O ano de 2019 nem acabou e já é o melhor da história para o Bradesco BBI, o banco de investimentos do grupo Bradesco. De janeiro até a semana passada, a instituição coordenou vários IPOs e novos follow-on e esteve na maioria das operações que resultaram em R$ 75,3 bilhões de captação no mercado.

Entre as operações coordenadas pelo banco, estão as estreias da varejista C&A, da rede Centauro, e as ofertas subsequentes de Movida, Trisul, Magazine Luiza, entre outras. “E ainda vem mais até o fim do ano”, diz Alessandro Farkuh, o head do Bradesco BBI, ao NeoFeed.

A julgar pelo cenário traçado pelo executivo, esse é só o início de uma retomada que tem tudo para fazer do próximo ano um marco para o setor. “2020 será o nosso melhor ano”, diz ele. “Já estamos preparando ofertas para o segundo semestre do ano que vem.”

O ambiente macroeconômico favorável, aliado a taxa de juros e inflação baixas devem fazer com que os investidores busquem mais liquidez. E isso deve trazer cerca de R$ 500 bilhões para o mercado de capitais.

"Antes dependíamos do alinhamento de planetas para que o estrangeiro investisse aqui. Essa dinâmica mudou. Só o fluxo de liquidez local sustenta isso por muito tempo", afirma o executivo. Acompanhe a entrevista que ele concedeu ao NeoFeed:

Neste ano, a bolsa tem sido palco de muitas captações. Quais setores estão tendo papéis relevantes nesse movimento e por quê?
Olha, por exemplo, o que está acontecendo no mercado imobiliário. Aí, óbvio que tem um evento, que é superimportante, que é o patamar de juros que estamos enfrentando agora. Isso muda a decisão de investimento, sob qualquer ângulo. A matriz de decisão que temos hoje é completamente diferente da que tínhamos há dois anos.

Quão diferente?
Você imagina que investíamos em produtos com 15% de juros ao ano sem fazer esforço e o produto era pouco relevante. Aí, saímos de um patamar de 15% de juros reais ao ano para um patamar de 1% hoje. No final desse ciclo, a taxa de juros deve encostar em 4,5% com uma inflação de 3,5% a 4% ao ano. Estamos falando de 1% ou menos de 1% de juros reais ao ano. Hoje, qualquer base point que você consiga de melhoria no teu retorno tem uma expressão gigantesca.

Na prática, o que isso significa?
Estamos enfrentando um cenário onde os investidores estão buscando retorno de uma forma muito agressiva, mas construtiva. Na nossa visão, há R$ 3,5 trilhões de investimentos de indivíduos brasileiros onshore. Mais ou menos R$ 1 trilhão são de “poupancistas” e do varejo tradicional, que têm uma dinâmica bem diferente e são mais difíceis de mudarem seus hábitos. Você tem outra dinâmica, que é a do private, que também é na casa de R$ 1 trilhão. Os produtos em que esses clientes investem no Brasil estão também nos EUA, na Europa, e qualquer mudança aqui tem pouca relevância do ponto de vista de hábito.

"Estamos enfrentando um cenário onde os investidores estão buscando retorno de uma forma muito agressiva, mas construtiva"

E o restante?
Sobra um colchão de R$ 1,5 trilhão e grande parte deste valor está em renda fixa de baixa sofisticação como fundos DI, CDB, LCI, LCA, CRI, CRA. Para esses investidores, no fim do dia, pouco importava a taxa de administração, o nível de sofisticação. A margem de retorno que o investimento te dava, sem ter uma matriz complexa de tomada de decisão, justificava isso. Mas essa matriz mudou e, na hora que chega no patamar de 1% de juros reais ao ano, que é o que estamos vendo agora, o vetor de tomada de decisão se inverteu.

O que mudou?
O investidor agora é muito mais ativo e criterioso no produto de investimento que ele escolhe e a busca de retorno passa por renda variável. Nas nossas contas, 80% desses R$ 1,5 trilhão estavam aplicados em renda fixa simples. Vamos assumir que uma porção relevante desses investidores devam buscar mais retorno. Estamos assumindo que algo na casa de R$ 500 bilhões devem migrar para produtos estruturados e renda variável e isso deve acontecer num prazo de três a cinco anos.

O que isso representa para o mercado?
Pensa que este ano, que deve ser o mais ativo em emissões no mercado de capitais na história do Brasil, deveremos beirar em R$ 100 bilhões entre novas aberturas de capital e follow-on. É o pico histórico. Se você tiver um fluxo de cinco vezes isso, de migração de recursos buscando renda variável, sem contar o estrangeiro, sem contar investidor institucional, sem contar nada, você tem anos e anos de demanda local garantida. Esses investidores precisam de uma coisa só: ativos de qualidade. E você não tem ativos de qualidade o suficiente no mercado hoje.

O mercado voltou com tanta força assim?
Nos últimos 90 dias, fizemos 14 emissões. Nenhuma das casas tinha se preparado para uma volta tão rápida. Foi uma aposta correta do banco e é muito mérito dos meus chefes, o Marcelo (Marcelo Noronha, vice-presidente executivo do Bradesco), Octavio (Octavio de Lazari Junior, presidente executivo do grupo) e o Trabuco (Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco). Eles realmente entendem que o banco de atacado, o Bradesco BBI, é um dos grandes value drivers do banco olhando para futuro. Temos investido na plataforma do BBI há muito tempo, sem parar, e estamos colhendo os frutos hoje.

"Estamos assumindo que algo na casa de R$ 500 bilhões devem migrar para produtos estruturados e renda variável e isso deve acontecer num prazo de três a cinco anos"

Esse é o melhor ano de vocês?
Vou te dizer que 2020 será o nosso melhor ano.

A que você credita essa retomada?
Há uma combinação de fatores. O primeiro é a clareza de que estamos entrando em um ciclo de crescimento após um período recessivo muito longo. O segundo é a capacidade hoje de as empresas terem uma estrutura de capital muito mais saudável com o patamar de juros que a gente tem. Isso viabiliza financiamento, investimento, crédito para aquisição e uma série de coisas que no passado eram inviáveis. O terceiro é o fluxo de investimento, sob o ponto de vista do investidor, de renda fixa para produtos de maior retorno. Isso tem turbinado todas as assets da Faria Lima e do Rio de Janeiro.

De que forma?
Esses caras estão montados em uma pilha de dinheiro e a ponta que eles precisam ligar é ativo. Então, na hora que combina esses fatores: a visão macro positiva, a realidade das empresas, com excesso de liquidez local, você ligou o mercado de capitais. Essa é a combinação que, no fim do dia, tem expandido tudo. Olhando para 2020, os indicadores que vão sustentar esse ciclo de crescimento vão se intensificar.

As questões políticas podem atrapalhar?
Vamos olhar do ponto de vista de fundamento. Quando converso com minha equipe, discuto muito que temos de ter uma habilidade muito complexa de filtragem do que é ruído, do que é divergência da realidade e do que é fundamento macroeconômico e isso é muito difícil de fazer. Não quero entrar na seara de ideologia de política, mas vamos olhar sob o ponto de vista de fundamento. País em guerra volta a crescer, país em recessão de catástrofe volta a crescer.

"País em guerra volta a crescer, país em recessão de catástrofe volta a crescer"

Então chegou a hora...
Estamos em um período de vento contra há quase dez anos. A gente não se dá conta do quão complexo têm sido os últimos anos, sob o ponto de vista de mercado, de financiamento, de crescimento, de desenvolvimento de indústrias locais. A gente hoje tem colecionado empresas que ou sobrevivem ou que são grandes vencedoras, mas que estão entregando resultados sem crescimento no top line. Se você pensar na capacidade do empresário brasileiro de gerar retorno sem crescimento no top line, esse negócio se chama eficiência. E as empresas nacionais são extremamente eficientes. Hoje, os caras que estão liderando as indústrias tiveram de passar por um período darwiniano, eles não têm crescimento. Eles estão trabalhando entrega de margem e resultado melhorando estrutura de custo e de eficiência operacional, e isso é mágico. Qualquer indicação, por menor que seja, de expansão no top line tem um efeito muito explosivo no bottom line porque o cara já está com a estrutura mais enxuta que ele poderia ter.

Mas quais são os indicadores que fazem com que você e sua equipe enxerguem essa retomada?
Olha para o fundamento macroeconômico sob o ponto de vista de reformas. Agora olha sob o ponto de vista das microrreformas, para o destravamento da forma de fazer negócios. Isso tem um impacto enorme para os empresários. E aí começa olhar pequenos números, a geração de empregos, a questão do patamar dos juros. As indústrias de base voltaram a entregar resultados, a indústria automobilística voltou a crescer, a indústria agrícola e a indústria de real estate também estão crescendo. Tem um ciclo vindo. Menos intenso do que já foi no passado porque hoje tem uma maturidade dos principais agentes de mercado. Só consegue capital de qualidade se a sua tese for muito robusta. Esse é o ciclo saudável que a gente sempre imaginou ter na volta do mercado de capitais.

Mas será que esse ciclo se sustenta?
Sendo o mais agnóstico possível politicamente, o resultado na economia vai ser positivo. Temos indicações sólidas de que haverá aumento do consumo, aumento de renda discricionária, melhor disposição de renda com a queda do desemprego. Esse negócio dá na veia de algumas indústrias. Real Estate aumenta a ocupação, aumenta a discussão de crédito imobiliário, traz investimento em estrutura logística, em lajes comerciais, investimento em malls, aumenta consumo, os grandes varejistas se ocupam, a cadeia logística começa a investir e aí vira uma bola de neve onde uma indústria acaba tendo efeito positivo na outra. E é daí que vem o crescimento de ciclo econômico. Na nossa visão, a história de 2020 está desenhada dessa forma.

"Temos indicações sólidas de que haverá aumento do consumo, aumento de renda discricionária, melhor disposição de renda com a queda do desemprego"

Esse ciclo vai até quando?
Vamos assumir que R$ 500 bilhões que estão investidos em renda fixa vão para renda variável. Olha para os fundos internacionais de emerging markets. Historicamente, o Brasil representava uma porção no portfólio de alocação deles. Hoje, esse patamar é significativamente menor do que a média histórica. Se fizermos um movimento de recolocar o Brasil no peso histórico de alocação dos principais fundos globais de emerging markets, estamos falando de uma injeção de US$ 150 bilhões. E aqui não estamos falando de incremento de posição, estamos falando de o Brasil voltar para a média histórica do que ele representava nos portfólios. US$ 150 bilhões é o equivalente a mais R$ 500 bilhões.

É uma injeção total de R$ 1 trilhão...
Agora, vamos trazer um terceiro elemento. Há uma série de investidores locais no Brasil, como os fundos de pensão com os juros atuariais de 6% mais IPCA. ‘Sabe quando a gente consegue isso hoje com produtos baixo risco? É impossível.’ Os grandes fundos de pensão estão se posicionando fortemente em produtos de maior yield, é na veia de renda variável. Eles estão começando a ocupar um papel importantíssimo nas ofertas. Estamos falando de um universo em liquidez que historicamente a gente não conseguiu ter. Obviamente, tivemos momentos de céu de brigadeiro, mas essencialmente dependia do movimento internacional vendo o Brasil com bons olhos para a gente fazer o inflow de caixa para conseguir sustentar o mercado local.

Pelo que você está dizendo, não precisaremos mais...
Não precisamos mais. E ainda teremos os investidores internacionais porque o Brasil, acertando o que precisa ser acertado, está na contramão de todos os emergentes que historicamente disputavam o dólar com a gente. Pega a Argentina, sem comentários. México e Turquia, idem. Uma crise estrutural sem tamanho. China com guerra comercial com os Estados Unidos. Por mais que se resolva, é uma agenda muito mais complexa. Índia e Rússia também estão com agendas complexas. À medida que conseguimos indicar um ciclo de crescimento com sustentabilidade, a indústria local sustentar esse movimento e começar a fazer uma justificativa estratégica de entrada dos estrangeiros, por que não acreditar que 2020 vai ser o melhor ano que a gente pode ter?

Mas você acredita que será um ciclo longo?
Acredito. Antes dependíamos do alinhamento de planetas para que o estrangeiro investisse aqui. Essa dinâmica mudou. Só o fluxo de liquidez local sustenta isso por muito tempo.

Muitos analistas estão com receio de uma recessão global. Isso pode atrapalhar o Brasil?
O único evento que pode turvar um pouco desse nosso cenário favorável é um crack global. O que, na nossa visão, não vai acontecer.

Do ponto de vista da indústria de mercado de capitais, quais setores devem buscar mais a bolsa?
Nossa expectativa é que a gente tenha indústrias com mais atividades, uma diversificação de histórias indo a mercado. Olha de junho para cá. Você tem fintech, real estate, seguro, varejo, logística, serviços... Hoje, o grande desafio é ter bons ativos na bolsa.

Qual é o perfil dos investidores?
Historicamente, se olharmos a participação de investidores estrangeiros e locais no mercado de capitais, o estrangeiro representava cerca de 70% a 80% das demandas de ofertas de companhias brasileiras e os locais de 20% a 30%. Esse negócio se inverteu completamente hoje. É exatamente o oposto. Te dou vários exemplos. No caso da C&A, demanda local foi de 70% e 30% de estrangeiros. No da Helbor, 85% de demanda local e 15% de estrangeiros. A demanda local é tão grande que a lógica do tamanho das transações e da estrutura das transações acabou também mudando. Tem ofertas entre R$ 300 milhões a R$ 800 milhões, o que historicamente não acontecia e hoje acontece de uma forma saudável por conta dos investidores locais.

"O estrangeiro representava cerca de 70% a 80% das demandas de ofertas de companhias brasileiras e os locais de 20% a 30%. Esse negócio se inverteu completamente hoje"

Recentemente, o presidente da B3, Gilson Finkelsztain, disse que a próxima onda na Bolsa será de empresas de médio porte. Isso vai acontecer?
Já está na nossa cara, aumentou. Já temos o maior pipeline que tivemos historicamente em operações em mercado de capitais, tanto em abertura de capital e follow-on. A agenda de IPOs em 2020 será muito mais intensa do que foi em 2019.

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