Quando criou a Getnet, em 2003, o empresário José Renato Hopf ouviu que era uma loucura desafiar gigantes em um setor que contava com duas grandes empresas que dominavam o mercado: a Visanet (hoje Cielo) e a Redecard (rebatizada de Rede). A Getnet não só cresceu e, quando o mercado foi aberto, nos anos 2010, se tornou uma pedra no sapato dessas companhias até ser vendida para o banco Santander.

Agora, Hopf está arregaçando as mangas para, mais uma vez, brigar em um setor oligopolizado em que quatro grandes incumbentes - Alelo, Ticket, Pluxee (ex-Sodexo) e VR - detém mais de 80% do mercado. O empresário acaba de criar a Raiô, uma startup que vai buscar um lugar ao sol na área de benefícios.

“Estamos entrando em um mercado que já tem gigantes. E é o que diziam para mim quando criei a Getnet”, diz, ao NeoFeed, Hopf, que volta, pela primeira vez, ao cargo de CEO de uma empresa desde quando deixou a Getnet. “Mas é um mercado que tem muita carência na qualidade de serviços e vários gaps importantes.”

Formalmente, a Raiô, que tem também entre os fundadores Giovanni Santini e Matheus Bernardes, foi criada em meados de 2023. Ela ficou em “modo secreto” até agora. Nos primeiros três meses desse ano, começou a testar a tecnologia com alguns clientes. No segundo trimestre, foi ao mercado para ganhar os primeiros clientes. Agora, se lança ao mar aberto da competição.

A Raiô nasce com investimento da Provence Partners e Upload Ventures, duas casas de venture capital que aportaram US$ 10 milhões na startup em duas tranches. A primeira delas, no ano passado, foi de metade deste valor, cujo objetivo foi tirar a companhia do papel. A segunda deve acontecer no começo de 2025 para alavancar o crescimento.

“O Zé (Renato Hopf) é um visionário em questão de negócios e execução”, afirma Marcelo Mitre, sócio da Provence Partners. “Esse é um negócio parecido com o das maquininhas (Getnet): tem um oligopólio e é regulado. A execução vai colocá-los na frente dos competidores.”

Marco Camhaji, sócio da Upload Ventures, acrescenta mais um ângulo a essa análise, ao justificar o investimento. “Apesar de existir empresas novas, ainda observamos um mercado grande nas mãos dos incumbentes e em um modelo old school”, diz. “E tem a experiência pregressa do Zé (Renato Hopf)”.

Nessa fase inicial, a Raiô já conquistou 300 CNPJs como clientes. A meta é chegar a 1 mil CNPJs até o fim deste ano. O cartão Raiô é uma parceria com a bandeira Visa, em um arranjo aberto, assim como são os insurgentes Flash, Caju, iFood Benefícios e a francesa Swile, novatas que surgiram para enfrentar as empresas incumbentes nos últimos anos.

O plano é atender desde empresas muito pequenas até grandes companhias espalhadas por todo o Brasil. O cartão reúne em um único plástico vários benefícios, como alimentação e refeição, bem como mobilidade, combustível, saúde, cultura e educação.

O mercado só de alimentação e refeição, que é regulado pelo Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), é estimado por R$ 150 bilhões e atende aproximadamente 25 milhões de pessoas. Mas Hopf acredita que isso apenas arranha a superfície. “Esse é um mercado de R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões”, afirma Hopf.

Questionado como vai enfrentar os incumbentes e até mesmo os insurgentes, Hopf afirma que há um mercado novo que não está sendo endereçado pelos rivais – que são as pequenas empresas. “A Getnet cresceu muito com as pequenas”, afirma o empreendedor.

Hopf diz também que pretende ganhar mercado com um atendimento mais humanizado e rápido, sem que os funcionários precisem esperar por 72 horas por uma resposta – o WhatsApp vai ser uma dessas formas de agilizar o contato.

Mas haverá, segundo ele, muita tecnologia para ajudar empresas e funcionários no atendimento. Além disso, Hopf afirma que vai buscar parcerias para distribuir o cartão Raiô, cujo nome homenageia quem acorda antes de o sol raiar e está sempre pronto para um novo dia. “Em breve, haverá novidades”, afirma o CEO da Raiô.

Com a Raiô, Hopf retorna, pela primeira vez, ao comando de uma empresa. Desde que vendeu a Getnet, em 2014, ele atuou como um investidor através da 4all, uma holding que foi rebatizada de Grupo Four e que reúne algumas empresas que tem o seu DNA.

Entre essas empresas, estão a 4all (soluções de pagamento e engajamento), South Summit Brazil (evento), Ground (sportech), uhuu! (plataforma de entretenimento) e Wine Locals (plataforma de experiência do mundo dos vinhos).

A ideia de criar a Raiô aconteceu quando ele estava ainda à frente da Getnet. Ao vender a operação para o Santander, as cláusulas de non compete o impediram de empreender, mas ele acalentou o sonho por algum tempo. “Eu gosto da operação e esse era um setor que queria voltar”, afirma o CEO da Raiô.

Quando estava livre das amarras, a pandemia fez adiar, por algum tempo, o retorno ao comando de uma empresa. Ao encontrar Giovanni Santini, um italiano com mais de 30 anos de experiência nessa área e que atuou na Sodexo, além de ter seus próprios negócios no setor de benefícios, Hopf achou que era a hora de investir no setor.

Juntou-se aos dois como sócio Matheus Bernardes, uma pessoa de confiança de Hopf na parte operacional – ele já havia atuado em algumas empresas do Grupo Four. Na Raiô, cuida de toda a área operacional da nova startup.

Assim como o mercado de maquininhas, que passou por um processo de abertura no início dos anos 2010, o setor de benefícios está com regras novas que impedem determinadas práticas de negócios, em uma tentativa de estabelecer maior competição entre todos os players.

Uma delas impede uma prática comum no setor, que é conhecida como rebate e que foi proibida pela nova legislação que regulamentou o Programa de Alimentação do Trabalhador. Essa prática consiste na oferta de descontos a grandes empresas que contratavam os seus serviços dentro do PAT, em percentuais que giravam, em média, entre 2% e 5%.

Em um exemplo desse modelo, uma empresa que gastava R$ 2 milhões mensais com a concessão de vale-refeição e vale-alimentação aos seus funcionários, repassava, de fato à operadora dos benefícios, R$ 1,9 milhão no período, a partir de um abatimento de 5% do montante total. Para compensar esse desconto, as empresas cobravam taxas entre 7% e 10% para transações em seus vouchers dos estabelecimentos comerciais.

Apesar da proibição dessa prática, Flash e a francesa Swile foram ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alegando que as quatro incumbentes ainda usam dessa estratégia para ganhar contratos, segundo revelou o NeoFeed.

As duas alegam que as incumbentes praticam o rebate, só que sob nova forma, através de “serviços de valor agregado”, pagando academias e planos de saúde para as empresas para ganhar contratos.

As quatro incumbentes – Alelo, Ticket, Pluxee e VR – negam essas práticas e dizem que cumprem a nova legislação (Para saber mais, leia: Flash e Swile vão ao Cade contra gigantes do setor de benefícios).

Sobre esse assunto, Hopf diz que se trata de uma distorção de mercado e que os rebates geram desequilíbrios. “Somos contra”, diz. “As empresas que trabalham nesse mercado precisam fazer soluções que sejam melhor para o RH e que aumentem o poder de compra do trabalhador.”