O executivo Giuliano De Marchi, head do J.P. Morgan Asset Management para a América Latina, uma operação de US$ 28 bilhões na região, tem um número na cabeça que costuma repetir para investidores brasileiros: três, dois, um.

Ele explica esse número da seguinte forma. “O Brasil representa mais ou menos 3% do PIB mundial, 2% da renda fixa mundial e 1% das ações mundiais”, diz De Marchi ao NeoFeed.

Isso significa, afirma ele, que “97% das riquezas do mundo são geradas fora do Brasil, 98% dos investimentos em renda fixa estão no exterior e 99% das ações estão em outros países”. Portanto, a maioria das oportunidades está em mercados como Estados Unidos, Europa e Ásia.

Com a queda da taxa de juros, a inflação baixa e com a entrada de investidores, antes acostumados com a segurança – e os ganhos – da renda fixa, no mercado de ações, De Marchi acredita que muitos começarão a olhar investimentos no exterior como uma alternativa de proteção de patrimônio.

Há, contudo, ainda uma grande barreira. Atualmente, apenas investidores qualificados, aqueles que têm R$ 1 milhão em patrimônio financeiro ou que possuem certificação financeira, podem investir em produtos no exterior.

Na entrevista que segue, o executivo fala sobre os desafios para fazer com que o brasileiro invista no exterior, a falta de uma variedade de ativos no País, as plataformas de investimentos e o “momento mágico” que o mercado está vivendo. Acompanhe:

Diante de taxa de juros baixa e inflação baixa, quais são as perspectivas para quem investe?
Antes de falar sobre o cenário atual, é preciso voltar um pouco no tempo. A história de investimento para o brasileiro é muito recente em comparação com o resto do mundo. O brasileiro está começando a investir agora, ele era um poupador. A indústria brasileira de fundos começou na década de 1990. Antes disso, ninguém pensava em planejamento financeiro, em médio e longo prazos. O cara poupava com tijolo, nossos pais poupavam com a casa própria.

O que mudou depois da indústria de fundos?
Nos anos 1990, se começa com a indústria de fundos e o fundo foi escolhido pelo brasileiro por uma questão fiscal, porque tinha o overnight. Em 1994, vem o Plano Real e mais previsibilidade em relação a inflação e aí começa a olhar e perceber quanto o dinheiro valeria em um ano. Só que a indústria foi criada em cima da cultura do CDI, investindo no tesouro brasileiro, dando dinheiro para o governo, um ativo livre de risco. Foi uma indústria que cresceu muito rápido. Em 25 anos, passou a ser uma das maiores do mundo, mas é extremamente concentrada em ativos livres de risco. Esse é o passado. Cresceu-se muito, mas o brasileiro não sabia investir, o brasileiro era um poupador. Em 2018 e 2019, a taxa de juros começa a cair violentamente e chegamos no cenário que estamos hoje.

E qual é a sua avaliação do cenário de hoje?
O momento que estamos vivendo é mágico para nós do J.P. Morgan e para os profissionais de investimento. Vai mudar a cabeça das pessoas de como investir. As pessoas estão acordando de manhã e pensando: ‘meu dinheiro não rende mais, o que faço com isso?’. Isso vai gerar novas oportunidades de investimentos para todo mundo. Se você tem o dinheiro no CDI, male, male, vai ganhar da inflação. Com o tempo, o dinheiro vai corroer, você vai ter de tomar mais risco. O investidor vai ter de buscar ser mais acionista do que rentista. Investir em ações e começar a ser dono de empresas. No longo prazo, teoricamente, esse é o capital mais bem remunerado. Mas no curto prazo tem a volatilidade de mercado a qual não estamos acostumados. Ação vai crescer muito no Brasil e vai ter essa migração da renda fixa para o mercado de ações.

Quais outros mercados vão crescer?
O mercado de crédito também vai crescer. Só que as pessoas têm que entender que investir em crédito não é investir em renda fixa soberana. É investir em risco de crédito. O mercado imobiliário também está crescendo e não apenas em empreendimentos e imóvel próprio, mas através de veículos de investimentos, fundos imobiliários. E, por último, o mercado que vai crescer é o internacional, que é o que falamos aqui de três, dois, um.

O que seria três, dois, um?
O Brasil representa mais ou menos 3% do PIB mundial, 2% da renda fixa mundial e 1% das ações mundiais. Ou seja, 97% das riquezas do mundo são geradas fora do Brasil, 98% dos investimentos em renda fixa estão no exterior e 99% das ações estão em outros países. Há grandes oportunidades aqui, mas é até arrogante falar que está tudo Brasil. Vai ter que buscar coisas lá fora e tem coisas muito legais lá fora.

“Há grandes oportunidades aqui, mas é até arrogante falar que está tudo Brasil”

Quais?
Não é lá fora dizer que vai comprar só Estados Unidos, você tem Europa, Ásia, um mercado inteiro em ebulição. Você tem riscos e retornos. Tem uma oportunidade única porque no Brasil você tem problema de capacity. Você começa ver mercado de crédito aqui, não tem mercado secundário. Eu saio, quero vender o meu papel e não consigo vender. Vou para o mercado acionário e tem cinquenta ações na Bovespa. O brasileiro vai ter que se educar para investir lá fora.

Quais perspectivas você enxerga?
Daqui cinco anos a dez anos, acho que os investidores brasileiros terão entre 30% e 40% do patrimônio em ativos internacionais. Já consumimos marcas internacionais, o celular que a gente usa Apple, Samsung; os carros que a gente dirige são de marcas internacionais. Já somos consumidores internacionais, a partir de agora seremos investidores internacionais.

Mas para investir fora é preciso ser investidor qualificado, ter patrimônio financeiro acima de R$ 1 milhão ou ter certificação. Isso não dificulta o crescimento dessa indústria?
Até 2015, era proibido investir através de veículos locais. Então, se eu fosse gestor brasileiro de um fundo aqui e quisesse comprar um ativo lá fora, não podia. A partir de 2015, se criou o que chamamos de investidor superqualificado, mas tinha que ter um tíquete mínimo de R$ 1 milhão para comprar esse produto. Basicamente o que acontecia era que o cliente tinha que botar R$ 1 milhão nesse produto, mas não decolava essa história porque o cliente tinha que ter um patrimônio muito alto. Agora, com uma mudança mais recente, se você tiver um patrimônio de R$ 1 milhão pode botar até R$ 5 mil. Aqui no J.P. Morgan, pode comprar produtos globais de até R$ 10 mil.

“Daqui cinco anos a dez anos, acho que os investidores brasileiros terão entre 30% e 40% do patrimônio em ativos internacionais”

Num país como o Brasil, é uma parcela mínima da população que tem R$ 1 milhão em patrimônio para poder investir lá fora e popularizar dessa maneira...
Concordo totalmente, mas acho que isso vai ser uma necessidade do mercado e vão reduzir esse mínimo. Vai chegar uma hora em que o próprio gestor brasileiro não vai ter mais ativo por conta desse problema de capacity. Eu entendo o regulador porque ele está tentando proteger o mercado e, mais do que isso, o investidor. Está querendo que o investidor final, aquele que não é qualificado, não tenha acesso a produtos com alto risco. Lá fora tem grandes empresas e grandes ações, mas também tem o Madoff. Mas você tem também o cara de risco no Brasil. Como lá fora é tão grande e não temos acesso, ele protege esse cara.

Mas, ao proteger, dificulta o acesso a esse investidor ter oportunidade de ganhar...
Esse é o ponto. Ao tentar proteger, você não está dando a ele acesso a uma grande oportunidade de ganho. Enquanto aqui se pagava 15% na renda fixa, até eu justificava. Mas, quando está pagando 4% e o cara precisa receber aposentadoria, é uma questão de tempo para abrir.

Você e outros executivos do mercado estão conversando com os órgãos reguladores sobre isso?
A gente tem um comitê dentro da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) que discute isso. Está evoluindo muito.

Existe resistência a essa agenda?
Não existe resistência, mas há uma linha de prioridades do regulador. No fim das contas, tem que priorizar de onde está vindo a demanda. O brasileiro nem sabe que existe lá fora. É um pouco de oferta e demanda. Queremos ofertar, a demanda está começando a vir, mas é uma questão de anos. Entendo que isso é um processo. O Chile começou na década de 1990 com limite de 5% de ativos fora para os fundos de pensão, hoje é 80%. Vai acontecer porque não vai ter ativos no Brasil e vai ter que buscar oportunidades fora.

Hoje, quais são as oportunidades lá fora?
Você tem grandes oportunidades, mas investir lá fora é uma questão de diversificação e proteção de patrimônio. Tem que ser uma carteira global e diversificada. A tendência é ir para equities, o mercado americano ainda é o principal, mas há oportunidades na Europa, na Ásia, apesar do coronavírus que a gente acredita ser passageiro. Tem o mercado de alternativos que é muito interessante, que é o mercado de infraestrutura, de real estate, de transporte.

"Já somos consumidores internacionais, a partir de agora seremos investidores internacionais"

O brasileiro que é milionário tem acesso a esses mercados. Como ele investe em comparação aos outros?
Existem vários estudos de behavior finance que mostram que somos muito emocionais ao investir. E uma das características é chamada de home country bias. Vou te dar um exemplo. Fizemos um estudo sobre como os gaúchos investem. Eles compram muito mais em equity e dívida da Gerdau do que a média brasileira. Por que ele faz isso? Você pergunta para o cara e ele diz: ‘conheço a Gerdau’. Como você conhece? É analista? Conhece o Jorge Gerdau? Nada disso. O cara acorda de manhã, pega o carro dele, liga o rádio e escuta sobre a Gerdau; ele lê o Zero Hora, Gerdau; vai almoçar com o amigo, Gerdau; à tarde, ele volta para casa e passa na frente da Gerdau. Depois de uma semana, é especialista em investimento em Gerdau e compra mais ação da Gerdau. Ele não sabe nada mais que a média, mas, inconscientemente, acha que sabe tudo de Gerdau. Isso vale para o mineiro com a Usiminas, para o carioca com a indústria do petróleo, para o paulista com a indústria de bancos. Isso vale para todo mundo.

Até com outras nacionalidades?
Vale para o americano da Califórnia que tem mais empresas de tecnologia, para o texano que investe em petróleo, para o novaiorquino que tem papéis de bancos. Todo mundo é assim. O Brasil hoje em mercado de ações representa menos de 1% do mercado acionário do mundo. Esquece que você é brasileiro, se eu te desse um mundo de oportunidades, você ia comprar só ações brasileiras? Você faz isso porque lê sobre a Vale, a Petrobras, a Gerdau, o gerente do banco não tem a mínima ideia do que são as ações japonesas. Se o brasileiro fosse um robô, 99% da alocação dele estaria em ações globais.

“Se o brasileiro fosse um robô, 99% da alocação dele estaria em ações globais”

Qual é o patamar hoje?
É o contrário, 99% estão no Brasil. Porque ele é totalmente emocional.

E as outras nacionalidades?
Um americano tem 70% investido nos Estados Unidos, já o chileno tem 80% do dinheiro dele fora do país.

Se a legislação aqui mudar, o brasileiro vai adotar esse comportamento?
Ele não vai para 100%, mas ele vai para 30% a 40%.

Qual tamanho que esse mercado teria?
A indústria brasileira tem R$ 5 trilhões. Se 10% forem para fora, estamos falando de R$ 500 bilhões.

Hoje, 1,8 milhão de CPFs estão cadastrados na Bolsa. Na média, o brasileiro sabe investir?
O brasileiro sabe poupar. Mas a indústria está evoluindo. Olha onde estamos agora em relação ao que estávamos há dez anos.

Qual é a importância das plataformas de investimento nesse cenário?
Superimportante. Tivemos uma mudança da água para o vinho. Antes, o Brasil só tinha uma oferta monoproduto com os grandes bancos e as plataformas vieram para quebrar esse monopólio. É o formato correto? Acho que tem plataformas com modelos mais corretos do que outras. Mas acho que os incentivos estão errados, transparência é fundamental. Isso para mim é o próximo grande passo, a questão do conflito de interesse. Ou seja, o cliente tem de entender se alguém está te oferecendo um produto, por qual motivo está oferecendo o produto. Eu trabalho para o J.P. Morgan, ganho dinheiro se o J.P. Morgan vender fundo, tenho de deixar isso claro e não tem problema nenhum com isso. O Brasil está evoluindo para isso, por essa busca pela transparência.

Atualmente, há muitas gestoras no mercado, muitos profissionais que largam as carreiras nos bancos e montam suas assets. Há espaço para tantas?
É uma pergunta difícil. Acho que vai ter uma consolidação muito grande. Já vimos esse movimento lá atrás. Na primeira eleição do Lula, vimos uma série de assets sendo formadas aqui no Brasil. Muitas morreram ou foram incorporadas por outras. Nenhum mercado sustenta essa quantidade de assets por muito tempo. Isso já aconteceu nos Estados Unidos há 50 anos.

No mercado de investimentos, o Brasil estaria em que patamar de maturidade em comparação com os Estados Unidos?
Estamos na década de 1980, quando a taxa de juros começou a cair nos Estados Unidos e aí os mercados de risco começaram a subir. Tinha todo aquele mercado de brokers, Merrill Lynch, Morgan Stanley, o surgimento da Charles Schwab. Lógico que não existia internet, o que muda um pouco, e não dá para comparar maçã com maçã. Mas, fazendo uma analogia, o brasileiro ainda não sabe nada de investimentos, tem essa chuva de especialistas na internet, todo mundo falando...

Aliás, qual é a sua opinião sobre esses influenciadores digitais no mercado de investimentos?
A gente discute isso o tempo inteiro aqui. Acho interessante, mas quero ver. Para mim é impossível ter tanto gênio, eles sabem tudo. ‘Ah! Eu tenho uma estratégia para US$ 1 bilhão’. Se ele tiver, eu contrato. Para mim não existe isso. Acho que é legal ter mais informação, mas é preciso medir a qualidade dessas pessoas. Investimento não é o amanhã, é o longo prazo. Tem que ter uma pessoa que realmente entende o que você quer. Ganhar dinheiro é, com todo respeito, coisa com o Silvio Santos, que joga aviãozinho para as caravanas que vão no programa dele. Se você quer investir, é para o futuro.

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