A percepção de fragilidade do arcabouço fiscal e ruídos em torno da gestão monetária executada pelo Banco Central – graças à enxurrada de críticas do presidente Lula a Roberto Campos Neto e expectativa de transição no comando da instituição – pressionam prêmios de risco e limitam a possibilidade de um rali dos ativos brasileiros que fecham o semestre divorciados do exterior.

A perspectiva de corte do juro, especialmente nos EUA ainda neste ano, arrefeceu as taxas de remuneração dos Treasuries, benchmark global de renda fixa, e ampliou a trilha de valorização das bolsas de valores. Lá fora, sobretudo no mercado americano, os principais índices renovaram recordes durante o semestre puxados pelas ações ‘techs’. Por aqui, esse movimento nem fez cócegas.

A bolsa brasileira fecha o período com perda expressiva em meio à forte desvalorização do real ante o dólar – no mercado local e no mundo – e vigor das taxas de juros capitaneadas pela Selic que poderá permanecer em 10,50% até meados de 2025, arriscam previsões de analistas.

Nesse compasso, o Brasil perde o bonde de uma valorização global de ativos sujeita a menor tração em breve, ante o risco de maior volatilidade derivada da eleição presidencial nos EUA para a qual se prevê acirrada disputa entre democratas e republicanos.

E num contexto peculiar porque, a despeito do resultado das urnas, o vencedor à Casa Branca terá de enfrentar um déficit fiscal crescente a ser financiado por juros que, em declínio a conta-gotas pelo Federal Reserve (Fed), deverão permanecer no maior nível em duas décadas. E drenando recursos de mercados emergentes.

Uma foto preliminar do semestre, com dados até 27 de junho, aponta Ibovespa em queda nominal de 8,5%, ante alta de 14,8% do S&P 500; 10,6% do MSCI Mundo; e 8,6% do Euro Stoxx. No período, o dólar valoriza 13,4% ante o real.

O risco-país, medido pelo Credit Default Swap (CDS), saltou 24% de janeiro a junho e avança. Os juros locais prefixados de prazos mais curtos ultrapassam 11% ante 9% observados em janeiro e os mais longos superam 12%, enquanto os títulos públicos remunerados pelo IPCA pagam mais de 6,30%.

É um equívoco, porém, atribuir a precificação dos ativos a movimentos puramente especulativos. Investidores buscam cobertura para risco exacerbado também por uma sucessão de eventos – temperada por seguidas entrevistas do presidente Lula sem defesa explícita do equilíbrio fiscal.

Avalanche de eventos turbina risco

Abril marcou um ponto de corte no ano que transcorria sem grandes percalços com equipe econômica e mercado atentos ao cenário externo, condição que perdura e é explicitada na Ata do Copom e no Relatório Trimestral de Inflação divulgados, respectivamente, na terça-feira e na quinta, 25 e 27 de junho.

A mudança das metas fiscais a partir de 2025, revelada em meados de abril, foi um balde de água fria sobre o mercado. Ainda em abril, Campos Neto alertou, sem conhecimento de diretores do BC, para o fim da sinalização de corte da Selic em 0,50 ponto praticado pelo Copom. O mercado estranhou e azedou.

Em maio, agravou o cenário o “racha” na reunião do Copom, em que cinco dirigentes mais conservadores, incluindo Campos Neto, optaram por corte menor da Selic, ante quatro indicados por Lula que defenderam corte maior.

Em junho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu ao governo parte da MP que limitava o uso de créditos do PIS/Cofins pelas empresas para compensar a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e municípios – questão sem solução às vésperas do recesso parlamentar do meio do ano.

Ainda em junho, o presidente Lula, além de renovar ataques a Campos Neto e à taxa de juro que, segundo ele, favorece bancos, demonstrou ansiedade para a troca da guarda no BC. E traçou um perfil do seu candidato ao posto – maduro e experiente. Características não associadas a Gabriel Galípolo, reconhecido como o mais provável sucessor de Campos Neto.

Essa sequência de eventos acelerou a deterioração do câmbio já pressionado no exterior; reforçou a saída de investidores estrangeiros da bolsa brasileira, que chegou a perder mais de R$ 43 bilhões no ano até 18 de junho ou quase a totalidade dos R$ 45 bilhões que ingressaram em 2023; e potencializou a escalada das taxas de juros e das expectativas de inflação.

Mas nem tudo está perdido e o segundo semestre pode ser de recuperação. Alguns sinais que o mercado classifica como positivos despontam. Se vão se sustentar são outros quinhentos.

A Ata do Copom, coincidente com declarações de Galípolo em live da Warren Renascença na terça, 25 de junho, fortaleceu a percepção de que o BC está unido e determinado a zelar pela meta de inflação. A publicação do decreto da meta contínua e a manutenção do alvo em 3% pelo Conselho Monetário Nacional vieram no mesmo sentido – de alívio.

A participação de Galípolo na reunião no Palácio do Planalto, em que Lula avalizou a meta contínua de inflação, demonstrou prestígio e ampliou apostas de que ele segue como candidato preferencial ao comando do BC, em 2025.

Entretanto, investidores devem sair da retranca, de fato, com uma firme sinalização do presidente Lula, e não só da equipe econômica, de que o arcabouço fiscal é para valer. E amparado em corte de gastos e não apenas na expansão de receitas. Essa é a sinalização que circula no mercado financeiro dia sim e no outro também.

Mas enquanto a sinalização não vem, o semestre expira com o BC em exposição para além das fronteiras. Na terça, 2 de julho, Campos Neto dividirá holofotes com os presidentes dos maiores bancos centrais do mundo: Christine Lagarde, do Banco Central Europeu (BCE) e Jerome Powell, chairman do Fed.

O trio será destaque em painel no Fórum Anual do BCE que reúne governadores de bancos centrais do mundo inteiro em Sintra, Portugal, que, nessa edição, discutirá “Política monetária numa era de transformação”. Um feito para Campos Neto, mas inegável upgrade para o Banco Central do Brasil.