Há 30 anos, se um profissional do mercado financeiro quisesse estar bem informado sobre o que acontecia no exterior, não havia como dar uma simples busca no Google e ler as notícias mais recentes. Para driblar a escassez de informações, era preciso ter bons contatos com quem morasse lá fora.

“Se você tivesse um amigo nos EUA que pudesse te mandar, por fax, uma edição do The Wall Street Journal, você era um cara diferenciado”, lembra, ao NeoFeed, o gestor Luis Garcia, que começou no mercado em 1989 e hoje é diretor de investimentos da asset da SulAmérica. “Agora, há um excesso de informações, sem falar nas fake news”.

Com notícias e dados vindo de todo lugar, a SulAmérica Investimentos, que tem R$ 45,9 bilhões sob gestão, decidiu recorrer à tecnologia e criar um núcleo de inteligência quantitativa, que ficará dedicado a processar dados de maneira massiva e ajudar os gestores a separar o joio do trigo.

O time será composto por três profissionais. Dois deles vieram da Quantco, uma gestora especializada em fundos quantitativos: Maurício Irie, engenheiro elétrico de formação e com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro; e Luiz Henrique da Silva, físico de formação e com mais de 10 anos de mercado. O engenheiro elétrico Stephen Yang, que já estava na SulAmérica, completa a equipe.

A iniciativa, explica Garcia, é uma tentativa de organizar o que já existia de maneira menos estruturada. “Antes, cada gestor da casa recorria a ferramentas quantitativas em seus respectivos processos de tomada de decisão”, conta. “Agora, estamos criando um time para atender os gestores, a área de pesquisa macroeconômica e estudar o que tem de mais avançado no campo quantitativo".

A SulAmérica, vale dizer, não está interessada em robôs que façam tudo sozinho. A asset não tem fundos 100% baseados em algoritmos e nem pretende ter. A ideia é que as ferramentas de análise sistemática e quantitativa sirvam de apoio para que os gestores tomem melhores decisões.

“É como um painel de controle que acende uma luz que diz que há coisas acontecendo que podem representar uma oportunidade, mas ele não vai executar”, afirma Garcia, que lidera, na asset.

Por exemplo, se Garcia entende que uma surpresa na inflação dos EUA está influenciando os preços dos ativos pelo mundo, as ferramentas quantitativas vão dizer a ele se aquela percepção faz sentido ou não, com base em uma análise histórica que vai identificar se há algo fora do padrão em como o mercado reage à inflação americana.

“Mesmo que a ferramenta me diga que a minha percepção está correta, ela pode me apontar que há outra coisa que está ainda mais fora do padrão do que a inflação americana, como o crescimento da China, por exemplo, e que precisa estar no meu radar”, diz.

Há 25 anos no mercado e com 73 profissionais na equipe, a asset da SulAmérica trabalha com 20 fundos de investimentos - de ações, de renda fixa, cambial e multimercado - e outros 20 de previdência.

A decisão de não ter fundos 100% quantitativos também está relacionada ao alto investimento necessário para poder obter resultados, diz Garcia. “As gestoras que fazem isso investem muito em tecnologia e capital humano de altíssimo nível. É um tíquete de entrada que restringe a participação”.

Os quantitativos invadem o mercado

Nos últimos anos, as gestoras brasileiras têm aberto mais a cabeça para estratégias quantitativas, impulsionadas pelo excesso de dados para analisar e pelo avanço da tecnologia, que pode criar algoritmos que eliminam ruídos e apontam sinais.

Algumas delas, inclusive, têm apostado em profissionais de ciências exatas que antes não tinham espaço no mercado financeiro, como matemáticos, engenheiros da computação e físicos. Agora, eles dividem os escritórios das assets com aqueles que historicamente ocupam esse lugar, como economistas, engenheiros civis e elétricos.

É o caso de gestoras como Giant Steps, que administra R$ 7 bilhões e tem até apoiado estudantes que participam de olimpíadas de matemática, e a Daemon Investimentos, com US$ 4 bilhões sob gestão - ambas focadas em fundos quantitativos.

As casas mais tradicionais, como a própria SulAmérica, também estão chegando. A Clave Capital, por exemplo, lançou, em setembro, o seu primeiro fundo quantitativo, que também terá um “toque humano”. A Garde, por sua vez, criou uma estratégia quantitativa que responderá por 20% dos resultados de um novo fundo multimercado.

Entre outras assets que também trabalham com estratégias quantitativas, estão Kadima, Murano, Rio Bravo, Pandhora, Canvas Capital, Constância, Claritas, Mauá Capital, Kapitalo, Encore e a Itaú Asset.