Política e economia se entrelaçam na próxima semana de contagem regressiva para definir o presidente da República no domingo, 30 de outubro.
A eleição pode embaralhar a agenda carregada de indicadores econômicos, decisão sobre juro e balanços de empresas, mas não aborta o seu impacto.
Na semana, de 24 a 28 de outubro, a temporada de resultados corporativos referentes ao 3º trimestre avança. Quase duas dúzias de companhias apresentam seus resultados. Entre elas, Ambev, CSN, Gol, Klabin e Santander.
Nos últimos dias, o desempenho dos maiores bancos norte-americanos – posicionados na linha de frente da agenda de resultados – surpreendeu positivamente os investidores e alimentou firme valorização das bolsas de valores nos EUA e no Brasil.
Entretanto, os mercados não escaparam da reação negativa provocada pela inflação na Zona do Euro e Reino Unido, onde os preços avançaram, respectivamente, 9,9% e 10,1% em base anual até setembro – novamente os maiores níveis em 40 anos.
Esse contexto torna os resultados corporativos ainda mais relevantes porque poderão indicar se o aperto monetário global e local já está comprometendo a saúde do setor real da economia.
Como consequência, a política monetária permanecerá sob holofotes. E há motivo para isso. O Banco Central do Brasil (BC) e o Banco Central Europeu (BCE) anunciam nos dias 26 e 27 de outubro decisões sobre suas taxas básicas.
O BCE deverá elevar o juro em ritmo agressivo, de 0,75 ponto percentual pela segunda vez consecutiva. Adiantado no ajuste, o Copom deverá manter a Selic em 13,75% e, possivelmente, sinalizar de forma explícita sua estabilidade até meados de 2023 – indicação já dada verbalmente por Roberto Campos Neto.
A dissidência registrada na última reunião do Copom – quando dois diretores defenderam mais uma alta da Selic e não a estabilidade – recomenda atenção ao comunicado a ser divulgado na quarta-feira, 26 de outubro.
Desta vez, a dissidência pode ocorrer quanto à perspectiva de redução da taxa em 2023, quando já se dá como certo que a economia brasileira e a global vai desacelerar.
Mas dado do próprio BC, o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), divulgado na segunda-feira, 17 de outubro, aponta que, por aqui, a desaceleração já está a caminho. O IBC-Br – uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB) – caiu 1,13% em agosto.
Outro indicador, o Monitor do PIB, divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), na quarta-feira 19 de outubro, corroborou o resultado e recuou 0,8% também em agosto. Em 12 meses, a taxa acumulada ficou em 2,4%, o pior resultado desde junho de 2021.
O declínio da atividade sugere que o aperto monetário já está fazendo efeito e que o desaquecimento esperado para o 4º trimestre e em 2023 não é um capricho estatístico. E se a desaceleração for intensificada, a tendência é de maior pressão para que o BC corte a Selic mais cedo.
Também estão no pipeline para divulgação, entre 24 e 28 de outubro, os balanços do BC sobre operações do setor externo, de crédito e do mercado aberto referentes a agosto. O Tesouro o resultado das contas fiscais de setembro.
Dada a relevância da votação no 2º turno das eleições no domingo, 30 de outubro, essa bateria de indicadores econômico-financeiros parece modesta, mas ela é emblemática.
É a primeira vez que uma eleição presidencial no Brasil ocorre com o BC institucionalmente autônomo e blindado contra eventuais pressões políticas ou especulativas do mercado.
A autonomia do BC foi aprovada pelo Congresso em fevereiro de 2021 e atribui ao presidente e diretores da instituição mandatos desvinculados do mandato do presidente da República.
Até então, a troca da guarda no Palácio do Planalto implicava também na troca de comando do BC historicamente subordinado ao Ministério da Fazenda ou da Economia. Não é mais assim. Campos Neto lidera a instituição desde 2019, deve permanecer no cargo até dezembro de 2024.
Essa inédita estabilidade torna o BC do Brasil um “porto seguro” para investidores em tempos de mudança ou de reafirmação da política econômica vigente
Essa inédita estabilidade torna o BC do Brasil um “porto seguro” para investidores em tempos de mudança ou de reafirmação da política econômica vigente – a depender do resultado das urnas.
De bate-pronto, a decisão sobre a taxa básica a ser anunciada pelo Copom na próxima quarta-feira, 26 de outubro, é conhecida, mas a reunião do colegiado não é menos importante. Condição que também se aplica ao Banco Central Europeu.
A manutenção da Selic aqui e mais uma alta de juro da Zona do Euro estão contabilizadas nos preços dos ativos.
O Brasil leva vantagem no processo de ajuste. O BC colhe os frutos de ter identificado a persistência inflacionária antes de seus pares globais e ter promovido um aumento monumental de juro, inclusive, por ter mantido a Selic extremamente baixa – e por muito tempo – para padrões brasileiros.
Resultado? O BC conseguiu conter a alta de juros de prazos mais longos e, auxiliado pela inflação em queda, fortaleceu a confiança dos investidores na efetividade de sua política.
Ao contrário do que se observa na Europa e nos EUA, onde a inflação resiste e exige dos bancos centrais juros ainda mais restritivos para conter os preços, no Brasil a inflação desliza. E as expectativas também.
Os preços dos combustíveis, ainda sob o efeito da desoneração aplicada pelo governo, já não declinam sozinhos. Os preços dos alimentos também recuam.
Na contramão, por ora, os preços de serviços não arrefecem. O segmento segue favorecidos pela demanda potencializada com a abertura pós-pandemia e dá suporte à economia.
Para este ano, a perspectiva é de expansão do PIB em até 3%. E mesmo desacelerando a 1% em 2023, como esperam grandes bancos, o próximo presidente da República herdará um quadro privilegiado, ante a forte desaceleração global que se avizinha.
As projeções para inflação também são favoráveis ao próximo governo. Há poucos meses projetado em dois dígitos, o IPCA para este ano já é estimado em 5,6%, mostra a Focus. Para 2023, a expectativa está abaixo de 5% e, para 2024, em 3,4%.
A taxa de câmbio emite um sinal animador de equilíbrio. A despeito da volatilidade diária, no ano o real valoriza mais de 5% ante o dólar que, há meses, está no patamar mais elevado em vinte anos na comparação com as principais moedas.
Os indicadores são positivos, mas agregá-los a um novo momento da política econômica dependerá, sobretudo, de um compromisso inequívoco do futuro governo com uma política fiscal que inspire confiança.
Clareza na política fiscal será o gatilho a ser disparado pelo futuro presidente, após a abertura das urnas em 30 de outubro – um gatilho capaz de atrair investimentos e patrocinar para valer um ciclo consistente de crescimento. Seja qual for o governo.
* Angela Bittencourt é jornalista especializada em macroeconomia e finanças. Participou da fundação do Valor Econômico, onde exerceu as funções de editora e repórter especial, e atuou como colunista do Broadcast/Estadão e Reuters Brasil. Integrou a assessoria de imprensa do Banco Central na gestão de Henrique Meirelles