Por motivos diferentes, o dólar atingiu na quarta-feira, 26 de junho, a maior cotação no Japão em 38 anos e no Brasil, desde 2022. Mas, independentemente de questões locais que ajudaram a puxar a valorização da moeda americana, o dólar vem se mantendo em seu nível mais elevado em comparação com outras moedas fortes desde novembro de 2023.

O dólar forte tem sido o novo normal no atual ciclo de inflação e juros elevados da economia global no pós-pandemia. Com isso, eventuais desequilíbrios fiscais e monetários ou tensões políticas momentâneas nos países ajudam a fortalecer a moeda americana como porto seguro para investidores locais.

No Brasil, a explosão do dólar em relação ao real começou a ganhar corpo no último mês, em meio à reação do mercado financeiro diante da piora do quadro fiscal e declarações polêmicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a política monetária do Banco Central, sob a presidência de Roberto Campos Neto.

Na quarta, 26, em entrevista ao UOL, Lula questionou o corte de gastos e sugeriu aumento da arrecadação para zerar o déficit fiscal. Além disso, voltou a fazer críticas à política monetária do BC, afirmando que a instituição deve servir "para o Brasil", e não para o mercado financeiro.

O dólar chegou a subir mais de 2% ao longo do dia, chegando a R$ 5,526 (às 16h), maior cotação desde 2022, fechando o dia a R$ 5,519.

Em entrevista ao NeoFeed, o economista-chefe do Citigroup para a América Latina, o mexicano Ernesto Revilla, disse que o mercado financeiro brasileiro tem reagido de forma exagerada às tensões políticas locais. Segundo ele, o Citi prevê o dólar cotado a R$ 5,16 no fim de 2024 e a R$ 5,07 no fim de 2025.

No Japão não existem ruídos políticos, mas a grande procura pelo dólar reflete uma crise econômica e financeira prolongada - desde janeiro, a cotação do iene em relação à moeda americana caiu 12%, com o iene mais fraco, pressionado pelo aumento de preços no varejo.

Dois componentes foram, aos poucos, minando a moeda japonesa. Um deles foi a decisão do Banco do Japão (BoJ, o BC japonês) de manter as taxas de juros extremamente baixas. Embora tenha decidido em março colocar fim a oito anos de taxas de juros negativas, o BoJ tem resistido em alterar a política monetária.

Em abril, quando a cotação do iene atingiu pela primeira vez sua cotação mais baixa que o dólar desde 1986, o Ministério das Finanças do Japão torrou um recorde de 9,8 trilhões de ienes (o equivalente a US$ 62 bilhões) em reservas para impulsionar a moeda japonesa.

Após uma breve recuperação em maio, iene voltou a cair. O fosso entre as taxas de juro no Japão e nos EUA impulsionou ainda mais um tradicional recurso financeiro no país – o carry trade, estratégia em que um investidor normalmente contrai empréstimos baratos em ienes e investe os fundos em ativos de maior rendimento, em dólares.


Na quarta, 26, uma queda da cotação da moeda japonesa de apenas 0,6% em relação ao dólar, para 160,65 ienes, foi suficiente para estabelecer um novo recorde em 38 anos.

Dólar mais forte

Essa tendência e dólar forte deve seguir inalterada enquanto a economia americana permanecer mais aquecida que a média dos países do Primeiro Mundo e, principalmente, o Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, mantiver os juros elevados – o que torna mais atrativa a aposta na moeda americana.

O melhor exemplo vem de traders, que têm especulado com contratos que se beneficiam de um dólar mais forte. De acordo com dados da Commodity Futures Trading Commission, dos EUA, até 18 de junho, eles somaram mais de US$ 12 bilhões em apostas nos ganhos do dólar.

Essa bonança tende a se prolongar. Um estudo divulgado no começo do mês pelo Goldman Sachs Research indica que o dólar deverá manter nos próximos 12 meses o mesmo nível de valorização face a moedas como o euro, a libra esterlina e o dólar australiano.

“No geral, continuaremos a viver num mundo com um dólar forte, com uma série de fatores de risco que deverão apoiar a moeda americana”, diz o estudo. “Qualquer erosão na forte valorização do dólar provavelmente será gradual.”

Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco Austin Rating, o dólar forte é resultado das mudanças ocorridas na economia global no pós-pandemia, desde a capacidade dos governos de reagir aos efeitos causados pelo isolamento social ao impacto nas cadeias de suprimentos globais.

“Esse processo elevou a inflação no Primeiro Mundo ao maior nível dos últimos 40 anos, forçando os bancos centrais a aumentar os juros para controlar a inflação”, afirma. Agostini diz que o Fed só deve começar a baixar os juros quando tiver segurança que a inflação americana estiver na meta de 2%.

“Os investidores estão aguardando esse gatilho do Fed, de corte dos juros, para assumir riscos, ou seja, eleger os mercados emergentes mais equilibrados, que deem equilíbrio entre risco e retorno, para poder investir”, diz.

Com isso, Agostini prevê que a bolsa brasileira deverá voltar a valorizar (este ano, acumula queda de 8,83%) e o real, a melhorar sua cotação. “Enquanto isso não ocorrer, nossa moeda vai continuar tropeçando nas próprias pernas”, acrescenta, sobre os impactos dos ruídos políticos.