A recém-aberta 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível pode surpreender até mesmo um experimentado colecionador, como José Olympio Pereira, presidente da Fundação Bienal desde 2019.
Ao percorrer os andares do Pavilhão do Ibirapuera após a inauguração, Olympio deteve-se junto à obra do paulista Daniel Lie, “uma instalação viva, com folhas e flores que crescem e morrem ao longo do tempo”.
Para Olympio, o trabalho reforça como a arte não precisa ser algo estático, mas vivo”, aspecto presente também, ele destaca, no trabalho de Denilson Baniwa, “que incorpora a força da natureza à sua criação”.
A exposição tem, pela primeira vez, um coletivo curatorial, composto por Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel. Entre os 121 participantes, há um grande foco na produção de artistas indígenas (como Denilson Baniwa), negros (com Rosana Paulino entre os destaques) e LGBTQ+ (a exemplo de Tadáskía e Daniel Lie).
Essa Bienal é muito significativa para Olympio. Trata-se de sua segunda e última no cargo. Findo seu mandato, em dezembro deste ano, ele voltará à posição de membro do Conselho da instituição, para a qual entrou em 2009.
Entre os planos após o fim de sua gestão está o de incrementar a visibilidade pública do Galpão da Lapa, espaço expositivo em São Paulo, que abriu em 2018 para acomodar e exibir obras de seu acervo.
Formado em 1984 em engenharia civil na PUC Rio, José Olympio Pereira fez mestrado em administração de empresas na Harvard Business School em 1990, iniciando uma carreira de grande relevância no mercado financeiro. Por dez anos ocupou a presidência do Banco Credit Suisse no Brasil e hoje é presidente do Banco J.Safra.
Em paralelo à carreira de executivo, tornou-se um dos grandes expoentes do colecionismo de arte no país, com foco na produção moderna e contemporânea do Brasil. Desde 2012, a revista ArtNews elenca Pereira e Andrea, sua mulher, entre os 200 maiores colecionadores de arte do mundo.
Ele também participa dos Conselhos Internacionais do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e da Tate Modern, em Londres, e é membro do Comitê de Aquisições da Fondation Cartier, em Paris.
Como você acompanhou essa maior visibilidade da arte indígena, da produção de artistas negros nestes anos da sua gestão? O mesmo pode acontecer agora com artistas LGBTQ+, que têm uma presença expressiva na edição?
A valorização da arte dos afrodescendentes foi um fenômeno que veio de fora para o Brasil. Começou na Documenta de 2007, com Kerry James Marshall, artista que teve grande destaque naquela edição. E isso chegou aqui. Quando o Tadeu Chiarelli foi apontado como diretor-geral, ele colocou uma ênfase em aumentar a representatividade dos artistas afrodescendentes na coleção da Pinacoteca. O Jaime Laureano foi o primeiro artista negro de quem a Pinacoteca adquiriu uma obra. E aí, a partir da 34ª Bienal – que já vem da precedida pela própria exposição “Véxoa: Nós sabemos”, feita pela Pinacoteca com arte indígena –, ela deu uma visibilidade grande à arte indígena.
E a atual Bienal?
A atual Bienal tenta mostrar que tem muito mais coisa interessante acontecendo no Brasil e no mundo do que a gente estava acostumado a ver. Mais de 80% dos artistas são não brancos, são de diferentes etnias. E esse contingente não estava tendo a oportunidade de mostrar sua produção. Nós estamos num momento no mundo, e acho isso muito relevante, que essa Bienal também coloca: o momento da inclusão. Mostrar que o mundo não é somente o Norte Global. Mesmo aqui no Brasil, vários artistas que foram selecionados ficaram surpresos de serem convidados por uma Bienal. O impossível está aí. Por quê? Porque eles têm mérito, são interessantes, merecem ser vistos.
Em que medida a Bienal lança tendências de colecionismo?
A Bienal chama a atenção para os artistas que dela participam, claramente é um momento de holofote em cima desses artistas, dessas tendências etc. Se você for olhar a experiência histórica, isso às vezes pode resultar em valorização, pode criar interesse entre colecionistas, mas, na maioria das vezes, não. Participar de uma Bienal não é necessariamente ganhar um bilhete da loteria. Isso tudo depende de um trabalho que é feito depois. Se aquele interesse perdura. E o mercado colecionista aqui no Brasil ainda é, quando comparado com os mercados internacionais, razoavelmente limitado. Acho que ele está em expansão, uma coisa ótima porque o colecionismo no fundo é o que sustenta a profissão artística, e eu acho que a Bienal estimula o interesse pelas artes, a vontade de conviver com artes.
“O mercado colecionista aqui no Brasil ainda é, quando comparado com os mercados internacionais, razoavelmente limitado”
Mas como fica o chamado colecionador-investidor, ele vê aí oportunidades, não?
Essa fusão do mercado investidor com as artes é muito presente, aqui e no mundo. Eu sinceramente não recomendo a ninguém essa lógica de investimento. A compra da arte deve ser feita a partir de uma decisão de querer se relacionar com alguma coisa que te dá muito prazer. A arte, diferentemente de outras coisas que você compra para te dar prazer, ainda corre o risco de valorizar. Se uma coisa te dá prazer e valorizar, tanto melhor, se não valorizar, está te dando prazer. Agora, este holofote que está aí, em cima da arte indígena, isso vai se refletir nos preços das obras.
A arte muitas vezes ecoa o que ocorre na sociedade, no cenário sociopolítico nacional ou internacional. Pensando de 2019 para cá, em que medida aquela instabilidade sociopolítica que afetou o Brasil também impactou a Bienal, não apenas em termos financeiros, mas na forma como as curadorias souberam refletir sobre o que estava acontecendo no Brasil e no mundo?
Acho que o título da Bienal anterior, “Faz escuro mas eu canto”, apropriado do poema de Thiago de Mello, foi muito representativo do momento que o Brasil estava vivendo. De certa forma, o mundo continua. Então já o tema da Bienal reconhecia o momento escuro, mas ao mesmo tempo mandava uma mensagem de esperança. No campo da cultura, acho que nós sobrevivemos bem a todos os desafios impostos na administração anterior, mas foi tenso. E a recriação, o restabelecimento do Ministério da Cultura, a revalorização da cultura nessa administração é um alívio, é um bálsamo para todas as instituições culturais e nós também.
O que mudou?
Aquele clima de tensão passou. Tivemos aqui a visita da ministra Margareth Menezes. Ela não só nos prestigiou na abertura, como fez questão de visitar a Bienal, percorreu os três andares, interessou-se pelos trabalhos, fez perguntas. É uma muito gratificante você ter uma ministra da Cultura com esse nível de compromisso e interesse.
“A arte, diferentemente de outras coisas que você compra para te dar prazer, ainda corre o risco de valorizar”
Saindo do Brasil e pensando nas atribuições da Fundação no cenário internacional, como vem sendo o trabalho da Bienal?
Há cerca de dez anos nós começamos a fazer itinerâncias, então logo na sequência da Bienal você tem recortes da Bienal que viajam pelo Brasil. De novo, o nosso esforço para aumentar o alcance, para promover a arte. Temos também ido para fora, com itinerâncias. Já estivemos em Medellín, na Colômbia; no ano passado, no Chile e na fundação LUMA; em Arles, na França. Foi uma experiência muito boa, tanto que eles querem repetir. Então, para o ano que vem, nós temos três itinerâncias alinhadas. Podemos fazer mais até. Mas já temos a Argentina, Angola e novamente Arles. Além, obviamente, das cidades brasileiras. Fomos a São Luís, a Belém, Juiz de Fora, Campinas, Campos do Jordão. Fomos ao Rio de Janeiro pela primeira vez no ano passado.
Tendo em mente a própria recém-inaugurada 35ª Bienal, que papéis a Fundação cumpre com excelência e onde há espaço para melhorar?
A missão da Bienal é a difusão da arte contemporânea. Acho que ela faz isso com excelência através da sua história, das Bienais em que se deu acesso à produção contemporânea global e brasileira. É um público, não só brasileiro, mas internacional. Mas, o público brasileiro, ao longo desses últimos 70 anos, conseguiu ver o que de melhor se está produzindo na arte contemporânea global. A Bienal influenciou muito a cena artística brasileira, desde 1951 com Max Bill e a influência que ele teve no movimento concretista da época. Essa nossa missão foi ainda reforçada com o uso do digital. É importante lembrar que a Bienal se apresentou na internet pela primeira vez em 1996, então tem 27 anos.
E agora?
Mais recentemente, a gente tem usado as mídias sociais, particularmente o Instagram, como forma também de promover a arte contemporânea. É um canal que fala de arte contemporânea, não necessariamente das edições da Bienal, mas fala de artistas, de produção, enfim, de uma forma ampla, com posts diários. E que saiu de 80 mil seguidores no início da minha gestão para mais de 500 mil agora. Temos como meta 1 milhão de seguidores.
Que impactos institucionais a Bienal pode ter, a exemplo de mais exposições que derivam de seus temas? Temos agora no Sesc Belenzinho, no Itaú Cultural e Instituto Tomie Ohtake, por exemplo, mostras que dialogam com a Bienal. Você vê isso como um espírito do tempo ou é a força da Bienal que reverbera nas instituições?
A Bienal é uma participante importante deste circuito institucional. Ela provoca, lidera, às vezes segue. A arte indígena estava contemplada na 34ª edição, mas a Pinacoteca fez a “Véxoa” antes da nossa abertura. Então, nós estamos de certa forma em sintonia com o outro. Nós temos uma história riquíssima, são 35 edições com a atual, são 72 anos de história, então o papel que a gente cumpriu ao longo desse período foi fundamental. E poucas instituições têm esse histórico que nós temos. Nós nascemos do Museu de Arte Moderna, que está aí até hoje. A Pinacoteca é anterior, mas seu foco não era a arte contemporânea até recentemente. Então essa tradição que a Fundação Bienal tem de promoção da arte contemporânea é única.