O mercado de luxo sentiu um verdadeiro baque na segunda-feira, 15 de julho, depois que a Burberry divulgou vendas fracas e alertou para a possibilidade de apresentar prejuízo na primeira metade de 2024, o que resultou na decisão de suspender o pagamento de dividendos.

A notícia derrubou as ações da companhia de 168 anos, que fecharam o dia com queda de 16,1%, levando consigo seus pares, como Kering, cujos papéis recuaram 5,2%, e a gigante LVMH, que terminou com baixa de 2,6%, diante da impressão de que o mercado de luxo, visto como um porto seguro para qualquer tipo de momento econômico, poderia estar “perdendo o brilho”.

Para a Kinea Investimentos, não se trata de uma impressão. A expectativa é de que, no curto prazo, o setor passe por um processo de ajuste, com uma revisão negativa dos lucros diante da tendência de normalização no ritmo de crescimento e nas margens das companhias.

“A indústria de luxo é atrativa, com crescimento em torno de 6% ao ano e mostrando resiliência em ciclos de queda econômica”, diz trecho do estudo da gestora obtido pelo NeoFeed. “Entretanto, o curto prazo ainda parece um pouco nebuloso.”

De acordo com o braço de investimentos alternativos do Itaú Unibanco, o mercado deve continuar revisando para baixo as perspectivas das companhias de luxo, o que pode impactar diretamente o preço das ações.

A correção é consequência da forte expansão que o setor experimentou na pandemia e nos anos subsequentes. Graças aos auxílios dados pelos governos e à falta de opções para gastos em serviços devido aos lockdowns, o setor de luxo teve um forte aumento de demanda entre 2020 e começo de 2023.

O segmento se beneficiou principalmente do gosto do mercado chinês pelo luxo. Segundo a Kinea, historicamente, os consumidores do gigante asiático se aproveitavam de viagens para a Europa para comprar produtos de marca. Com os lockdowns, as empresas começaram a vender na China, o que permitiu praticarem preços maiores.

O estudo traz um levantamento do Morgan Stanley em que a diferença de preços praticados pela LVMH na França e na China, em junho, era de 22%, uma situação que também se via na pandemia. Nos Estados Unidos, a diferença de preços chegava a 25%.

“Com toda essa maior demanda por luxo, as empresas aproveitaram para repassar preços como nunca e – juntamente com a alavancagem operacional (receita crescendo mais do que despesas) – viram suas margens atingirem os maiores patamares históricos, que vem sendo perpetuados pelo consenso de mercado”, diz outro trecho do estudo da Kinea.

Com o fim às restrições para circulação, as pessoas voltaram a comprar na Europa durante viagens, onde os preços são menores, quando comparados a outras localidades. “Este maior crescimento do turismo e compras na Europa tende a ser negativo para crescimento e margens, dado o menor preço médio”, informa o relatório.

A situação foi vista na Burberry. A empresa informou que as vendas na Ásia e nas Américas, regiões em que China e Estados Unidos têm peso significativo, caíram 23% em relação ao mesmo período de 2023.

O resultado, inclusive, fez com que a Burberry substituísse seu CEO, Jonathan Akeroyd, por Joshua Schulman, ex-presidente da Michael Kors, Coach e Jimmy Choo.

Apesar da expectativa de revisões negativas de lucros, a Kinea aponta que os valuations do setor ainda estão próximas às médias dos últimos anos e acima do nível histórico.

“Na nossa visão, temos uma assimetria aqui: poderemos observar uma maior correção nesses valores com a desaceleração de crescimento e compressão de margens no curto prazo”, diz um trecho do relatório. “Com isso, apesar de toda a força das empresas de luxo, temos uma visão menos construtiva para o curto prazo do setor.”