje não sei te dizer, porque eles estão escondidos. Acho que hoje existe mais tecnologia, as pessoas usam muitos gráficos. Mas os gráficos, lamentavelmente, nunca enriqueceram ninguém. Os únicos que enriqueceram com esses gráficos são as corretoras e a bolsa.
Qual foi a ação da sua vida?
Tive várias. Mas me recordo como se fosse hoje, no final da década de 70, de uma ação da Camargo Correa que valia o equivalente a R$ 1. Anos depois vendi essa ação por R$ 10 mil. Uma pena que não comprei um lote grande naquela época. Mas tiveram outras empresas que evoluíram bastante. Dou exemplo da Locamérica, que custava R$ 3 há três anos e bateu em mais de R$ 52. A própria Suzano valia R$ 4 e bateu em mais de R$ 54. O importante é acertar na mosca. Na mosca de olho azul.
O senhor investe fora do País?
Não invisto fora porque as oportunidades estão aqui. Investir fora é muito difícil, outro país, outra moeda e você fica dependente do profissional de lá.
Muita gente o compara a Warren Buffett. O que acha disso?
Não sou o Buffett brasileiro. O negócio é o seguinte, tem que ter uma máxima a ser respeitada. O cidadão que compra ações de boas empresas, que pagam dividendos, que têm uma perspectiva boa de crescer e evoluir, vai ganhar dinheiro.
Falando ainda no Buffett, ele já declarou algumas vezes que um dos grandes arrependimentos dele foi não ter comprado ações da Amazon lá atrás. Hoje, a Amazon é uma das empresas mais valiosas do mundo. O senhor tem um arrependimento parecido com esse?
Comprei muitas ações de instituições financeiras na década de 70, mas deveria ter comprado ações do Itaú, que na época, valia sessenta centavos. Mas não estou arrependido, fiquei frustrado de não ter comprado.
O senhor tem ações de várias empresas que atuam no setor elétrico. O que você vê neste setor?
Eu enxergo que nenhum país vive sem energia. A energia passou a ser um bem de necessidade vital. Você pode viver sem muita roupa, pode viver de aluguel, mas não vive sem energia. E energia é um bem que você paga até sem consumir. Por exemplo, você sai de férias, fecha sua casa inteira, você não consumiu nada, quando você chegou, a conta de luz está lá para você pagar.
E a questão da fusão proposta pela Eneva com a AES Tietê? O senhor é acionista da AES Tietê. As conversas acabaram ou isso tem chance de ir para frente?
Tenho uma participação ponderável na AES Tietê. Esse movimento que está se conjecturando em relação a AES Tietê foi provocado pela Eneva. Não sei se a Eneva foi cutucada pelo BNDES, que tinha intenções de alienar sua posição. Existem aí interesses. Vamos ver o que vai acontecer. Enquanto isso, o papel está subindo. Você vê que uma briguinha acaba interferindo psicologicamente no papel.
Então o senhor gosta de uma briguinha?
Não gosto de uma briguinha. Gosto que o papel oscile dentro de suas potencialidades. Na verdade, sou um dos poucos que torcem para a ação não subir. Tenho como visão predominante que existe uma diferença quando você faz aplicações. Quando você faz uma aplicação em renda fixa, você ganha em função de valor aplicado. Quando você compra ações, você ganha em função de quantidade possuída. Então, quanto mais ações tiver, mas dividendos você ganha. Se tiver uma ação, ganha uma vez o dividendo. Se tiver um milhão de ações, ganha um milhão de vezes o dividendo. Essa é a essência que até agora o pessoal não assimilou.
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