É notório que as criptomoedas e, em particular, o bitcoin, avançaram muitas casas no caminho para vencer a desconfiança que sempre cercou esses ativos. O aceno positivo de alguns nomes relevantes no mercado e até mesmo de um grande banco, como o Morgan Stanley, contribuíram para esse cenário.

Mesmo sob esses ventos mais favoráveis, ainda faltava uma chancela de maior fôlego para mostrar que o segmento amadureceu e tem capacidade para se tornar, de fato, um negócio de gente grande. E o primeiro passo dentro para que isso definitivamente aconteça foi dado hoje.

Considerada a grande vedete desse tão esperado marco, a Coinbase concretizou hoje a sua não menos aguardada listagem direta na Nasdaq, na prática, o primeiro IPO do setor. E, sob o ticker COIN, a plataforma não decepcionou.

Os papéis abriram a negociação cotados a US$ 381. Na sequência, as ações alcançaram um pico de US$ 421, recuando, posteriormente, e fechando o pregão a US$ 328,28, o que avaliou a empresa em US$ 85,7 bilhões (R$ 488,3 bilhões).

Mesmo com a queda, o patamar ficou acima do preço de referência de US$ 250, definido no processo, o que inicialmente avaliava a companhia em US$ 65 bilhões.

Na listagem direta, as ações são negociadas diretamente em bolsa e o preço inicial é definido por um leilão com base na oferta e demanda. No modelo, não há emissão de novas ações e captação de recursos para o caixa da empresa envolvida.

Os custos para as companhias que escolhem esse modelo são sensivelmente menores e não existe também o mecanismo de lock-up, que proíbe investidores de venderem suas ações por um período de 90 dias ou mais.

Fundada em 2012,  por Brian Armstrong e Fred Ehrsam, a companhia havia captado US$ 847 milhões em 14 rodadas, ainda como empresa privada, junto a investidores como Andreessen Horowitz e Greylock Partners. Na última delas, em dezembro de 2018, o negócio havia sido avaliada em US$ 8 bilhões.

O batismo da Coinbase no mercado de capitais foi precedido por credenciais que animaram o mercado. Na semana passada, a companhia divulgou os resultados preliminares do primeiro trimestre.

A empresa fechou o período com 56 milhões de usuários verificados, dos quais, 6,1 milhões fizeram transações mensais na plataforma. No fim de 2020, esses números eram respectivamente, de 43 milhões e 3 milhões.

Com um volume negociado de US$ 335 bilhões em criptomoedas e com US$ 223 bilhões sob gestão nas contas da plataforma, a Coinbase projetou uma receita para o período de cerca de US$ 1,8 bilhão, contra US$ 585 milhões no quarto trimestre de 2020.

Já o lucro líquido foi estimado na faixa de US$ 730 milhões e US$ 800 milhões, comparado aos US$ 179 milhões reportados entre outubro e dezembro.

Esses números foram divulgados em meio a um ambiente mais simpático às criptomoedas, que foi sendo construído nos últimos meses. Contribuíram para esse cenário as manifestações, a aceitação e os investimentos de nomes como o empresário Elon Musk, de sua empresa Tesla, e de companhias como a Square, essa última, fundada e liderada por Jack Dorsey, o cofundador e CEO do Twitter.

Outro fator de peso foi a “estreia” do Morgan Stanley nesse segmento, neste mês, com a oferta de três fundos de bitcoin aos seus clientes na área de wealth management. O anúncio marcou a primeira iniciativa de um grande banco americano na área.

Desafios

Para entender o que significa essa estreia da Coinbase na bolsa americana em números, basta olhar que, ao longo da tarde, ela chegou a valer mais do que qualquer empresa brasileira listada na B3. A companhia de criptomoedas alcançou R$ 569,3 bilhões enquanto a mineradora Vale, a mais valiosa da bolsa nacional, está cotada em R$ 548,9 bilhões.

O número é ainda mais espantoso quando comparado com gigantes do mercado financeiro brasileiro. A Coinbase também chegou a superar o valor somado de Itaú, Bradesco e Banco do Brasil no decorrer da tarde.

Mesmo com o recuo no fim do pregão, a empresa fechou o dia com uma avaliação superior ao de Itaú e Bradesco, que, juntos, encerraram as negociações na B3 com um valor somado de R$ 469,9 bilhões.

A plataforma, como os números comprovam, parece ter se saído bem em seu primeiro teste de fogo sob o escrutínio dos investidores, o desafio agora é consolidar essa boa impressão inicial. E nesse sentido, nem tudo são flores no caminho da Coinbase.

A própria companhia listou 27 fatores de risco no prospecto definitivo da listagem. “Devido à natureza altamente volátil da criptoeconomia, nossos resultados operacionais oscilam e continuarão oscilando significativamente de trimestre para trimestre, de acordo com os sentimentos e movimentos do mercado”, afirmou a empresa, citando essa questão como o principal sinal de alerta no horizonte.

Outro ponto ressaltado é o fato de a operação estar altamente atrelada ao bitcoin e à ethereum, que representam 56% do volume negociado em 2020, sem espaço para um espectro mais amplo de alternativas, caso essas criptomoedas não registrem bom desempenho.

Da mesma forma, a empresa destacou o volume ainda modesto de usuários ativos na plataforma, diante da base total verificada. E ressaltou aspectos como as prováveis regulamentações que serão impostas a essas moedas num futuro próximo e também a exposição a ataques cibernéticos.

(Reportagem atualizada com as avaliações das empresas após o fechamento do mercado)