A eleição presidencial brasileira está sendo bastante aguardada pelos investidores, que querem saber se a conclusão do pleito abrirá caminho para uma volta robusta e com relativa segurança para a Bolsa, para aproveitar as diversas “pechinchas” no mercado.

Para Luciano Telo, CIO do Credit Suisse na América Latina, embora as ações estejam em níveis historicamente baixos, a falta de clareza sobre o rumo da política fiscal e a inflação alta no Brasil e no mundo vão manter a renda fixa como a melhor opção de investimento para 2023. 

"A curva de juro real tem ainda prêmios muito grandes, relativamente grandes para padrões históricos", diz Telo, em entrevista ao NeoFeed. "Então, ao longo do final desse ano e no começo do ano que vem, nossa tendência é adicionar posições na renda fixa aplicada."

Responsável pelas estratégias de investimento do banco para a América Latina, Telo e sua equipe vem deslocando os investimentos da renda variável para a renda fixa desde setembro do ano passado, diante dos efeitos que a inflação e a alta dos juros teriam sobre as ações. No período, o Ibovespa registra queda acumulada de 9,2%. 

No banco há dois anos e na posição de CIO para América Latina desde agosto, Telo entende que a situação deve começar a pender para a renda variável no momento em que a inflação começar a ceder, aqui e lá fora, e a taxa de juros começar a ceder para níveis estruturais de longo prazo. 

O fato de a Bolsa apresentar boas oportunidades não é suficiente, segundo ele, para voltar ao mercado com mais peso. "Para eu ficar sobrealocado em bolsa, além do valuation descontado, preciso ter um evento que possa trazer esse preço rapidamente para uma correção e um custo de oportunidade que não seja tão proibitivo", diz.

Reticente quanto à renda variável, Telo está concentrando os recursos em ações de companhias de commodities e bancos tradicionais, de maior peso no Ibovespa. 

Para ele, uma sinalização do novo presidente no sentido de controle fiscal e realização de reformas pode acelerar a volta da renda variável e abrir oportunidades para além daqueles segmentos considerados de value

“Se tiver uma sinalização de que o crescimento brasileiro pode ser mais forte durante algum tempo, porque você ganhou esse espaço com reformas, isso seria um movimento muito positivo para Bolsa e para os setores domésticos, setores como varejo e empresas baseadas em tecnologia”, diz Telo.

Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Como você avalia o momento da economia brasileira? Tivemos números positivos a respeito do PIB, revertendo uma expectativa negativa no início do ano. É um ano positivo?
O Brasil de fato surpreendeu para cima em termos de desempenho econômico, de crescimento, neste ano. Temos uma novidade interessante, que é a taxa de desemprego começando a cair, geralmente ela demora um pouco mais a reagir. O crescimento brasileiro tem sido mais forte do que se esperava no começo do ano e mesmo do que esperava ali na metade do ano. De fato, é uma notícia positiva.

E inflação? Você acha que também está em uma trajetória aceitável?
A inflação ainda está alta e isso está acontecendo no mundo inteiro. Todo mundo já espera que a inflação comece a cair, convergindo nos países centrais e no Brasil também. Para a inflação do ano que vem, o nosso número está entre 5% e 6%, o que seria uma convergência gradual, embora ainda longe da meta [de 3,25%]. O ponto é que partimos de patamares muito altos de inflação, não só no Brasil, como lá fora. Tem um caminho ainda para desinflacionar as economias e isso vai durar um tempo. Esse é o recado que a gente percebe no Fed e o que a gente percebe aqui com o BC.

O que isso significa para os juros?
Tivemos um ciclo de alta dos juros globais. O Brasil foi o primeiro a começar a subir os juros, que podem ficar altos por algum tempo. O mercado sempre procura a próxima história, de quando que vai ter o corte, mas a nossa visão é que teremos que ficar algum tempo com juros altos. Os Estados Unidos também podem trabalhar com juros altos durante muito tempo. A gente consegue ver um corte no Brasil no segundo semestre do ano que vem. O mercado deve antecipar isso, colocar no preço antes do BC de fato cortar, mas a gente tem algum tempo ainda de juros altos, porque essa inflação ainda tem que convergir para a meta, porque ainda está em patamares muito altos.  

Qual o cenário do Credit Suisse para a Bolsa? Você já deu declarações de que estava tirando Bolsa da estratégia de investimentos. Isso mudou?
Desde setembro do ano passado, a gente vem reduzindo posição na Bolsa, tanto local quanto no exterior. Víamos um cenário em que os juros teriam que subir, teria um freio de arrumação por conta da inflação e que isso teria efeitos no resultado de Bolsa. A gente veio o ano inteiro deslocando o risco das carteiras para a renda fixa. Para a renda fixa indexada, que aproveitava os juros mais altos e, recentemente, a renda fixa de juros reais. Vimos o juro real chegar ao patamar de 6,20% a 6,30% no momento em que a gente fez uma alocação adicional e agora, que está em 5,70% e 5,80%, é um nível de juro real que a gente considera ainda atraente para fazer posições em ativos ligados à inflação. 

O ritmo do ajuste dos juros é uma discussão relevante, mas a gente acha mais importante saber é até onde o Fed vai

Como o cenário eleitoral está influenciando em termos de alocação?
A eleição tem dois impactos. O primeiro é que a parte de expectativa fiscal para 2022 ficou mais frouxa. A expectativa de mais gastos para o ano aumentou, porque você está numa disputa eleitoral, então naturalmente qualquer candidato em uma disputa acirrada vai ter um incentivo a falar um pouco mais sobre perpetuar gastos. A expectativa dos agentes econômicos é de que o lado fiscal permaneça relativamente frouxo até ter uma sinalização de que vai ter um ajuste. E essa mensagem não vem no momento eleitoral. O segundo impacto é que, dado que a eleição é um evento importante, e considerando que os juros estão altos, os investidores estão um pouco mais reticentes em tomar novas posições nesse momento. 

Quando vocês entendem que a Bolsa ficará novamente atrativa? Quando pretendem mudar a estratégia?
Para mim, a bolsa global é uma alocação adicional, provavelmente apenas para o ano que vem. No primeiro ou segundo trimestre do ano que vem deve ficar mais claro o ajuste que o Fed vai fazer. É preciso destacar que o ritmo do ajuste é uma discussão relevante, mas outra discussão que a gente acha mais importante é até onde o Fed vai. A gente imagina que neste segundo semestre ainda terá mais ajustes nas expectativas de juros, dado o nível da inflação lá fora. No caso do Brasil, as ações estão mais descontadas do que lá fora, e tem um evento importante agora, a eleição, então a gente tem ficado alocado na posição neutra. Não estamos desalocando mais, mas adicionamos algumas proteções. 

O valuation descontado não cria incentivos para ter uma alocação maior em Bolsa? Como isso tem pesado na posição de ficar neutro?
Para ficar sobrealocado em alguma classe de ativos, eles têm que ter um valor acima do valor estrutural deles. O valuation descontado até me estimula a ficar sobrealocado, mas eu tenho que olhar algumas coisas além disso. Tenho que olhar o custo de oportunidade e o custo de oportunidade hoje aumenta muito a barra para investir em alguma coisa com mais volatilidade. E eu já vou ter ganho real ficando no CDI. Então para eu ficar sobrealocado em bolsa, além do valuation descontado, preciso ter um evento que possa trazer esse preço rapidamente para uma correção e um custo de oportunidade que não seja tão proibitivo. O valuation apontaria para uma sobrealocação, mas a resolução dos juros lá fora e o nível de juros que a gente vai ficar no Brasil durante algum tempo inibem uma alocação adicional. 

Os juros são o principal fator para essa posição?
Principalmente os juros e o que eles trazem mais para frente, porque deve provocar uma revisão de crescimento. Os juros hoje têm um papel de custo de oportunidade, atraem fluxo, mudam a decisão dos agentes econômicos, porque você tem um ganho real sem precisar de volatilidade. Eles também me deixam mais incerto quando projeto o ano que vem em termos de crescimento. 

Considerando essa visão mais cautelosa quanto à Bolsa, como o Credit Suisse tem se posicionado?
Dentro da Bolsa, a gente tem ficado em setores com bastante peso no índice e que estão mais descontados. Temos ficado em commodities e bancos, é a maior parte da posição que a gente tem hoje. Isso é um pouco reflexo desse novo mundo, que vai trabalhar com juros mais altos por mais tempo. Você começa a querer pagar menos pelo lucro futuro. Então, quanto mais deslocado na frente está o lucro das empresas, de companhias de alto crescimento, que vão buscar retorno mais à frente, ainda devem continuar penalizados. Porque se os juros continuam altos por mais tempo é importante aquela geradora de fluxo de caixa, mais estáveis, mais confiáveis, aqueles negócios às vezes até mais tradicionais.

O custo de oportunidade aumenta a barra para investir em alguma coisa com mais volatilidade. E eu já vou ter ganho real ficando no CDI

Quando você imagina que esse cenário começa a desanuviar e abrir a possibilidade de olhar para outros setores?
O começo do ano que vem vai ser importante, porque quem quer que esteja no governo, tem que sinalizar um rumo que a gente vai tomar. Se espera um plano de ajuste fiscal e um plano de reformas. Se tiver uma sinalização de que o crescimento brasileiro pode ser mais forte durante algum tempo, porque você ganhou esse espaço com reformas, isso seria um movimento muito positivo para Bolsa e para os setores domésticos, setores como varejo, empresas baseadas em tecnologia, se buscaria esse tipo de investimento. Quando não se tem esse horizonte, você fica mais próximo das empresas com previsibilidade de fluxo de caixa e com múltiplo menor para entrar. 

Para renda fixa, vocês continuam com a mesma estratégia desse ano? O que vocês projetam para 2023?
Acho que 2023 deve ser um bom ano para renda fixa aplicada. Os juros no Brasil já estão em patamares restritivos, eles já ajudam a convergir a inflação ao longo do tempo. A dúvida é quanto tempo eles têm que ficar nesse patamar. Mas à medida que o mercado vai encontrando notícias boas de inflação, que parece ser a tendência, essa renda fixa aplicada pode ter ganhos expressivos. Por enquanto, a gente está negociando em intervalos. O DI futuro está muito volátil, não permitindo apostas muito grandes. À medida que você vai caminhando para o próximo ano e a inflação vai dando sinais de convergência, tem espaço para os juros futuros caírem e o mesmo acontece com os ativos ligados à inflação. A curva de juro real tem ainda prêmios muito grandes, relativamente grandes para padrões históricos. Então, ao longo do final desse ano e no começo do ano que vem, nossa tendência é adicionar posições na renda fixa aplicada.

Nesse cenário, a estruturação de carteiras está priorizando renda fixa, para depois voltar à Bolsa?
Primeiro vamos capturar o prêmio da renda fixa, que te permite ficar mais tempo ali. O carregamento é bom, a inflação ainda é alta, então o indexador também te ajuda, no caso dos ativos ligados à inflação. No segundo momento, você captura mais em Bolsa se começar a convergir para juros corretos, mais estruturais de longo prazo, e aí você pode migrar gradualmente em direção à renda variável. Mas isso é um segundo passo, porque ainda tem que olhar para inflação e juros altos no segundo semestre. A segunda história é o primeiro e segundo trimestre do ano que vem, eventualmente olhando para ver se a inflação cadente permite uma queda dos juros mais longos. Se olharmos para frente e vermos que isso é mais duradouro, seria o momento de Bolsa, para trocar a proporção. 

Tudo isso você imagina que possa acontecer até o final de 2023 ou tem algum risco para a atual situação permanecer estável?
Tem sempre riscos que a gente não consegue mapear antes, mas o cenário que a gente trabalha para 2023 é a continuidade de petróleo em níveis altos e a inflação relativamente alta. A discussão de 2023 vai ser, dado que você já fez esse aperto de juros no mundo todo, quais mercados e blocos econômicos entram em recessão. A discussão toda para o ano que vem é se a dose dada de juros foi suficiente para resolver a inflação. Ou se ela foi demais e começou a gerar uma recessão mais forte. A pauta para o final de 2022 é inflação e a pauta para 2023 é crescimento mais baixo.

Diante dessa situação, vocês estão planejando algum reposicionamento de produto ou entendem que o atual portfólio do banco atende a demanda demanda e necessidade dos investidores?
A gente deve reforçar nossa oferta de gestão com mais alfa, de fundos ativos. A gente imagina que nesses mercados mais voláteis, você tem espaço para gestão ativa. Até fora do Brasil, como nos Estados Unidos, que por muito tempo consagrou a gestão passiva, você tem uma busca maior por gestão ativa. A gente deve caminhar para mais fundos com gestão mais ativa, com mais giro, com mais alfa para complementar nosso portfólio.

A pauta para o final de 2022 é inflação e a pauta para 2023 é crescimento mais baixo

Em relação a criptoativos, vocês tem planos de investir?
A gente não opera ativamente essas classes. Eventualmente, se um cliente quer ter acesso através da corretora, ele pode comprar um ETF. Mas a gente não opera diretamente essas essas classes. 

Com a guerra na Ucrânia, muita gente decretou o fim do ESG, diante da crise energética que o conflito provocou na Europa. Sob ponto de vista de investimento, o ESG de fato morreu?
Incorporar preocupações ambientais, sociais, de governança, continua valendo. E aí depende de como você quer encarar cada assunto. Você precisa ter investimentos em produtores de petróleo, você continua tendo investimento em empresas de gás, isso tudo faz parte da economia. O que (os críticos) estão querendo dizer aqui é que é preciso considerar os riscos. E é preciso considerar também a mudança climática, o risco de ter um imposto maior ou crédito de carbono, quando você investe numa empresa de combustíveis fósseis. O ESG é a incorporação de fatores para a decisão de investimento daqui para frente. Nessa parte da discussão de segurança energética que dá para olhar do ponto de vista social e de governança, você precisa ter uma previsibilidade do fornecimento de energia, você precisa ter um cuidado com a população Isso também é uma análise dentro do arcabouço de ESG.