Isolado no meio do Pacífico, o Havaí começou a ser povoado no século 3, com a chegada de polinésios vindos das Ilhas Marquesas e do Taiti. Em 1778, porém, os primeiros exploradores europeus aportaram no arquipélago e, pouco a pouco, o aloha way of life passou a ser influenciado por colonizadores, missionários e empresários estrangeiros — culminando com a anexação das ilhas pelos Estados Unidos, em 1898, e sua transformação no 50º estado americano em 1959.
Mais de dois séculos depois, o Havaí vive uma “segunda onda de colonização”. Ao longo dos últimos quinze anos, cresce o número de “forasteiros” interessados em comprar terras no arquipélago. Em 2023, um grupo de 40 bilionários, sobretudo da tecnologia, era dono de cerca de 6% de todo o território havaiano, conforme levantamento da revista Forbes US.
O lance mais recente desse movimento aconteceu no início do ano, quando Mark Zuckerberg adquiriu mais 962 hectares de terras em Kauai, por US$ 65 milhões, conforme relata a revista Wired. Com a compra, o portfólio imobiliário do fundador da Meta na ilha passou de 1,4 mil a 2,3 mil acres — “colocando-o entre os maiores proprietários de terras do estado”, lê-se na reportagem.
Até o momento, o segundo homem mais rico do mundo já investiu US$ 300 milhões em Kauai. Para se ter ideia do que isso representa para os padrões havaianos, o custo operacional anual de toda a ilha é de US$ 311 milhões.
Batizada de Ko’olau Ranch, a propriedade começou a ser estruturada em 2014, quando Zuckerberg desembolsou US$ 100 milhões por quase 700 acres.
Atualmente, o lugar abriga duas mansões, que, juntas, têm o tamanho de um campo de futebol; uma academia, uma quadra de tênis, várias casas de hóspedes, um conjunto de casas na árvore, um sistema de abastecimento de água e até um túnel que leva a um abrigo subterrâneo, equipado com portas à prova de explosão e uma escotilha de escape, conforme a Wired.
Segundo documentos, ele solicitou permissão para erguer mais três edifícios na propriedade, com tamanhos entre 720 e mil metros quadrados. Essa metragem é 10 vezes superior ao tamanho de uma casa média no Havaí.
O projeto de dois dos prédios conta com 16 suítes e uma varanda comum de 120 metros quadrados — “acomodações de curta duração para a família, amigos e funcionários”, conforme descrito pela equipe do empresário.
Como tudo em Ko’olau Ranch, as novas construções serão equipadas com o que há de mais moderno em sistema de segurança — câmeras, fechaduras eletrônicas e detectores de movimento, entre outros aparatos.
Especula-se que Zuckerberg esteja construindo um bunker de sobrevivência. Ele nega. Diz que o complexo é para lazer e para a criação de gado. Em janeiro, ele foi às redes sociais anunciar que pretendia entrar para a agropecuária:
“Meu objetivo é criar uma das carnes de maior qualidade no mundo.” Das raças wagyu e angus, os animais têm uma dieta balanceada, com ingredientes produzidos no rancho.
O "dono" de Lanai
Outro latifundiário do Havaí é Larry Ellison, cofundador da Oracle. Ele é dono de 97% da ilha de Lanai, adquiridos por US$ 300 milhões em 2012. Com a compra, o empresário se tornou dono de um terço das casas e apartamentos do lugar e de dois hotéis Four Seasons, além de um teatro, uma estação de tratamento de esgoto, um supermercado e até um cemitério.
Para Ellison, Lanai é uma oportunidade de desenvolver um grande projeto de engenharia, que tem como objetivo otimizar a infraestrutura e os sistemas da ilha em busca de eficiência e sustentabilidade — além de representar um espaço de lazer para a família e amigos.
Apesar do discurso, sua primeira iniciativa foi levar para lá uma filial do Nobu, o sofisticado restaurante japonês. Ele também está construindo um hotel de luxo na ilha, cujos investimentos até agora não foram revelados.
Jeff Bezos, da Amazon, também é dono de terras havaianas — uma propriedade de 12 acres localizada em Maui, adquirida em 2022. Apesar de não haver muitos detalhes do imóvel, já que ele nunca foi listado oficialmente no mercado, é sabido que, ao redor de campos de lava do vulcão Haleakalā, estão três casas de veraneio, avaliadas em US$ 700 milhões.
Desde 2020, Marc Benioff, cofundador e CEO da Salesforce, vem adquirindo terras na região de Waimea, na maior das oito principais ilhas do arquipélago, a Big Island. Até agora, teriam sido 600 acres, a US$ 100 milhões.
A “colonização contemporânea” do Havaí não se faz apenas com os bilionários da tecnologia. Há ricos de todos os segmentos interessados na “terra dos deuses”, na tradução do nome do estado no idioma polinésio. A apresentadora Oprah Winfrey foi uma das primeiras celebridades a comprar terras no arquipélago, especificamente na ilha Maui. Todos os anos, ela passa quatro meses consecutivos por lá.
Mas por que aquelas ilhas no Pacífico despertam tanto interesse?
"As principais atrações no Havaí são o estilo e a qualidade de vida", diz ao NeoFeed Alex Abreu, corretor imobiliário responsável pelo Hawaii Life, parceira da Coelho da Fonseca no estado americano.
Conhecidas por suas paisagens deslumbrantes, sua fauna e flora exuberantes, além da conexão com a natureza, elas oferecem privacidade e uma posição geográfica privilegiada, que facilita as viagens tanto para os Estados Unidos quanto para a Ásia. Não à toa, os japoneses são o grupo de estrangeiros que mais compra terras no arquipélago.
"No que diz respeito aos imóveis, também existem muitas opções diferentes disponíveis no mercado, o que se torna um atrativo", completa Abreu. "É possível encontrar uma casa em uma área mais urbana, à beira-mar, em um ambiente rural tranquilo com mais terreno ou em um condomínio com comodidades."
Poltergeist havaiano?
Naturalmente, a investida dos novos proprietários impacta a vida dos havaianos. Em Lanai, quase todos os moradores da ilha trabalham e/ou devem pagar aluguel a Ellison.
Um estudo realizado pela Universidade do Havaí mostra que, atualmente, apenas 20% das famílias conseguem comprar uma casa a preços medianos. Em 2021, elas somavam 44%. Com o aumento das taxas de juros, essa situação só se agrava.
Além das questões financeiras, há os aspectos culturais. Algumas das terras adquiridas peloes "estrangeiros" são sagradas para os havaianos.
O Ko’olau Ranch, de Zuckerberg, por exemplo, está sobre um cemitério e agora a população não tem mais acesso aos túmulos de seus parentes e amigos.
A família Ako, segundo a Wired, só conseguiu o direito de visitar seus antepassados que estão enterrados ali depois de intensas negociações. Mas só nos dias e horários determinados pelo dono da Meta.
A Justiça determinou que o local que um dia serviu de cemitério fosse cercado — e respeitado pelo atual proprietário do terreno.
Os representantes de Zuckerberg garantem que os operários foram instruídos a relatar a descoberta de restos mortais humanos na propriedade. Vale lembrar: esses mesmos trabalhadores só conseguiram o emprego porque assinaram um acordo de confidencialidade.
No fundo, os nativos, descendentes dos primeiros havaianos, temem pelo futuro de seu passado. Como diz Puali‘i Rossi, professora de estudos sobre nativos havaianos do Kauai Community College, à Wired: “Eventualmente, o Havaí não vai mais parecer o Havaí — vai se tornar uma comunidade de resorts”.