Prateleiras desabastecidas, lojas sem manutenção e vendedores desmotivados. Em agosto de 2018, a Máquina de Vendas em nada lembrava a ambiciosa operação fundada oito anos antes, a partir da fusão entre a mineira Ricardo Eletro e a baiana Insinuante.

Depois de incorporar outras três redes regionais, a varejista, que nasceu com a promessa de fazer frente a Via Varejo, sofreu para integrar tantos negócios, especialmente em meio à crise econômica. O saldo? Uma dívida de R$ 2,5 bilhões e um pedido de recuperação extrajudicial.

Agora, bem mais enxuto, o grupo busca se reconstruir. E um dos caminhos é justamente o apetite por aquisições. “Estamos ativos na busca por oportunidades no mercado”, diz Pedro Bianchi, presidente do Conselho de Administração da Máquina de Vendas.

O executivo é também sócio da Starboard, companhia especializada na recuperação de ativos em dificuldade financeira. A empresa assumiu o controle da Máquina de Vendas há um ano, ao adquirir 72,5% de participação no grupo, hoje unificado sob a bandeira Ricardo Eletro.

Bianchi ressalta que a empresa seguirá com foco regional, o que se refletirá em eventuais acordos. “Nesse momento, não temos como competir com Magazine Luiza e Via Varejo”, diz. “Eles têm musculatura, caixa e lucro para poder queimar mais preços.”

Nesse contexto, a companhia tem duas propostas em fase de due diligence. Os acordos envolvem redes nas regiões Sul e Centro-Oeste. A perspectiva é de que as negociações sejam concluídas no primeiro semestre de 2020.

Pedro Bianchi, presidente do Conselho de Administração da Máquina de Vendas

Com a busca de praças complementares ao mapa atual do grupo, a estratégia de consolidação será a principal via de expansão de lojas. Se concretizados, esses dois acordos trarão um crescimento de 30% na rede, que hoje conta com 490 pontos de venda. Em seu auge, a Máquina de Vendas chegou a contar com mais de 1,2 mil unidades.

“Um ponto positivo é o fato de que, nos últimos anos, em função da crise, nenhum concorrente teve vigor suficiente para avançar sobre o território regional do grupo”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.

Ele cita como exceção a Magazine Luiza, que ampliou sua rede em áreas nas quais a Máquina de Vendas era dominante, como a região Norte.

Banco digital

Até o fim do ano, a Máquina de Vendas também prevê o lançamento de um banco digital. A empresa negocia com duas instituições para concretizar a iniciativa. E captou R$ 600 milhões no exterior para financiar a operação.

A conta digital será voltada prioritariamente aos consumidores das classes C, D e E, foco da varejista. O pacote incluirá ofertas como crédito, seguros, garantia estendida e poupanças para financiar produtos como geladeiras.

O plano passa também pela estruturação de um programa de fidelidade atrelado à conta e por um possível spin-off da operação. Em cinco anos, a meta é chegar a cinco milhões de correntistas.

A base para os novos planos envolve uma série de mudanças implantadas desde que a Starboard passou a ditar as regras no grupo. Atualmente, a empresa ocupa cinco dos sete assentos no Conselho de Administração.

As outras duas cadeiras são reservadas para Ricardo Nunes, antigo CEO e um dos arquitetos por trás da fundação da Máquina de Vendas. O outro, Luiz Carlos Batista, dono da Insinuante, deixou o grupo em janeiro.

Nunes, por sua vez, ainda detém 25,3% do negócio. Mas não tem mais presença no dia a dia da operação. Hoje, ele atua mais como um garoto-propaganda da Ricardo Eletro, função que já desempenhava anteriormente. E o posto de CEO é ocupado por Luiz Wan-Dall Jr., ex-CEO da Atlas Eletrodomésticos, fabricante de fogões paranaense.

As dívidas também estão sendo equacionadas. O montante de R$ 1,5 bilhão devido aos bancos Itaú, Bradesco e Santander foi transferido à MV Participações, empresa de Nunes, por meio da emissão de debêntures nesse mesmo valor, compradas por essas instituições. Outros R$ 200 milhões em dívidas foram alongadas para um prazo de cinco anos.

A entrada da Starboard na Máquina de Vendas envolveu um aporte de R$ 250 milhões

Já com os fornecedores, o grupo segue uma estratégia cautelosa, por meio de acordos que asseguram um limite mínimo de acesso a crédito e de abastecimento das categorias nas lojas para que a operação rode sem sobressaltos. O foco são os produtos com preço mais acessível e de giro rápido.

“Eles aprenderam com as experiências ruins que tiveram”, diz Claudia Bittencourt, diretora-geral da consultoria Bittencourt. “E, aos poucos, estão resgatando a confiança no mercado.”

A entrada da Starboard também envolveu um aporte de R$ 250 milhões. “Esse recurso foi integralmente colocado em capital de giro para alavancar mais crédito”, diz Bianchi. “Seguimos a regra de que dinheiro novo não entra para pagar dívida velha.”

Redução de custos

Até o momento, boa parte dos esforços da nova gestão foi concentrada em arrumar a casa e consertar a “máquina”. Um dos pontos centrais foi a redução do custo fixo de R$ 262 milhões para R$ 190 milhões.

Além das renegociações de contratos de locação e do corte de 800 funcionários, uma das principais medidas foi o fechamento de 60 lojas deficitárias, em sua maioria, instaladas em shopping. Entre o fim de 2015 e agosto de 2018, o grupo já havia encerrado as operações de mais de 600 unidades.

Ao mesmo tempo, a empresa reformou 40% das lojas, que enfrentavam problemas de manutenção. Até o fim do ano, a meta é cobrir o restante da rede. E investir em recursos que aprimorem a experiência do consumidor.

Um dos exemplos é um projeto-piloto para que os próprios vendedores concluam as vendas por meio de maquininhas de cartão e agilizem o atendimento. Com adoção inicial em cinco lojas, a iniciativa será estendida às demais unidades nos próximos dois anos.

Já em logística, os cinco centros de distribuição passaram a integrar as operações das lojas físicas e do canal de e-commerce. Ao mesmo tempo, o grupo já transformou 50 lojas em mini-CDs e planeja levar essa abordagem para 70% das suas unidades, também em dois anos.

Alvo de críticas de analistas do varejo, a estratégia multicanal é mais um foco. O canal virtual, que já teve uma participação de 40% na receita, hoje responde por apenas 17% do negócio.

A Máquina de Vendas programa o lançamento de um novo site de comércio eletrônico, com recursos como realidade aumentada

Nessa área, a empresa programa o lançamento de um novo site de comércio eletrônico, com recursos como realidade aumentada, para permitir maior interação aos consumidores. A plataforma não era atualizada desde 2014.

O grupo também começou a oferecer aos consumidores a possibilidade de comprar pela loja virtual e retirar nas unidades da rede. A estratégia teve início pelos pontos de venda instalados nas capitais e será expandida, pouco a pouco, para cidades menores.

À parte desses planos, os resultados dos primeiros meses da Starboard no comando começam a aparecer. Depois de atingir o equilíbrio financeiro em junho, a projeção é fechar o ano com um Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 50 milhões, em comparação ao Ebtida negativo de R$ 400 milhões em 2018.

A companhia também prevê um faturamento de R$ 3 bilhões em 2019, ante os R$ 2,4 bilhões reportados no ano passado. E de R$ 4 bilhões em 2020.

“Não queremos crescer de forma insustentável, mas de uma forma que nos dê segurança e que permita resgatar nossa credibilidade”, diz Bianchi. “É um caminho longo, mas o avião está estabilizado e com o nariz para cima.”

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