De toda a extensa agenda de mudanças prometida por Donald Trump durante campanha presidencial dos Estados Unidos, a reforma administrativa do governo americano sempre foi considerada a mais ambiciosa e difícil de ser implementada.
Ciente do tamanho do desafio, Trump escalou o bilionário Elon Musk para liderar Departamento de Eficiência Governamental, conhecido pela sigla DOGE em inglês, um órgão consultivo criado após a posse, com a missão de passar a tesoura de gastos nos 18 órgãos federais e, em tese, introduzir a eficiência da iniciativa privada no governo americano.
Passados dois meses desde a posse, a ambiciosa reforma administrativa de Trump se transformou numa sucessão de disputas judiciais e pouquíssimos resultados, deixando clara a forma apressada e desorganizada com que foi deflagrada.
O que seria um exemplo de reforma administrativa a ser copiada mundo afora tem, até agora, se mostrado ineficiente e com objetivos políticos, incluindo a demissão de cientistas e servidores altamente qualificados.
A única certeza é que a meta de cortar entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões até julho de 2026 dos US$ 6,75 trilhões de gastos anuais do Poder Executivo, além de reduzir em 25% o quadro de servidores públicos federais ocupando cargos civis, dificilmente vai ser atingida.
Em recente discurso no Congresso americano, Trump anunciou que o DOGE encontrou "centenas de bilhões de dólares em fraude” em vários órgãos federais. Musk também chegou a alardear ter economizado US$ 105 bilhões por meio de reduções de força de trabalho e cancelamentos de contratos.
Os números checados por várias organizações independentes e pela imprensa, porém, trazem resultados diferentes. De acordo com Ryan Bourne, do Cato Institute – um think-tank conservador de política pública -, o impacto real do DOGE até agora é inferior a US$ 10 bilhões, menos de 0,2% do déficit fiscal dos EUA.
Outro cálculo, de Jessica Riedl, do Manhattan Institute, coloca a economia real com a reforma administrativa “mais perto de US$ 2 bilhões”, ou 0,03% do Orçamento federal.
Resistência
O fato é que a Casa Branca encontrou mais resistência do que imaginava ao anunciar o programa. Das 575 mil demissões de funcionários federais previstas, cerca de 100 mil foram feitas – a maior parte para os que atenderam o programa de demissão voluntária, cuja validade ainda está sendo julgada pela Justiça.
Desse total, cerca de 24 mil funcionários federais em estágio probatório (período de avaliação de um novo servidor público) foram demitidos no mês passado. O DOGE mirou nessa categoria espalhada pelos 18 órgãos federais porque funcionários em estágio probatório são tipicamente mais fáceis de demitir, pois não têm algumas proteções do serviço civil.
Do total, a maioria está concentrada em quatro Departamentos (equivalentes a Ministérios): Tesouro, Agricultura, Saúde e Assuntos de Veteranos. Só na Receita Federal, que faz parte do Tesouro, foram demitidos mais de 7 mil funcionários.
O tiro, porém, saiu pela culatra. Há poucos dias, todos os funcionários em estágio probatório foram recontratados por decisões recentes de dois juízes federais.
Para complicar, a volta ao trabalho desses servidores terá custos ao governo a partir de US$ 120 milhões — em parte devido ao gasto com autorizações de segurança e processo de aquisição de equipamentos -, segundo estimativa conservadora de ex-funcionários do Serviço Digital dos EUA, familiarizados com o funcionamento interno da burocracia federal.
Os resultados ruins obtidos até agora pela reforma administrativa de Trump estão ampliando o debate sobre o foco e os objetivos reais do programa. Em nota aos clientes, a casa de análises Jefferies indicou que cortar 25% dos funcionários federais economizaria apenas 1% do Orçamento dos EUA.
O argumento faz sentido – 75% dos gastos federais vão para apenas 6 rubricas: Previdência Social (23%), gastos com Saúde (Medicaid e Medicare, com 22%), Defesa (12%) e Veteranos (4%), além de despesas com juros (14%).
O Cato Institute descreve possíveis maneiras de reduzir os gastos fiscais em até US$ 2,4 trilhões, incluindo a reforma de direitos (Segurança Social e Medicare), eliminando subsídios corporativos, encerrando a ajuda federal aos estados, vendendo ativos federais, simplificando o código tributário para promover a eficiência e a reforma regulatória para estimular o crescimento.