No dia 5 de julho, Jeff Bezos deixou a posição de CEO da Amazon, empresa que fundou em 1994. Em seu lugar, assumiu Andy Jassy, que era o CEO da AWS, o braço de computação em nuvem da gigante de comércio eletrônico.

Muitos executivos e empresários tentam imitar e transformar sua empresa em uma Amazon. Mas dá para copiar a Amazon? Vários livros abordam a empresa e tentam de alguma forma dissecá-la. Li alguns deles e vou trazer um pouco do que entendi o que é a Amazon e mostrar que nenhuma empresa será igual.

O caminho mais adequado não é tentar copiar a Amazon, mas entender a essência do que fez a Amazon ser o que é. E adaptá-la às características e à cultura de sua empresa. Não é fazer sua empresa ser uma Amazon, mas sim ser ela mesma, sem os lastros e ineficiências acumuladas ao longo de décadas.

Querer ser uma Amazon vem da constatação que os sistemas de gestão predominantes na maioria das empresas são herdados de formas antigas de organização, como nas Forças Armadas e na Igreja Católica, que são planejados com o propósito de comando e controles.

Esses modelos foram adotados pelas empresas e consolidados no último século, em um cenário em que não havia internet e nem smartphones. O resultado é que embora modernizadas aqui e ali, eles mantêm muitas camadas hierárquicas, com decisões lentas e uma penosa burocracia espalhada por toda a organização.

O conceito de separação das empresas em setores de indústria faz com que os executivos se fixem na concorrência e adotem uma mentalidade focada em crescimento incremental, copiando competidores.

Segundo Bezos, "se você está focado na competição, você terá que esperar até que um competidor faça algo. Se você está focado nos clientes, poderá ser pioneiro".

O foco apenas na competição tende a ignorar o fato de que o cliente obtém experiências positivas das suas interações com empresas de outros segmentos e quer as mesmas facilidades e inovações que estão em outros mercados.

A Amazon “disruptou” diversos setores e por isso tenta ser imitada. Na prática, o que a Amazon fez foi criar um modelo de gestão baseado nas tecnologias digitais, com foco no cliente.

O que a Amazon fez foi criar um modelo de gestão baseado nas tecnologias digitais, com foco no cliente

Ora, todas as empresas falam em foco no cliente e de alguma forma usam tecnologias digitais, contam com uma grande equipe de TI e têm gastos elevados em tecnologia. Onde está, então, a diferença?

Primeiro, observo que, embora a maioria das empresas tenham como mantra o foco no cliente, poucas realmente fazem isso. Elas criam seus processos de dentro para fora e só lá na ponta colocam o cliente. É a visão da empresa para o cliente. E não do cliente para a empresa.

Além disso, a imensa maioria dá enorme ênfase aos resultados financeiros de curto prazo, o que muitas vezes as levam a confrontar seus próprios clientes, quando as prioridades (atender cliente ou privilegiar resultado financeiro?) entram em choque.

Jeff Bezos enfatizou isso em uma de suas cartas para os acionistas, quando afirmou: “Nosso objetivo de precificação é conquistar a confiança do cliente, não otimizar dólares de lucro de curto prazo”.

Em muitas empresas, a importância de recrutar e de reter os melhores talentos também perde valor diante dos números. E não é incomum vermos um setor de recrutamento ter seu desempenho medido pela rapidez com que as contratações são feitas.

Muitas contratações são processadas com pressa e as necessidades imediatas tendem a ditar como é conduzido o processo de contratação, dando pouca ou nenhuma consideração ao encaixe da pessoa nos prospectos de longo prazo da empresa. Na Amazon, desde início, foi definido um patamar alto de contratação. E isso conduz todo o rigoroso processo de seleção.

Um fato interessante do processo é o teste de escrita. “Para algumas funções, podemos pedir a um candidato que complete uma amostra de escrita”. Por quê? Porque o popular PowerPoint foi banido da Amazon. Na empresa de Jeff Bezos, eles usam memorandos em formato narrativo.

O PowerPoint foi banido da Amazon. Na empresa de Jeff Bezos, eles usam memorandos em formato narrativo

Os modelos de gestão burocráticos, e com muitas camadas decisórias, fragmentam a organização em silos, fazendo com que decisões sejam muito demoradas, pois requerem que elas percorram camadas e mais camadas dentro da hierarquia.

É verdade que muitas empresas reduziram essas camadas, mas seguem com dificuldades para acelerar o processo decisório, porque enfrentam graves problemas de integração entre seus diversos sistemas. Portanto, não conseguem obter uma visão rápida e única da organização.

Um exemplo são aquelas empresas que só conseguem fazer seu fechamento contábil e financeiro duas ou três semanas após o fim de cada trimestre.

Tudo isso leva uma organização a ser lenta, complacente, pouco propensa a inovar e contentando-se na maioria das vezes com melhorias incrementais setorizadas. Uma análise de muitas empresas nos leva a diagnósticos similares: elas se tornaram rígidas, lentas e avessas ao risco.

Pior: não conseguem ter a velocidade, agilidade e a vitalidade de empresas como a Amazon, Netflix, Google, Apple e diversas outras que se destacam no atual mundo corporativo.

O infográfico “The Biggest Companies in the World in 2021” mostra claramente que as principais companhias são empresas de tecnologia digital ou usam intensamente a tecnologia digital. Mas não é apenas a tecnologia que faz a diferença, mas sim o que essas companhias fazem com as tecnologias.

Um exemplo é que a maioria das empresas usa a tecnologia basicamente para reduzir custos e não para transformar por completo a experiência atual do cliente.

Ambas são importantes, mas a importância relativa que a empresa dá à redução de custos e à experiência do cliente é o que identifica se seu DNA é mesmo de foco no cliente ou se é apenas uma simples narrativa.

Analisando em mais detalhes alguns aspectos da Amazon, um ponto que chama atenção foi o fato de terem identificado bem cedo o potencial do conceito de plataforma.

No modelo de plataforma, o importante é o ecossistema e, por isso, a Amazon aceita vendedores externos no seu site. A ideia é que mais vendedores trarão maior variedade, atrairão mais clientes (mais tráfego no site) e, assim, aumentarão a escala (crescimento).

A escala ampliada reduzirá mais ainda a estrutura de custos e se traduzirá em preços ainda mais baixos para os clientes. Com o aumento na variedade de produtos, diminuição no preço e o provável aumento da conveniência (benefício colateral do aumento da escala), a experiência do cliente será melhorada. Isso gera mais tráfego no site, aumentando o crescimento e criando um ciclo virtuoso.

Mas por que todas as empresas não adotam o conceito de plataforma? Simples: criar uma plataforma demanda um pensamento de longo prazo e não gera retorno suficiente no curto prazo para cobrir os investimentos iniciais.

Antes de se preocupar em dar lucro, a Amazon se preocupou em crescer, dominar mercado, construir enormes bases de clientes e criar uma ótima experiência de consumo

O ROI é demorado e colide com os modelos financeiros que privilegiam retorno em tempos bem mais curtos. A Amazon foi fundada em 1994, fez seu IPO em 1997, mas foi só em 2005 que seu crescimento exponencial aconteceu.

Mas, mesmo crescendo exponencialmente, o seu lucro líquido seguiu baixo, não acompanhando o crescimento das vendas. A Amazon investia em seu crescimento.

Antes de se preocupar em dar lucro, a Amazon se preocupou em crescer, dominar mercado, construir enormes bases de clientes e criar uma ótima experiência de consumo.

Apenas por volta de 2017 que o lucro começou a fazer uma curva exponencial. Em 2020, a Amazon faturou US$ 386 bilhões e o lucro líquido atingiu US$ 21,3 bilhões, um crescimento de 84,1%. A companhia vale US$ 1,8 trilhão.

Em resumo: a confluência de fatores que fizeram a Amazon dar certo não pode ser automaticamente replicável. Cada empresa tem que criar seu próprio modelo, observando e até adaptando experiências vindas da Amazon ou outras empresas digitais, mas convergindo para sua cultura e valores.

Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.