O Departamento de Comércio do governo dos Estados Unidos anunciou na segunda-feira, 23 de setembro, mais um lance da guerra comercial com a China. Desta vez, pretende banir software e hardware chineses com conexão integrada à internet de veículos produzidos no país asiático que desejam entrar no mercado automobilístico americano.

Se a medida for efetivada, significaria na prática proibir veículos chineses de atuar no mercado dos EUA. Hoje, os veículos elétricos chineses já são sobretaxados no país em 100%, como parte da guerra comercial entre EUA e China.

O anúncio é resultado de uma investigação aberta em fevereiro pelo órgão para avaliar os riscos potenciais que os carros inteligentes, software e certas peças, como sensores, representavam para os EUA.

O governo de Joe Biden suspeita que as empresas chinesas que produzem hardware e software embarcados nos veículos fabricados no país possam coletar dados sobre motoristas e a infraestrutura dos EUA e manipularem remotamente carros conectados nas estradas americanas.

A nova norma também proibiria software e hardware russos. “Estamos emitindo uma proposta de regra para enfrentar essas novas ameaças à segurança nacional antes que fornecedores, fabricantes de automóveis e componentes automotivos ligados à China ou à Rússia se tornem comuns e difundidos no setor automotivo dos EUA”, disse a secretária de Comércio, Gina Raimondo.

O governo Biden redigirá uma regra final após um período de comentários públicos de 30 dias, com o objetivo de publicá-la antes de deixar o cargo. As proibições de software incluídas seriam aplicadas no carros modelo 2027, enquanto as proibições de hardware entrariam em vigor em janeiro de 2029 ou 2030.

O anúncio, a menos de dois meses da eleição presidencial de novembro, foi vista por analistas do setor como uma clara intenção do governo Biden de cortejar eleitores em estados indecisos como Michigan, um dos principais centros da indústria automotiva dos EUA.

"O governo Biden-Harris acredita que o futuro da indústria automobilística é feito na América por trabalhadores americanos”, disse a diretora do Conselho Econômico Nacional, Lael Brainard. “O anúncio garante que os americanos possam dirigir o carro de sua escolha com segurança, livre dos riscos representados pelas tecnologias chinesas.”

Oportunamente, Brainard participa de uma audiência em Michigan na segunda-feira, 23, sobre como os EUA pretendem fortalecer a indústria automobilística americana.

Embora existam poucos carros fabricados na China em circulação no país, montadoras como a Volvo são de propriedade chinesa e vendem seus veículos nos EUA. Várias outras montadoras chinesas vêm abrindo escritórios no país, aumentando os temores de que a China esteja avançando lentamente no mercado americano.

Os veículos chineses, em especial os elétricos, são cada vez mais populares na Europa e na Ásia, levando as montadoras americanas a soarem o alerta com a possibilidade de em breve competir com eles no mercado dos EUA.

Transição digital

Um exemplo do avanço chinês no mercado automobilístico global foi confirmado por um relatório da consultoria Gartner, mostrando que apenas três fabricantes de automóveis tradicionais – Ford, GM e BMW – chegam ao top 10 do chamado “índice digital de montadoras”, ranking anual da consultoria sobre o desenvolvimento de software crítico das fabricantes para alimentar os seus veículos.

Toyota e Volkswagen ficaram atrás no ranking, liderado por Nio, Xpeng e BYD da China e startups dos EUA, incluindo Tesla, Rivian e Lúcido.

O índice destaca como montadoras tradicionais do setor têm lutado para acompanhar as mudanças, onde o foco passou de motores superiores para o desenvolvimento de software que controlará tudo, desde baterias e recursos de segurança até auto-atendimento, tecnologia de condução e conectividade.

As montadoras tradicionalmente contam com engenheiros internos para desenvolvimento de tecnologia e software. No entanto, estão agora olhando para fora em busca de talentos de startups, bem como de grandes grupos tecnológicos como a Apple e o Google, causando choques culturais e tensões internas.

A Toyota é uma das montadoras que tem enfrentado dificuldades com sua unidade interna de software, a Woven, para tornar os veículos mais inteligentes, com perdas líquidas de US$ 888 milhões nos últimos dois anos. A Toyota pretende lançar seu novo software, o Arene, no próximo ano e atribuiu algumas das perdas a fatores pontuais.

O salto tecnológico em jogo pôde ser comprovado pela Volvo, quando o grupo sueco de propriedade da chinesa Geely lançou seu novo veículo utilitário esportivo elétrico no início deste mês.

O tão esperado EX90 está equipado com software avançado e chips Nvidia que permitem que seu carro se torne melhor e mais seguro ao longo do tempo. No entanto, chamaram a atenção os atrasos e falhas que a Volvo enfrentou no desenvolvimento de um sistema de computação centralizado.

Foi constatada uma ausência flagrante de funcionalidades importantes disponíveis em muitos veículos elétricos existentes, como o Apple CarPlay e o carregamento inteligente – que serão adicionados em futuras atualizações de software, como um smartphone.

O avanço da indústria automobilística em incorporar tecnologia digital de última geração aos seus modelos ajuda a explicar a cautela do governo americano em relação à tecnologia embarcada dos veículos chineses. Por outro lado, expõe o risco de os EUA ficarem para trás também nesse segmento.