A economia global viveu um ano de volatilidade atípica. A rápida retomada da atividade econômica, após um longo período de paralisia causada pela pandemia da Covid, aliada ao choque dos preços de energia e de alimentação, efeito da guerra na Ucrânia iniciada em fevereiro, desestruturou os mercados e abriu caminho para alta persistente da inflação - uma novidade nas economias estáveis do Primeiro Mundo.

Neste cenário de incertezas, o remédio tradicional escolhido para conter a alta de preços – o aumento das taxas de juros -- foi o mesmo adotado pelas autoridades monetárias de todo o planeta, incluindo do Brasil.

A essa altura, resta saber se as doses de juros ministradas pelos Bancos Centrais dos diferentes países, cada um com suas particularidades, estão ajudando na retomada da normalidade pré-pandemia ou contraindo ainda mais a economia global.

A única certeza é que as taxas de juros deverão prosseguir num patamar elevado pelo menos até 2024, colocando, indiretamente, os BCs no banco dos réus, por não terem avaliado a escalada da inflação a tempo.

“O fato é que ninguém, nem os Bancos Centrais e muito menos o mercado financeiro, previu que a inflação viesse com essa intensidade toda”, afirma José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), citando a tempestade perfeita de fatos que levaram a um aumento inesperado da inflação no período pós-pandemia.

Em alguns países, como nos Estados Unidos, alguns fatores influenciaram mais no aumento da inflação, cujo índice anual está em 7,1%. Um deles foi a rápida recuperação do mercado de trabalho.

De acordo com Victor Candido, economista-chefe da RPS, gestora de fundos, cerca de 3,5 milhões de americanos abandonaram o mercado de trabalho durante a pandemia (se aposentaram, decidiram ficar em casa com os filhos, mudaram de cidade, etc).

“Com a retomada rápida da economia, as empresas tiveram de contratar, o nível salarial subiu, inclusive para quem já estava trabalhando, e tudo isso ajudou a aumentar a inflação, a ponto de o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, passar a monitorar a elevação de salários”, diz Candido.

Inflação transitória

Há também consenso entre boa parte dos economistas de que, se houve demora dos BCs em agir, como nos EUA, foi porque havia a percepção de que a alta da inflação seria transitória.

“Os EUA nunca tiveram a experiência de lidar com inflação alta por muito tempo, deixaram correr solta, achando que o mercado ia resolver”, diz Marco Noernberg, head de renda variável da Manchester Investimentos.

Ele observa que o governo americano injetou cerca de US$ 5 trilhões em programas de ajuda econômica durante a pandemia. “Com a retomada econômica, havia liquidez, as taxas de juros estavam próximas de zero e a demanda ficou reprimida, sendo que a oferta não acompanhou na mesma proporção”, acrescenta Noernberg. O resultado: inflação ascendente.

Embora todos os países tenham aumentado os juros para conter a inflação, chama a atenção as diferentes estratégias utilizadas pelos Bancos Centrais para enfrentar o problema. Senna, do Ibre/FGV, lembra que os efeitos dos choques principais (alimentação e energia) constituem 50% da inflação na Europa, enquanto nos EUA essa parcela é de apenas 15%.

Mesmo assim, ele afirma que a abordagem do Fed para atacar a inflação tem sido muito mais intensa do que a praticada pelos BCs europeus.  Nos EUA, os juros estão no limite da banda, de 4,5%, o que representa um aperto monetário significativo. Na zona do euro, na média, os juros de depósito não passam de 2%.

Senna aponta duas razões, ambas especulativas, para essa diferença de estratégia. Nos EUA, a inflação está sendo mais impulsionada pelo aumento de demanda, que por sua vez está aquecendo a oferta de empregos.

“Para desaquecer o mercado de trabalho, precisa desaquecer a demanda agregada, e a variável que a desaquece é a taxa de juros”, diz Senna.

Estagnação secular

Por outro lado, a cautela do BC europeu em elevar os juros - apesar da inflação de 10,1% - pode estrar ligada a um comportamento que já vinha sendo seguido antes da pandemia, um fenômeno chamado de estagnaçao secular.

Cunhado por Alvin Hansen, o “pai” dos economistas americanos keynesianos, o termo se refere ao fato de na economia de um determinado país ter muita gente querendo poupar, mas pouca gente querendo investir ou consumir. O cenário é de pouca demanda, inflação baixa e crescimento tímido.

De acordo com essa tese, o juro de equilíbrio (fundamento da política monetária) é zero ou negativo. Isso justificaria a atual política mais branda do BC Europeu, embora Senna reforce que a razão é especulativa.

“Intuitivamente, o BC europeu pode estar evitando aumentar muito a taxa real do juro de política monetária para não colocar num patamar muito maior que os juros de equilíbrio, o que significaria um tranco muito grande na economia”, diz.

O Japão, de acordo com o economista do Ibre/FGV, é um exemplo clássico da estagnação secular, com crescimento lento e baixo, deflação em vários períodos, juros zero ou negativos.

Num exemplo dessa linha de atuação, na terça-feira, 20 de dezembro, o Banco do Japão (BoJ) – o BC do país – surpreendeu os mercados globais ao flexibilizar sua política e permitir que os juros de longo prazo tenham oscilações mais elevadas, ao menos para os padrões japoneses.

Na prática, a taxa de depósito foi mantida pelo BoJ em - 0,1% e a meta para os juros de dez anos continuou fixada em zero. Mas o BoJ autorizou que a taxa de dez anos possa subir até 0,5%.

Em tempos de juros altos, o BoJ é o último Banco Central a manter as taxas de juros negativas. Em 2022, o Japão teve uma taxa média de inflação de 1,99%, o maior índice em quase uma década.

Quanto ao comportamento do Banco Central brasileiro nesse embate contra a inflação a avaliação é positiva. Noernberg, da Manchester Investimentos, observa que o BC fez a lição de casa antes do Fed e dos BCs europeus, ampliando rapidamente a taxa de juros de um patamar de 2%, em janeiro de 2021, até os atuais 13,7%.

Para Cândido, da RPS, a expectativa de expansão de gastos do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o que mais preocupa.

Segundo ele, existe o risco desse gasto excessivo colocar a economia numa trajetória fiscal ruim, com juro neutro mais alto. “Não acredito que a taxa de juros suba, mas que o BC corte menos do que estava prevendo antes das eleições”, disse.