Ao longo dos últimos dez anos, as empresas de tecnologia tornaram-se figuras carimbadas na lista das companhias mais valiosas do mundo. Além da Microsoft, presença constante nessa relação desde a década de 1990, Apple, Amazon, Google e Facebook conquistaram seu espaço e expressaram, em valores de mercado estratosféricos, a crescente relevância do setor na economia global.

Depois de consolidarem seu domínio nesse clube seleto, essas gigantes estão colocando à prova, novamente, seu poder de fogo. E sob um cenário no qual as bolsas de valores traduzem os impactos desastrosos da Covid-19 para boa parte dos segmentos da economia, o setor de tecnologia mostra resiliência e dá sinais de que pode sair ainda mais fortalecido da crise.

Alguns indicadores reforçam essa perspectiva. Enquanto o S&P 500, índice que abrange as principais companhias americanas, acumula uma queda de mais de 13% no ano, as ações de empresas como Netflix, Amazon e Microsoft seguem um caminho inverso. No período, as cotações desses papéis cresceram 30%, 26% e 10%, respectivamente, segundo a consultoria Economatica.

Nesse intervalo, a Microsoft se fortaleceu no topo, saindo de um valor de mercado de US$ 1,2 trilhão para US$ 1,32 trilhão. A Amazon, por sua vez, está avaliada em US$ 1,17 trilhão, ante US$ 920 bilhões, no fim de 2019. Já a Netflix viu sua avaliação crescer 30%, para US$ 184,9 bilhões.

Nem todas as gigantes de tecnologia ficaram imunes aos efeitos da pandemia. Mas mesmo nesses casos, a desvalorização das ações foi inferior à tônica do mercado. No caso da Apple, o recuo foi de 5,7%. Já a Alphabet, holding controladora do Google, e o Facebook, acumulam quedas, respectivamente, de 6% e 11%.

“As empresas de tecnologia são as grandes vencedoras nessa crise. E quem sai perdendo, são as companhias do velho mundo”, afirma Vivek Wadhwa, professor da Carnegie Melon University. “Somos bilhões de pessoas presas em quarentena e o que nos salvou foi a tecnologia. Estamos todos online. Aprendendo, trabalhando, nos comunicando e nos entretendo.”

Para as fontes consultadas pelo NeoFeed, a mudança forçada dos hábitos provocada pela Covid-19 ajudou a acelerar o processo de digitalização, que já vinha em curso. E abriu caminho para a superação de algumas barreiras.

“Muitas pessoas tinham preconceito, por exemplo, com a educação online. Mas era um preconceito sobre algo que elas não tinham vivenciado”, diz Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo e inovação do Insper. “Se a pandemia não tivesse acontecido, talvez levássemos 30 anos para quebrar esse paradigma.”

Ao mesmo tempo, ele destaca que boa parte do setor estava pronto para extrair bons resultados desse contexto. “As empresas de tecnologia são mais flexíveis e têm mais agilidade para mudarem suas estratégias em pleno voo”, observa. “E aquelas que desenvolveram um modelo baseado em plataformas e ecossistemas tendem a sair muito mais fortes dessa crise.”

Em alta

Diante desse contexto, algumas vertentes tecnológicas ganharam, naturalmente, mais destaque. Com o fechamento das lojas físicas, o consumo das mais variadas categorias de produtos foi transferido para os carrinhos de compra virtuais. Nessa seara, incluem-se os serviços de delivery de comida.

O necessário reforço dos canais de negócios online exigiu, da mesma forma, a contratação de capacidades adicionais de processamento e de infraestrutura de tecnologia, o que beneficiou as empresas com ofertas de computação em nuvem, como a Microsoft, com a plataforma Azure.

Enquanto o S&P 500 acumula uma queda de mais de 13% no ano, os valores das ações da Netflix, Amazon e Microsoft cresceram, respectivamente, 30%, 26% e 10%

A migração de boa parte das empresas para o modelo de home office ampliou a demanda pelos softwares de trabalho remoto e por ferramentas como a videoconferência. Assim como os serviços de streaming, que foram impulsionados ainda pela busca das pessoas por entretenimento.

Entre as empresas com atuação nessas frentes, figuram nomes como Google, Cisco e novatas como a Zoom, que, em três meses, viu seu número de usuários ativos saltar de 10 milhões para 200 milhões.

Nesse cenário, o banco de investimentos canadense RBC Capital Markets apontou a Amazon como uma das empresas mais bem posicionadas para se beneficiar da crise. “Esse pode ser, definitivamente, o ano de aceleração de crescimento da receita da empresa”, escreveu a companhia, em relatório.

A análise é justificada pelo fato de a Amazon atuar em muitas dessas frentes. Do comércio eletrônico, pela qual ficou conhecida, até a oferta de computação em nuvem, com a AWS, aos serviços de streaming, com o Amazon Prime.

Como prova do aumento da demanda pelos seus serviços, a empresa de Jeff Bezos anunciou, em março, a contratação de 100 mil funcionários para a operação de seus centros de distribuição. E, na semana passada, a companhia disse que vai reforçar esse quadro com mais 75 mil profissionais.

A Netflix é outra empresa que já contabiliza bons resultados em meio à crise. Na terça-feira 21, a companhia anunciou que adicionou 15,8 milhões de assinantes à sua base no primeiro trimestre de 2020, na esteira da Covid-19. O volume ficou bem acima das estimativas de analistas para o período, da ordem de 8,5 milhões de usuários e fortaleceu a companhia, cuja liderança no segmento vinha sendo ameaçada pela chegada de concorrentes como a Disney.

O coronavírus também impulsionou a procura pela Microsoft Teams, plataforma de comunicação e trabalho online da Microsoft. Em meados de março, a empresa anunciou que o número de usuários diários da ferramenta subiu 12 milhões em apenas 7 dias.

O total de mensagens enviadas por serviços como WhatsApp e Messenger cresceu mais de 50% de fevereiro para março

Já o Facebook divulgou que o total de mensagens enviadas por serviços como WhatsApp e Messenger cresceu mais de 50% de fevereiro, enquanto o tempo gasto em chamadas em grupo nesses serviços avançou mais de 1.000% no período.

A companhia de Mark Zuckerberg também mostra que o setor segue com apetite e caixa para aquisições. Na quarta-feira 22, a empresa desembolsou US$ 5,7 bilhões para assumir o controle da Jio Platforms, operadora de telefonia móvel da Índia.

O país é o maior mercado da rede social, com cerca de 400 milhões de usuários. Em comunicado, o Facebook destacou que um dos objetivos a partir do acordo é explorar integrações dos serviços da empresa com o WhatsApp.

A Apple é mais uma gigante a reforçar as estratégias de consolidação no setor. Nas últimas semanas, a companhia fechou as aquisições de duas startups: a Dark Sky, aplicativo de previsão de tempo, e a Voisys, dona de uma plataforma para que assistentes de voz compreendam melhor a linguagem natural dos usuários.

Caminho sem volta

Para as fontes consultadas pelo NeoFeed, o crescimento do uso dos serviços e ferramentas digitais não ficará restrito à demanda no período da pandemia. “Essa demanda será sustentável no longo prazo”, diz Wadhwa. “Nossos hábitos já mudaram e todos nós estamos nos acostumando com a nova maneira de fazer as coisas.”

Economista da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti acrescenta outros componentes nesse pacote. “As empresas estão percebendo que é possível manterem suas operações com custos menores”, observa. Ele entende que a tendência da busca pela redução de custos no pós-crise seguirá favorecendo os investimentos em tecnologia. “A pandemia trouxe, de fato, uma virada de chave para a digitalização.”

Nessa direção, outras ofertas ligadas à tecnologia estão atraindo usuários durante pandemia e devem ganhar mais espaço no médio prazo. Assim como as empresas ligadas a esses modelos de negócios. A consultoria americana Zack Research listou algumas dessas frentes e companhias.

Segundo a Zack, as soluções de pagamento sem contato são uma tendência que sairá mais robusta da crise. Nessa área, a companhia destacou a Square, empresa capitaneada por Jack Dorsey, fundador e CEO do Twitter. No âmbito do entretenimento, a consultoria apontou serviços de vídeos e aplicativos de games, e empresas como as chinesas TikTok e Tencent.

“As empresas chinesas estão entre as mais bem posicionadas para o pós-crise”, diz Nakagawa. Ele acredita que, passada a crise, as companhias do país vão reforçar os investimentos para ir além da Grande Muralha, especialmente em países emergentes. E esse roteiro pode passar pelo Brasil, onde gigantes como Alibaba e Tencent já possuem participações na Stone e Nubank, respectivamente. “Eles já são grandes players financeiros e o Brasil tem uma agenda digital no setor pela frente, com os pagamentos instantâneos e o open banking.”

No Brasil

Com um número bem mais restrito de empresas de tecnologia listadas, o mercado brasileiro também tem exemplos de companhias que estão sofrendo impactos em menor escala da Covid-19 quando comparadas a outros setores.

A principal delas é a Locaweb, que tem no portfólio ofertas como computação em nuvem e abriu capital no início de fevereiro. Desde então, suas ações valorizaram mais de 30%. A alta é um contraponto à queda acumulada pelo Ibovespa no ano, também da ordem de 30%.

Desde fevereiro, quando abriu capital, a Locaweb acumulou uma alta de mais de 30% em suas ações

Com um recuo de 6,5% no preço de seus papéis desde o início do ano, a Totvs é mais empresa com boas perspectivas para atravessar a crise. “A Totvs tem um endividamento controlado e uma situação de caixa bastante confortável”, diz Bertotti, da Messem Investimentos. “E tem um modelo de receitas recorrentes, o que é positivo em um momento que muitas empresas estão perdendo faturamento.”

Em contrapartida, ele ressalta que Positivo e Linx requerem atenção. Afetada por fatores como problemas na cadeia de fornecedores de componentes, muito concentrada na China, a Positivo viu suas ações despencarem 64% desde o início do ano. Já a Linx, com uma carteira baseada em clientes do varejo, acumula uma desvalorização de 33% em seus papéis no período.

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