Durou dois dias a euforia que dominou os mercados internacionais neste início de trimestre. A forte valorização das bolsas americanas, que contagiou as europeias e até a brasileira – também animada pelo final do 1º turno das eleições – dá lugar à acomodação.

Indicadores de atividade dos dois lados do Atlântico colocam à prova o humor dos investidores. A euforia dá lugar à cautela, mas não neutraliza a percepção de que o Federal Reserve (Fed) talvez não precise mais fazer um aperto monetário tão urgente quanto o sinalizado até agora.

Do lado europeu, dados da indústria e serviços divulgados nesta quarta-feira, 5 de outubro, apontam firme desaceleração da economia e recrudescem o temor de recessão global. E investidores realizam lucros.

Do lado americano, o indicador de criação de postos de trabalho no setor privado, também publicado hoje, mostra força e renova a expectativa de que o Fed deverá manter sua política monetária agressiva na luta contra a inflação. Nesta quarta-feira, a probabilidade de o Fed elevar o juro em mais 0,75 ponto percentual em 2 de novembro é de 66,8%, segundo o FedWatch, do CME Group.

“A ficha caiu no mercado”, afirma ao NeoFeed, Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, que lista as ações do Fed que acabaram convencendo o mercado de que o juro continuará subindo, mas talvez em ritmo mais gradual. “E o mercado se convenceu, inclusive, porque ocorreu a ‘mãe das reprecificações’: o juro real americano voltou a ser positivo”, diz o economista.

A desaceleração de indicadores de atividade nos EUA, anunciados no início da semana, é apontada por Olivares como indutora de um ambiente mais positivo e que levou os mercados à euforia. Paralelamente, o fortalecimento do dólar no câmbio internacional ajudou.

O cenário mais favorável aos ativos não elimina, porém, riscos presentes. Entre eles, o mercado de trabalho nos EUA, que pode surpreender por sua pujança, e maiores dificuldades no Reino Unido.

O economista da Azimut Brasil reconhece que o Credit Suisse traz apreensão. “Mas o Credit não é o Lehman Brothers e não representa um risco sistêmico”, observa.

O trânsito do Brasil ao 2º turno das eleições não preocupa Olivares, para quem o cenário externo é o fator mais relevante para a formação de preços na bolsa brasileira. Importante, afirma, é o fato de o País ter a primeira transição de governo sem que haja discussão sobre política monetária.

“Quanto à questão fiscal, não vejo diferença seja quem for o próximo presidente da República. A política fiscal é o calcanhar de Aquiles do Brasil. Algo será construído com menor ou maior folga. A certeza é que as contas públicas não vão quebrar”, pondera.

Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

A euforia do mercado americano neste início de trimestre é justificada?
Tem motivo para otimismo moderado. Nos últimos quatro ou cinco meses tivemos um choque de realidade no mundo desenvolvido. Os bancos centrais que estavam retardatários no ajuste de suas políticas monetárias de combate à inflação correram atrás do prejuízo. O mais relevante, o Federal Reserve (Fed) promoveu a inédita sequência de três altas de juro de 0,75 pontos percentuais e carregou outros bancos, como o Banco Central Europeu (BCE), para o ajuste.

Houve uma sequência de eventos até o otimismo atual?
Sim. No Simpósio de Jackson Hole, em agosto, o presidente do Fed, Jerome Powell, foi mais duro. Depois veio a reunião de política monetária que reforçou seu discurso. E a ficha caiu no mercado. Ficou evidente que o Fed não vai abrir mão de trazer a inflação para 2% e que o juro será elevado. O mercado se convenceu disso, inclusive, porque ocorreu o que chamo de “mãe” das reprecificações de ativos. O juro real americano passou a ser positivo, o que era impensável três meses atrás.

O Fed deu um cavalo de pau em sua própria política...
Deu um cavalo de pau, recuperou sua credibilidade e está no controle do jogo. A partir daí, a discussão que está ocorrendo, inclusive entre dirigentes do Fed, como se vê nas declarações, é se há necessidade de o ajuste do juro ocorrer na velocidade que se imaginava. Talvez o juro tenha que ir até 4,50% como foi sinalizado pelo próprio Fed, mas com menos urgência. O Fed já indicou que a inflação estará na meta em 2024.

Outros fatores animam os mercados?
Há uma sensação de alívio reforçada pelo Banco Central da Austrália que desacelerou o ritmo de ajuste de sua taxa, de 0,50 ponto para 0,25. Paralelamente, o índice de atividade industrial dos EUA recuou de 52,8 pontos, em agosto, para 50,9, em setembro, segundo o indicador PMI/ISM, na desaceleração mais expressiva em dois anos e meio. Além disso, o relatório Jolts (Pesquisa Mensal de Vagas e Rotatividade de Trabalho) surpreendeu para melhor com 10,1 milhões de vagas em agosto – no maior declínio em quase dois anos e meio. Em julho, foram abertas 11,170 milhões de vagas.

Esse conjunto de dados indica que o juro está fazendo efeito?
Indica e não só nos EUA. O indicador de atividade industrial global também recuou, o que aponta para preços menores de manufaturados que acabarão chegando aos preços ao consumidor. Não se vê este movimento na Europa em função dos custos da energia e também na China, o único país que ainda tem a pandemia como fator de redução da atividade. Mas mesmo o crescimento menor da China tem um lado bom. O excesso de estoques no país deverá levar à redução de preços aos países importadores de seus produtos. Mais um fator a favor do ambiente positivo é ter ocorrido uma ‘crise emergente’ no Reino Unido há duas semanas. Essa crise, que levou à intervenção do Banco da Inglaterra no mercado de títulos, provocou a depreciação da libra esterlina e do euro e levou o dólar ao nível mais alto em vinte anos.

"Não creio que o Fed cometerá o mesmo erro de deixar o discurso solto. Na margem, a necessidade de um discurso mais duro é menor porque o mercado já entendeu a mensagem"

A disposição da OPEP+ de cortar a produção de petróleo pode mudar esse roteiro positivo?
Nesse caso, é preciso ler nas entrelinhas... Há um mês, a OPEP+ sinalizou a intenção de cortar 100 mil barris de petróleo ao dia. Agora acena com corte de 1 milhão de barris ao dia. É intuitivo. Se o produtor pretende reduzir a produção é porque está vendo os preços para baixo. Está vendo a demanda despencando. Portanto, o movimento da OPEP+ não é para trazer o preço para cima, mas evitar sua queda. Hoje, o petróleo está custando cerca de US$ 80 o barril, nível praticado em janeiro deste ano. É possível até discutir se esse preço era correto naquele momento. Mas o fato é que, hoje, o petróleo custa o que custava antes da guerra da Ucrânia.

A euforia mostra que o pior já passou?
Há riscos presentes. Um deles é o mercado de trabalho nos EUA que pode mostrar mais força que o esperado. Também pode surgir alguma indicação de que a inflação americana resiste, inclusive, porque os núcleos estão fortes. Não se deve descartar outros acidentes de percurso. Um deles é o Reino Unido enfrentar mais problemas; outro é o Credit Suisse que traz apreensão. Muitos lembram do Lehman Brothers, mas não é o caso. O Credit não representa risco sistêmico. E a regulação bancária pós-crise de 2008 impôs muitas travas nas relações entre balanços de bancos e tesourarias e não é porque um vai mal que a outra divisão também irá. A engenharia financeira criada a partir de 2008 inibe esse tipo de contágio.

O rali dos mercados torna vital a comunicação do Fed para evitar um desarranjo de expectativas?
A comunicação é fundamental. Veja que o endurecimento de discurso e ação do Fed, a partir de junho, ocorreu porque as condições financeiras estavam afrouxando e as bolsas subindo mesmo depois de uma alta de juro de 0,75 ponto. E isso levou a instituição a falar grosso. Então, não creio que o Fed cometerá o mesmo erro de deixar o discurso solto. Na margem, a necessidade de um discurso mais duro é menor porque o mercado já entendeu a mensagem. Entretanto, uma sinalização de menos urgência na implementação do ajuste de juro deve ser acompanhada por um discurso forte. O Fed tem que evitar o clima de já ganhou e levar o mercado a precificar cortes.

O Brasil embarcou na euforia global na segunda-feira, 3 de outubro, e sob impulso do final do 1º turno das eleições. Qual estímulo prevalece na orientação do mercado?
A coincidência dos fatos em uma mesma janela de tempo torna difícil estimar quanto dos movimentos dos ativos aqui foi reflexo do comportamento do mercado internacional e quanto ocorreu – sobretudo na segunda-feira, 3 de outubro – em função da caminhada da eleição para o 2º turno. Na minha avaliação, o impulso externo é mais importante. Não sou otimista a ponto de esperar um grande rali de ativos locais em função das eleições. Mas entendo que se o mundo continuar tendo rali, aqui o rali também acontecerá.

Neste momento há algo que favorece os mercados locais?
A nosso favor e não só mercado, mas como sociedade, temos o fato dessa eleição marcar a primeira transição de governo em que não há discussões sobre política monetária envolvida. Não se discute se o próximo presidente do Banco Central será ‘hawkish’ ou ‘dovish’ – mais ou menos inclinado a aumento de taxas de juros. Isso já está definido pela autonomia do BC, pelo ciclo adiantado de aperto monetário e a perspectiva de que ele não elevará mais a taxa de juro. Inclusive, porque o próprio BC já verbalizou que não deve cortar a Selic antes de junho de 2023.

"A política fiscal é o calcanhar de Aquiles do Brasil. Algo será construído com maior ou menor facilidade, com mais folga ou menos folga. A certeza é que as contas públicas não vão quebrar"

Essas condições são fundamentais?
Não são suficientes, mas são necessárias. Quanto à questão fiscal, não vejo grande diferença seja quem for o próximo presidente eleito no 2º turno. A política fiscal é o calcanhar de Aquiles do Brasil. Algo será construído com maior ou menor facilidade, com mais folga ou menos folga. A certeza é que as contas públicas não vão quebrar.

De concreto sobre eleições temos um desenho mais conservador do Congresso...
As pessoas estão vendo o Congresso como conservador e, portanto, reformista. Mas vejo uma confusão aí. Conservador e reformista não são sinônimos. O conservador quer manter as coisas como estão. Isso é quase antítese do reformista que não está satisfeito, quer mudar e não quer voltar ao passado. Mas mesmo na hipótese de o Congresso ser conservador, e querer deixar tudo como está, reformas feitas permanecerão e outras serão perseguidas. A única coisa que sabemos, de fato, é que o “Centrão” vai ser governo e posições extremas serão evitadas. Os candidatos vão procurar o meio termo, decisões mais consensuais. Eles terão que buscar votos de quem não pensa igual. E, para isso, é necessário fazer concessões. Infelizmente, não será desta vez que chegaremos a uma agenda programática.