O governo federal anunciou nesta segunda-feira, 26 de agosto, um polêmico pacote de medidas visando a ampliar oferta de gás natural. A iniciativa foi elogiada por setores da indústria que dependem do insumo e criticada por especialistas ligados ao setor de petróleo, que preveem possível desdobramento na Justiça para barrar o pacote.

O anúncio ocorreu durante reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e da criação da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), com participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Para os que criticaram as propostas, as alterações previstas inviabilizariam os planos de exploração e produção que já foram aprovados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo), representando aumento de custos e quebra de contratos, além de violação da Lei do Gás, aprovada pelo Congresso Nacional em 2021.

Para evitar questionamentos legais, as medidas do governo foram incluídas no Decreto 10.712, de 2021, que regulamenta a nova Lei do Gás, com diretrizes em várias frentes. Numa delas, altera a forma de atuação da ANP, permitindo à agência reguladora atuar em toda a cadeia, da produção, movimentação e processamento até o transporte de gás natural.

Dados da ANP mostram que, em junho, 56% da produção de gás natural foi reinjetada –técnica que ajuda a manter a pressão dos reservatórios e otimizar a extração de petróleo, O governo federal, porém, alega que o volume elevado de reinjeção, superior à média internacional (cerca de 25%), reduz a disponibilidade de gás natural no mercado.

Entre as novas atribuições, o decreto permite à ANP limitar o gás natural destinado à reinjeção e, a despeito de contratos vigentes, revisar planos de desenvolvimento das petroleiras nas plataformas em busca de projetos que sejam viáveis elevar a oferta do insumo para o mercado.

Outro ponto polêmico do decreto é o poder dado à ANP para regular a tarifa de uso dos gasodutos que levam gás natural do alto-mar para a costa. O setor industrial que depende do gás – em especial as indústrias de alumínio, vidro e química – alega que esses gasodutos são controlados majoritariamente pela Petrobras, cobrando preços extorsivos pelo transporte, além de limitar o fornecimento com a reinjeção de gás nos poços.

Hoje, o custo do gás natural no País é calculado em US$ 14 o milhão de BTU (British Thermal Unit), medida usada como referência do teor calorífico do gás. Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, a expectativa é de que as medidas possam provocar uma redução de custo entre 35% a 40%, ou seja, para algo próximo a US$ 8,5 ou US$ 9.

Por isso, em outra frente, o decreto abre caminho para que a PPSA (estatal que gerencia a exploração no pré-sal) se torne um braço do governo para comercialização de gás natural – e, na prática, sem a necessidade de comercializar o gás por meio da Petrobras.

Contestação

Karina Santos, advogada da área de Sustentabilidade Corporativa do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, aponta várias questões no pacote que configuram uma claríssima intervenção do governo no setor de petróleo, que é regulado e, por essa razão, podem ser contestadas na Justiça. Segundo ela, o decreto extrapola as competências da Lei do Gás.

“Estamos falando de normas infralegais, o decreto não pode dispor mais do que a lei prevê, pois cria obrigações e restringe direitos dos produtores”, afirma, lembrando que a quantidade de reinjeção é feita com base numa análise de viabilidade econômica, incluindo custos e contratos vigentes.

Cada plataforma é feita sob medida e pode custar até US$ 5 bilhões. Além disso, uma alteração de infraestrutura poderá levar cerca de três anos. Outros elos da cadeia também precisarão ser adaptados, como as unidades de processamento de gás natural (UPGN), o que também levaria tempo.

Esse ponto tem potencial de judicialização, de acordo com a advogada Santos. “Isso porque, caso o operador não consiga atender novas condições, existe a possibilidade de a ANP adotar medidas para transferir o direito de exploração para terceiros de forma voluntária ou de a instaurar um processo administrativo para extinguir a concessão desse operador”, afirma.

Procurado pelo NeoFeed, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que defende as empresas do setor, preferiu esperar a publicação do decreto no Diário Oficial da União, provavelmente na terça, 27, para se posicionar.

O presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Passos Cordeiro, porém, acredita que as medidas vão destravar investimentos do setor.

"Há um ruído de que seria intervenção do Estado brasileiro, mas não tem nada disso, todas as etapas são reguladas”, assegura Cordeiro. “Deixar desregulado é que era o problema, cabe agora a implementação.”