Poucas gestoras ficaram tão conhecidas na primeira fase da internet brasileira, no fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000, como a GP Investments, na época liderada pelo trio Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Teles. Na lista de investimentos de tecnologia, estavam empresas como Submarino, Webmotors, Patagon, iG e Mandic, entre muitos outros.
Aos poucos – e sem o trio que hoje comanda o 3G, o fundo que é dono da AB Inbev, Kraft Heinz e Restaurant Brands (Burger King e da Tim Hortons) – a GP foi migrando para o private equity, investindo em empresas da economia tradicional sob o controle de Fersen Lambranho e Antonio Bonchristiano desde 2003. Com isso, se afastou do setor de tecnologia.
Agora, a GP Investments está de volta ao mundo tech com a G2D, cujo objetivo é levar a classe de ativos de venture capital “para as massas”, dando acesso a um portfólio global de empresas tecnológicas de alto crescimento para um grande número de investidores.
“O acesso a companhias pré-IPOs é inacessível aos investidores pessoas físicas, pois para investir na maioria dos fundos de venture capital, é preciso ser um investidor profissional”, diz Carlos Pessoa Filho, responsável pela operação da G2D, em sua primeira entrevista depois da listagem dos BDRs (brazilian depositary receipts) na B3, em maio deste ano.
Na captação, que levantou R$ 281 milhões, 5.124 pessoas físicas participaram do IPO da G2D, o que correspondeu a um percentual de 59% da subscrição dos BDRs, um percentual incomum para operações desse tipo. “O investidor brasileiro estava fora dessa classe de ativos”, afirma Pessoa Filho. “Queremos oferecer governança, transparência, liquidez e acesso global a ele.”
A G2D, que tem sede e é cotada também na bolsa de Bermudas, se define como uma companhia de investimento de capital permanente. Na prática, no entanto, é como se fosse um fundo de venture capital, só que com liquidez diária. E já nasce com um portfólio global badalado, fruto de uma estratégia de capital proprietário dos últimos seis anos da GP.
Nos Estados Unidos, a companhia investe na Expanding Capital, um fundo de venture capital que tem cinco unicórnios no portfólio: a Clover Health (que abriu o capital por meio de um SPAC), a ClassPass, a Farmer Business Network, a Turo e a Fair.
O sexto da lista seria a Coinbase, que abriu o capital na Nasdaq em meados de abril. A exposição que a G2D tinha na corretora de criptomoedas rendeu US$ 5,9 milhões, um retorno de 700% - a companhia saiu do investimento com o IPO.
Na Europa, a G2D criou a The Craftory, uma holding que investe em empresas com uma pegada ESG (environmental, social and corporate governance) na área de consumo de todo o mundo. Entre elas, está a chilena NotCo, de alimentos veganos, que muitos consideram o próximo unicórnio da América Latina.
Nessa holding, que aposta em DVNBs (digital vertical native brands), a G2D conta ainda com a Dropps (de detergentes ecológicos), a TomboyX (de lingeries e cuecas, uma antítese da Victoria’s Secret da época das angels) e a Moss (de créditos de carbonos), entre outros investimentos.
No Brasil, a estratégia é de investimentos diretos. E o alvo preferido são fintechs, como a registradora especializada em recebíveis Cerc; a Blu Pagamentos, de antecipação de recebíveis; a plataforma de investimentos Sim;paul; e a de crédito educacional Quero Educação.
Mas a menina dos olhos é o Mercado Bitcoin, que busca abrir o capital com uma avaliação entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. “O grande chamariz da G2D é sua pequena participação (apenas 3,5%) na corretora de criptomoedas Mercado Bitcoin”, escreveu Danielle Lopes, sócia da Nord Research, em relatório da casa de análise independente voltada a pessoas físicas.
Se sair com um valuation de R$ 10 bilhões, a fatia da G2D pode valer R$ 350 milhões, valorização de quase 27 vezes – a holding da GP investiu pouco mais de R$ 13 milhões na corretora de criptoativos brasileira.
Mas, desde que a G2D abriu o capital, o mercado de criptoativos está em queda. O bitcoin, que chegou a valer mais de US$ 64 mil em abril deste ano, está cotado a menos de US$ 32 mil, uma queda de mais de 50%.
Essa desvalorização acontece na esteira de restrições impostas pela China e dos tuítes de Elon Musk, o fundador da Tesla, que de apoiador do bitcoin se tornou um crítico por conta dos gastos com energia para minerar a moeda digital. Diante desse cenário, até a Coinbase, cujos papéis começaram a ser vendidos a US$ 381 no IPO, hoje valem US$ 222, uma desvalorização de mais de 40%.
Os BDRs da G2D também não vem performando bem neste pouco mais de um mês na B3 e acumulam queda de 17,6% desde a abertura de capital em 17 de maio. Na segunda-feira, 21 de junho, a holding de investimentos da GP valia R$ 621,2 milhões. Somado ao caixa do IPO, a distribuição da Coinbase e ao NAV (net asset value em 31 de março), a G2D tem R$ 695,8 milhões em caixa.
“Não existe benchmarking de uma empresa como a G2D parar comparar”, diz Pessoa Filho. “Vou informar o meu público e ser o mais transparente possível.”
No relatório que analisa a G2D, a Nord Research usa como benchmarking a própria GP. E a comparação não é muito favorável. Desde seu IPO, em 2006, a GP tem um retorno negativo de 33%. No mesmo período, o Ibovespa subiu 251%.
Desconfiança
O trabalho da G2D será também o de quebrar um pouco a desconfiança do mercado em relação a empresa. “Eles não têm tradição em investir em empresas de tecnologia”, diz um gestor de venture capital. “Mas, ao olhar o portfólio, acertaram bastante coisa.” Ao mesmo tempo essa fonte pondera: “Mas a verdade é que quem investiu em tech, nos últimos tempos, ganhou bastante dinheiro.”
O objetivo é também aproveitar a onda de empresas tech na bolsa brasileira e nas internacionais. Até pouco tempo atrás, poucas empresas de tecnologia abriam o capital na B3. Mas esse cenário mudou desde o IPO da Locaweb, em 2020.
Desde então, diversas empresas recorreram ao mercado de capitais e vêm performando bem na B3. O principal exemplo é a companhia de cashback e cupom de descontos Méliuz, cujos papéis valorizaram-se 352% desde o IPO em novembro do ano passado – a empresa vale R$ 5,8 bilhões.
A tese da G2D é que os investidores pessoas físicas, por não poderem investir em fundos de venture capital, não teriam acesso a essas oportunidades, como o Méliuz, no Brasil, ou a Coinbase, nos Estados Unidos.
Com os recursos captados, a G2D vai investir R$ 145 milhões em marcas disruptivas via The Craftory, R$ 85 milhões em companhias do Vale do Silício e R$ 51 milhões na estratégia normal de investimentos diretos.
Os alvos não serão necessariamente fintechs. Ativos da área de educação, healthtech e agtechs estão no radar. Como não é um fundo de venture capital, a G2D não tem prazo para sair.
O objetivo é sempre ter fatia minoritárias de empresas que estão na fase de pré-IPO. Com a abertura de capital, a holding de investimento pode sair do investimento e usar o recursos para reinvestir ou pagar dividendos. Agora, é esperar que o toque da GP do começo da era da internet volte a brilhar.