Em 6 de fevereiro de 2020, a Locaweb começou a negociar suas ações na B3, em uma abertura de capital na qual captou R$ 1,3 bilhão. Com o IPO, a companhia que surgiu como um serviço de hospedagem na internet e evoluiu para o modelo de computação em nuvem e de sistemas de e-commerce passou a figurar ao lado de Totvs, Linx, Positivo, e Sinqia, três empresas que faziam parte do minguado setor de tecnologia da bolsa brasileira.
Um ano depois, a Locaweb voltou à B3 para uma nova captação (follow on), em que conseguiu levantar R$ 2,750 bilhões, mais do que o dobro de 2020. Com suas ações valorizando-se quase 600% desde a abertura de capital, a empresa foi o abre-alas para uma série de companhias que estão por trás de uma onda de IPOs de tech na bolsa brasileira.
Até agora, oito empresas de tecnologia tocaram o sino do pregão da B3. No ano passado, o site de cashback e cupons de descontos Méliuz, o brechó online Enjoei e a empresa de big data Neogrid se tornaram públicas entre novembro e dezembro.
Neste ano, a fila cresceu ainda mais com a chegada da fabricante de equipamentos de segurança e comunicação Intelbras, da Mosaico (donas dos sites Buscapé, Zoom e Bondfaro), do e-commerce de móveis Mobly, do site de decoração Westwing e da desenvolvedora de aplicativos Bemobi.
Desde novembro do ano passado, essas aberturas de capital, incluído o follow on da Locaweb, levantaram mais de R$ 10,5 bilhões em ofertas primárias e secundárias de ações. Mas isso pode ser apenas o começo de uma onda tech na bolsa brasileira, acreditam três fontes com as quais o NeoFeed conversou.
A fila de IPO de empresas de tecnologia deve crescer ainda mais nos próximos meses. De acordo com pessoas a par do assunto, há pelo menos seis empresas se preparando para abrir o capital de setores como software, e-commerce, marketplace, adtechs e educação.
O próximo a divulgar seus planos deve ser a Dotz, um programa de fidelidade que está apostando em uma carteira digital, apurou o NeoFeed. Nos próximos dias, a companhia comandada por Roberto Chade deve protocolar seu pedido de IPO na B3. Procurada, a empresa não quis se pronunciar.
A estimativa é concluir o processo de abertura de capital entre o fim de março e o começo de abril. Conversas preliminares com possíveis investidores já foram realizadas, o que dá confiança para a operação.
A Dotz surgiu nos anos 2000 como um programa de fidelidade com foco no varejo, ao contrário de Smiles e da antiga Multiplus, ligadas às companhias aéreas Gol e TAM, respectivamente.
Atualmente, a Dotz conta com 46 milhões de pessoas cadastradas e está presente em 13 regiões metropolitanas do Brasil. A empresa converte os dotz, nome de sua moeda digital, em reais, que podem ser usados na conta digital.
Há pelo menos seis empresas se preparando para abrir o capital de setores como software, e-commerce, marketplace, adtechs e educação
O que explica essa onda tech? O que mudou para que de uma hora para outra os investidores, antes céticos com as empresas de tecnologia, começassem a olhar para essa classe de ativos?
“Agora todo mundo entende o poder da tecnologia”, diz um investidor que há tempos aposta em startups. “Com a pandemia, as empresas tiveram que se digitalizar e os investidores foram olhar para a bolsa brasileira e viram que não tinham papéis de tech para comprar.”
Não se trata de um movimento que surgiu da noite para o dia. Há os fatores macroeconômicos óbvios, como os juros baixos (que aumentou o interesse pela renda variável) e a pandemia (que acelerou a digitalização e elevou o protagonismo das vendas online). Isso gerou um enorme apetite por ativos de alto crescimento e de tecnologia.
A B3 também se movimentou. De um lado, passou a se relacionar com fundos de venture capital, em uma forma de prospectar as startups que poderiam se tornar públicas. De outro, facilitou a listagem de empresas médias, com faturamentos menores.
Mas esses fatores por si só não bastam para explicar o interesse dos investidores institucionais pelos ativos de tecnologia na bolsa brasileira. Há também o movimento de alguns fundos locais que passaram a se posicionar em empresas de tecnologia antes de elas irem à bolsa.
Aqui não se trata dos tradicionais investidores de venture capital que passaram a considerar a bolsa brasileira como uma saída para seus investimentos – Méliuz e Enjoei, por exemplo, tinham a tradicional gestora brasileira de venture capital Monashees em sua base de acionista.
Neste caso, são fundos que atuam em renda variável, mas que agora estão comprando participações em empresas antes de elas realizarem o IPO. É o exemplo da Constellation, de Florian Bartunek, que é um dos investidores da empresa brasileira de comércio eletrônico VTEX. Ou mesmo da Gávea, do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que também investiu na VTEX. A Velt Partners, por exemplo, tem fatias da empresa de logística Loggi e na operação de e-commerce MadeiraMadeira. A Dynamo, por sua vez, estava no Enjoei.
“Os investidores da América Latina nunca tiveram bolsos ligados à tecnologia”, diz um investidor que participou de alguns dos IPOs de empresas de tecnologia no Brasil. “Agora, começou a ter um set de investidores locais dedicados ao setor. Esses deals têm de 70% a 80% de investidores locais.”
Ao investirem em ativos tech, os fundos locais começam a entender o racional por trás de empresas como Méliuz, Enjoei, Mosaico, Mobly e Westwing. E a lógica não está necessariamente atrelada ao lucro – embora boa parte delas esteja no azul. Mas sim à capacidade de crescer em ritmo acelerado.
“Aquele argumento de que o investidor brasileiro não entendia de tecnologia e não pagaria múltiplos altos por essas empresas está vencido”, afirma Thiago Maceira, managing diretor do Itaú BBA. “Eles estão com apetite para fazer essas transações.”
E, de certa forma, aqueles que apostaram nas empresas tecnológicas que abriram o capital, por enquanto, não têm do que reclamar. As ações de Méliuz, por exemplo, valorizaram-se 183% desde o IPO – os papéis já chegaram a subir mais de 200%. A Enjoei acumula uma alta de 70,7% e a Neogrid, 85,5%.
Um caso ilustrativo dessa euforia foi a Mosaico, cujas ações subiram 97% no seu primeiro dia de negociação na B3 – o que levou muitos a brincar que a abertura de capital da dona do Buscapé, Zoom e Bondfaro era coisa de Nasdaq. Na sequência, ela caiu e hoje é negociada com uma valorização de 58,4%. “Teve uma euforia do varejo”, diz um investidor para justificar esse desempenho fora da curva da Mosaico.
Mas nem todas as empresas de tech da B3 têm esse desempenho espetacular. A Westwing acumula uma queda de 10,8%. A Mobly valoriza-se 2,6%. E a Bemobi, por enquanto, está no zero a zero – quando abriu o capital, em 9 de fevereiro, chegou a se valorizar 26% no começo do pregão, mas fechou o dia em queda.
Com esse desempenho bipolar, muitos investidores se perguntam se há risco de uma bolha com as empresas de tecnologia na B3? A resposta de todos com quem o NeoFeed conversou é não. “Essas empresas têm condições de crescer a 40%, 50% em receita e em margem. E os investidores estão colocando isso no valuation”, afirma Maceira. Outro investidor que não quer se identificar alerta: “Os valuations estão altos, mas elas precisam entregar o resultado prometido no road show.”
A Locaweb, mais uma vez, surge como um exemplo de empresa que conseguiu entregar resultados desde que se tornou pública – e, de certa forma, deixou os investidores ainda mais confiantes para apostar nesses ativos tecnológicos.
“A Locaweb prometeu e entregou”, diz um executivo próximo a empresa. “Ela fez aquisições, cresceu a receita e aumentou o GMV e, tão importante quanto isso, conseguiu explicar para o investidor o que é a Locaweb.”
No terceiro trimestre de 2020, o último balanço divulgado, a Locaweb viu sua receita líquida crescer 23,8% para R$ 126,2 milhões. O GMV (gross merchandise volume ou volume bruto de mercadorias) aumentou 90,4% para R$ 1,9 bilhão. No total, foram seis aquisições, a maior delas da Vindi, por R$ 180 milhões.
Com esse resultado, o mercado agora deu um novo cheque para que a Locaweb prossiga em sua estratégia – do total de R$ 2,75 bilhões captados no follow on, cerca de R$ 2,2 bilhões vão para o caixa da empresa para fortalecer sua política de aquisições. O alvo dessa vez são empresas de serviços financeiros, social commerce, ERP e automação de marketing. A RD Station é um alvo especulado pelo mercado.
A safra de empresas tecnológicas que abriram o capital a partir de novembro do ano passado teve, até agora, apenas um trimestre, se tanto, para dar uma cor aos investidores se estão conseguindo cumprir seus planos. É cedo para saber se vão entregar resultados – e, como toda safra, há os frutos bons e os ruins.
Mas, como gosta de dizer Israel Salmen, fundador e CEO do Méliuz, o IPO é só o começo. “Admiro todos os empreendedores que abriram o capital. Mas essa é a primeira etapa”, afirmou Salmen, ao NeoFeed. “Temos, agora, o compromisso de entregar o plano e o que foi anunciado durante o road show.”
Se essas empresas que agora estão se tornando públicas falharem em entregar o prometido, o mercado não vai perdoar. E a fila de IPOs de tech, que não para de crescer, pode emperrar. E a onda tech pode virar uma marolinha.