Os mercados globais mantiveram nesta terça-feira, 22 de abril, pelo segundo dia consecutivo, a estratégia de vender ativos americanos diante de mais uma ameaça do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – desta vez, de colocar em risco a independência do Federal Reserve, o banco central americano.
O ouro subiu 2% e atingiu pela primeira vez a cotação de US$ 3.500 a onça, enquanto o dólar seguiu trajetória de queda, aproximando da mínima em três anos, reforçando o temor do dia anterior, quando Trump fez ameaças diretas ao presidente do Fed, Jerome Powell - que tem mandato independente até 2026.
As declarações de Trump, sugerindo que vai tentar demitir Powell caso o BC americano não reduza os juros, já haviam derrubado os mercados na segunda-feira, com o S&P 500 fechando em queda de 2,4% e o Nasdaq caindo 2,6%, além de recuo de outros ativos americanos, como o dólar e os títulos do Tesouro dos EUA.
A liquidação foi menos severa durante o pregão asiático e europeu da terça-feira, com quedas entre 0,4% (do índice Nikkei 225, do Japão; e do STOXX 600, índice das principais ações europeias) e 0,2% (Dax, da Alemanha), com registro de pequena alta de 0,2% do FTSE, de Londres.
Mas as seguidas ameaças de Trump estão aumentando a preocupação com o futuro da economia dos EUA e do mundo. Primeiro, a imposição de tarifas elevadas contra os principais parceiros comerciais dos EUA. Depois, a sugestão de usar as tarifas contra alguns países como arma para obrigá-los a se distanciar da China - país responsável por 36% das exportações globais. Agora, a ameaça contra o líder do Fed, que pode servir de bode expiatório contra os efeitos negativos do tarifaço.
O índice Dow Jones Industrial Average, que caiu quase 1.000 pontos na segunda-feira, caminha para seu pior desempenho em abril desde 1932, como mostra previsão da Dow Jones Market Data.
Desde o dia da posse de Trump, outra referência do mercado financeiro americano, o S&P 500, tem afundado em queda de 20%, com os piores resultados que remontam a 1928, segundo levantamento do Bespoke Investment Group.
Outros indicativos de liquidação de ativos americanos reforçam a desaprovação ao governo Trump. A valorização em série do ouro é um exemplo, pois o ativo é procurado pelos investidores como forma de proteção em tempos de incerteza.
O Ministério das Finanças do Japão, por exemplo, revelou nesta terça que os investidores japoneses venderam US$ 20 bilhões em títulos estrangeiros nas duas primeiras semanas de abril - período que coincide com o anúncio e efeitos da política tarifária de Trump.
O Japão detém US$ 1,1 trilhão em títulos do Tesouro dos EUA nos setores público e privado — o maior estoque internacional do mundo. A recente liquidação marca uma das maiores saídas em um período de duas semanas desde que os registros começaram em 2005.
De acordo com fontes ouvidas pelo jornal britânico Financial Times, os fundos de pensão japoneses provavelmente se livraram de títulos dos EUA devido à queda nas ações de Wall Street - o relatório do Ministério das Finanças do Japão não fornece detalhes sobre quais títulos de longo prazo foram negociados pelas instituições financeiras do país.
Queda de braço
As seguidas ameaças de Trump contra Powell preocupam por dois motivos. O primeiro por indicar uma estratégia da Casa Branca de eventualmente culpar Powell e o Fed por qualquer efeito econômico negativo resultante de sua guerra comercial.
Trump, frustrado com a relutância do Fed em cortar as taxas de juros "preventivamente", como exige, aumentou a pressão na semana passada, depois de Powell dizer que as tarifas provavelmente aumentariam a inflação e desacelerariam o crescimento econômico.
Na sexta-feira, 18 de abril, o assessor econômico da Casa Branca, Kevin Hassett, passou o recado que o governo Trump estava "estudando" as opções de como demitir Powell – que foi nomeado por Trump em 2018, durante seu primeiro mandato. Caso renuncie (o que Powell nega), daria Trump a chance de escolher um presidente do Fed leal ao seu governo.
Na segunda, 21 de abril, Trump chamou Powell de "um grande perdedor", referindo-se a ele como "Sr. Tarde Demais" e pediu novamente que o Fed reduzisse os juros.
O presidente disse que "praticamente não há inflação" e tentou culpar Powell por qualquer desaceleração na economia — que os economistas previram no curto prazo como resultado das tarifas de Trump.
Outra preocupação do mercado é que, caso a pressão de Trump acabe gerando uma troca de comando no Fed, o BC americano passe a baixar os juros sem base técnica, para tentar estimular uma economia que dá sinais de reduzir a velocidade de crescimento juntamente com aumento da inflação, efeitos das tarifas.
Powell afirma que o banco central americano não leva em conta considerações políticas ao definir suas medidas. Powell passou grande parte de seus sete anos como presidente tentando reforçar o DNA apolítico da instituição após os ataques políticos sofridos pelo Fed depois da crise financeira global de 2008.
Não está claro até onde Trump vai para forçar a saída de Powell. Se essa queda de braço já está gerando tensão no mercado, a possibilidade de o presidente americano conseguir achar um artifício para afastar o presidente do Fed assusta ainda mais.
Isso porque uma eventual contestação judicial de Powell à sua remoção mergulharia os EUA num cenário político e econômico imprevisível. A queda das ações e do dólar na segunda-feira e a alta dos rendimentos dos títulos podem ser um prenúncio.
“O presidente já criou uma tremenda incerteza em relação à política comercial internacional, forçando todas as empresas nos Estados Unidos a descobrir quais são suas políticas”, disse ao The Wall Street Journal o ex-senador Phil Gramm, republicano do Texas que presidiu o Comitê Bancário do Senado de 1999 a 2001. “Sugerir que Powell poderia ser removido por meio de ação presidencial cria uma incerteza totalmente nova.”