Segunda maior empresa de construção civil da China, a Evergrande ganhou as manchetes da imprensa mundial nesta segunda-feira, 20 de setembro. O excesso de endividamento da empresa - que tem mais de US$ 300 bilhões em débitos abertos - acendeu o sinal de alerta dos investidores, preocupados com o possível contágio na economia global, uma vez que o setor imobiliário representa 25% da segunda maior economia do mundo.

A Evergrande é uma empresa focada em vender imóveis antes que estes fiquem prontos, o que costuma resultar em endividamento para bancar a construção, enquanto a sua receita vem dos pagamentos feitos por compradores que também tomaram empréstimos.

A companhia, fundada em 1996, cresceu favorecida pela cultura dos chineses de investir em imóveis. De todas as residências vendidas na China, 80% são para quem está comprando, pelo menos, o segundo imóvel. Isso levou a especulações e a preços mais altos, inviáveis para a classe média. De olho nisso, o governo chinês tem agido para conter o mercado especulativo e reduzir os preços, o que afeta empresas como a Evergrande.

Os problemas da companhia começaram a ficar evidentes em agosto do ano passado, quando os executivos pediram socorro financeiro às autoridades, pois não teriam recursos para pagar as dívidas que venciam em janeiro. A situação, porém, não melhorou desde então e o mercado teme que a companhia quebre e isso gere uma onda de calotes. Nesta segunda, a ação da empresa, listada em Hong Kong, caiu 10%.

Entre investidores, tem sido inevitável lembrar do Lehman Brothers, o banco americano que quebrou em 2008 e deu início à crise financeira internacional daquele ano. Há quem considere que a comparação seja exagerada.

“Não é caso de pensar no Lehman Brothers. É algo que vai desacelerar ainda mais o crescimento da China, o que afeta mercados emergentes e afeta o Brasil”, disse, ao NeoFeed, Ruy Alves, gestor de ativos macro globais da Kinea Investimentos, casa de gestão de fundos ligada ao grupo Itaú e que administra R$ 57,2 bilhões em ativos.

Para ele, trata-se de mais um elemento complicador para o já difícil cenário para o Brasil em 2022 e reforça a necessidade de buscar investimentos em empresas “defensivas”, pouco relacionadas ao crescimento econômico brasileiro. Acompanhe a entrevista a seguir:

O quão preocupante é a situação da Evergrande para os mercados?
O setor imobiliário representa 25% do PIB da China e há forte cultura local para investir em imóveis. De todos os imóveis vendidos na China, 80% não são para um primeiro comprador. São pessoas que compram, não alugam e fecham a casa. Isso começou a gerar uma bolha que foi crescendo enormemente, elevando os preços, fazendo com que muitas pessoas não conseguissem comprar a casa. A Evergrande é muito focada em vendas feitas antes de a casa ficar pronta e tem um estoque que é duas vezes maior que as vendas anuais dos Estados Unidos. O governo chinês, então, começou uma política para limitar a especulação e diminuir os preços, para que os imóveis sejam para viver e não para investir, para que as pessoas de renda média pudessem comprar casas. A Evergrande, que parece que vai quebrar, precisa vender ativos para honrar compromissos. Isso deixa todo o sistema apreensivo.

Mas é o caso de pensar em uma crise como a de 2008, gerada pela quebra do Lehman Brothers?
Não é o caso de pensar em Lehman Brothers. É algo que vai desacelerar ainda mais o crescimento da China, o que afeta mercados emergentes e afeta o Brasil. Os emergentes vão crescer menos e os investidores vão se perguntar: por que eu vou tirar meu dinheiro dos EUA para colocar em emergentes, se os emergentes vão crescer menos, uma vez que se investe em emergentes para ter retorno maior?

Então, não será o caso de uma nova quebradeira global?
Está na mão de Pequim. O Partido não vai deixar quebrar o setor inteiro. Pequim não é suicida. O Partido quer aplicar uma lição, como estão fazendo também com as empresas do setor de tecnologia. Em algum momento, eles vão entrar para controlar a situação. Nada diz que Pequim não pode errar a mão, mas isso não está no nosso cenário-base.

E qual o efeito disso para o Brasil? Que setores serão mais afetados?
O Brasil saiu de uma situação muito frouxa do ponto de vista monetário e vai para um cenário de juro real positivo no fim desse ano. Além disso, no aspecto social, com o fim do auxílio emergencial, só vai ter o Bolsa Família no ano que vem, em um cenário de desemprego muito alto e uma eleição difícil. E não vai haver um controle do arcabouço fiscal durante a eleição. Só depois. Então, já tem muita coisa no preço. Já estava difícil se comprometer com posições estruturais no Brasil.

Mas a situação na China piora o que já estava ruim?
Vamos ter menos crescimento. E já está piorando. O preço do minério de ferro saiu de US$ 220 para US$ 90. Um dos grandes afetados será o agronegócio, com uma demanda menor por commodities. A China, por exemplo, é quem compra o nosso milho.

É para fugir de ações ligadas a commodities, então?
Eu não vou dizer de onde é para fugir, mas sim onde é para estar. No momento, o ideal é procurar empresas defensivas, que pouco dependem do crescimento econômico do Brasil. Nós, por exemplo, estamos comprados em empresas como Hapvida, Assaí e Porto Seguro. Não estamos com uma visão estruturalmente positiva para a Bolsa brasileira. Dos investimentos de risco nos nossos fundos multimercado, só 20% estão no Brasil. Os outros 80% estão no exterior.

Mas essa perspectiva de crescimento menor pode ser positiva para a inflação?
Sim. Estamos sem crescimento, com fiscal e monetário mais apertados e com o ambiente político incerto. Por enquanto, a inflação deve continuar subindo, mas em dois anos deve convergir para a meta. Além disso, grande parte da alta da inflação se deve a alimentos, e as commodities estão começando a ceder. Mas, para ter juros mais baixos, não precisa só de inflação. É preciso também mais conforto fiscal no País.