Avaliado em R$ 18,7 bilhões, o Carrefour Brasil ostenta, há tempos, o posto de maior varejista alimentar do País. O grupo entende, porém, que ainda tem muito espaço para ocupar mais terreno, ao destravar um valor bilionário que está dentro da sua própria casa.

Muito além das gôndolas de suas lojas, essa aposta reside no mix do Carrefour Property, seu braço imobiliário. Tal sortimento, que já era farto, foi reforçado com a compra do Big e reúne cerca de 500 ativos, com mais de 21 milhões de metros quadrados.

Antes relegado a um segundo plano, o negócio começa a ganhar vida própria e quer atrair sócios para se dividir em duas operações à parte do varejo. E já tem 50 projetos prontos para saírem da prancheta, mesclando ativos do grupo com torres residenciais, corporativas, hotéis e outros formatos.

“São ativos muito bem localizados que, hoje, não estão precificados. Nós capturamos zero no valor da ação”, diz Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property, ao NeoFeed. “Para que eles realmente tenham valor, precisamos colocar esses projetos de pé.”

Ela não revela o valor dos 50 projetos, que estarão sob a alçada do time de desenvolvimento imobiliário, uma das áreas no radar do carve out. Mas o NeoFeed apurou com fontes do mercado que a cifra pode alcançar um Valor Geral de Vendas (VGV) de cerca de R$ 25 bilhões.

A projeção é de que a absorção do potencial construtivo dos projetos leve de 15 a 20 anos. Para viabilizá-los, Dutra está sentando à mesa com as principais incorporadoras em cada região. Entre fechar as parcerias e os complexos ficarem prontos, o tempo mínimo será de quatro anos.

“Eu brinco que sou maratonista, não uma corredora de 100 metros”, afirma. “É preciso ter paciência. É como jogar xadrez.” Em breve, as quatro primeiras peças desse tabuleiro serão lançadas em São Paulo e no Rio de Janeiro. O portfólio incluirá outras capitais, como Recife, Salvador e Curitiba.

Fora dos R$ 25 bilhões, a largada dessa corrida veio com o Alto das Nações. Lançado em parceria com a WTorre e com um VGV de R$ 3 bilhões, ele está instalado na avenida Nações Unidas, zona sul de São Paulo, no terreno de 320 mil metros quadrados que abrigou a primeira loja do grupo no País.

O projeto já conta com hipermercado, shopping e uma torre que mescla escritórios, vendidos para a Jive, e apartamentos para long stay, geridos pela JFL Living. E prevê ainda um parque, torres comerciais e apartamentos de alto padrão, que serão comercializados pela EZTec.

Segundo Dutra, o fato de o Carrefour Property ter organizado esse portfólio facilitou o diálogo com fundos e incorporadoras. Esse apetite tem sido despertado tanto pelo avanço do conceito de multiuso nas grandes cidades como pela localização dos ativos.

“Os terrenos estão em áreas densificadas e, em muitos casos, são o último ativo daquela região”, diz. “E, pensando no core do grupo, essa diversificação é ótima, pois coloca mais consumidores no nosso quintal.”

Cabeça imobiliária

O Carrefour Property também está alimentando um novo formato nos próprios limites do grupo: as lojas combo, que combinam duas ou mais marcas, como o hipermercado Carrefour, o Atacadão e o Sam’s Club, num mesmo ativo.

Depois dos quatro primeiros projetos em Guarulhos, Barueri, Contagem e Rio de Janeiro, serão inaugurados mais dois até o fim do ano, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre. Outros quatro combos, em Belo Horizonte, João Pessoa, Jundiaí e Valinhos, têm previsão de abertura no primeiro trimestre de 2024.

Há mais dez projetos em análise e o grupo também estuda um formato para combinar o Sam’s Club com supermercados. “Até pouco tempo, não havia uma estruturação com essa cabeça imobiliária, porque o core é o varejo alimentar. Não havia um time dedicado”, diz Dutra.

Essa chave começou a ser virada com a chegada de Dutra, em novembro de 2021. A executiva, que hoje lidera um time de 300 pessoas, trouxe uma bagagem de 24 anos no setor e passagens por grupos como Brookfield, BRMalls e Multiplan.

Integrar mais de uma bandeira do portfólio num mesmo ativo é um dos planos do grupo

Sua experiência em shoppings dialoga com a outra área do negócio em busca de sócios. Voltada à locação, ela inclui os shoppings Butantã, Jardim Pamplona e Paseo Alto das Nações, em São Paulo, além do Paseo Joinville (SC) e do Boulevard Shopping, em Brasília.

Aqui, o plano é investir em complexos multiuso no entorno dos shoppings. Já há projetos para o shopping Butantã e em Joinville. A prioridade, porém, são as mais de 370 galerias comerciais em 200 cidades, de 20 estados, ocupadas por mais de 4 mil lojistas.

“Estamos mudando o perfil das galerias, priorizando serviços e as características regionais de cada mercado”, diz. “E como fizemos muitas conversões, também estamos adequando essa oferta de serviços. Não faz sentido ter um pet shop para quem compra no Atacadão.”

Sem “faca no pescoço”

Para se ter uma dimensão desses negócios, o braço de locação gera um lucro operacional líquido anual de R$ 1,5 bilhão. O número foi divulgado no fim de 2022, quando o grupo iniciou os estudos para um potencial carve out e a venda de fatias minoritárias das operações.

“Embora a venda e a locação dos ativos não devam ter um impacto significativo no valor presente líquido por si só, vemos a notícia como um potencial estratégico positivo, pois pode aumentar a flexibilidade de alocação de capital do Carrefour”, observou, na época, o Goldman Sachs.

Ao usar um cap rate de 9% e 14%, em linha com o múltiplo, na época, das empresas de real estate listadas na B3, o banco estimou que a soma do valuation dessas operações poderia variar de R$ 11 bilhões a R$ 17 bilhões.

Quando o relatório foi divulgado, o preço-alvo do Goldman Sachs para a ação do Carrefour era de R$ 25,10. Hoje, está em R$ 18. Em 2023, na trilha de questões como a crise do varejo e o balanço ainda pressionado à espera das capturas de sinergias com o Big, o papel acumula queda de 39%.

Nesse contexto, em maio, o Carrefour Property vendeu 10 imóveis para a Barzel Properties. O acordo de R$ 1,3 bilhão foi fechado no formato de sale and leaseback – venda seguida pela locação dos imóveis à própria empresa.

Com o mercado ainda instável, outros varejistas vêm recorrendo a esse expediente. Em junho, o Grupo Mateus vendeu um imóvel por R$ 60 milhões. No mesmo mês, o GPA vendeu e locou 11 lojas, em um acordo de R$ 330 milhões.

“Fizemos por cautela, uma vez que os juros não caíram na velocidade que imaginávamos. Com tantos ativos, não custava dar uma recheada no caixa”, afirma a CEO. “Mas descartamos novas operações no curto e médio prazo.”

Em relação ao carve out, Dutra diz que o processo está em fase de “diligência de dono”, com o mapeamento do que é possível ser feito em cada ativo. A ideia é buscar sócios diferentes para cada negócio e, em sua visão, é provável que os investidores venham de fora do País.

Apesar de muitas conversas, não existem negociações em curso. Assim como não há pressa para os acordos. “Os juros começaram a cair agora e, com isso, o spread imobiliário vai aumentando”, diz. “Então, como não temos uma faca no pescoço, vamos esperar o timing perfeito."