No século 21 de crise climática, os fundadores de uma startup argentina fazem como Pero Vaz de Caminha, em carta ao rei Dom Manuel de Portugal, em 1500, e acenam com a possibilidade de um futuro em que “se plantando tudo dá”.
Dá até nos terrenos naturalmente mais inóspitos e nos solos completamente devastados pelo mau uso. E dá, graças aos extremófilos. Capazes de se desenvolver em condições extremas, esses micróbios são uma das promessas da ciência para tempos de escassez de terra e aquecimento global.
Ao longo dos últimos 3,5 bilhões de anos, os extremófilos sobrevivem em ambientes geoquímicos prejudiciais à maioria das outras formas de vida na Terra. Alguns se dão bem águas salgadas, outros são resistentes ao frio e uns tantos ao calor e à seca.
Há os que estão mais adaptados ao meio ácido e os que suportam alta radiação ultravioleta. Eles podem ser encontrados na Antártica; nos desertos; nos sedimentos depositados nas profundezas do oceano, paupérrimos em oxigênio; nas águas supersalgadas e cor de rosa do lago Hillier, na Austrália.... Onde a vida parecer inviável, lá estão os extremófilos.
Há vinte anos, a Puna Bio investiga as aplicações dos microorganismos na agricultura. Seus pesquisadores trabalham sobretudo no deserto de Puna de Atacama. Localizada no altiplano sul andino, a área é extremamente árida e o solo, muito salitrado.
O time da startup encontrou a matéria-prima para produzir uma variedade de sementes aptas a florescer em uma das regiões mais estéreis do planeta. A empresa já pediu, às autoridades argentinas, o aval para uso do produto no tratamento de sementes de soja. Atualmente, os pesquisadores dedicam-se a desvendar o impacto do suco de bactérias nas culturas de trigo e de milho.
Na semana passada, a startup recebeu US$ 3,7 milhões, em uma rodada de investimentos seed, liderada pelos fundos Builders VC e At One Ventures, com participação dos SP Ventures e Air Capital, e follow-on dos Indie Bio, Glocal e Grid Exponential.
Com o dinheiro, a Puna Bio pretende ampliar a área de pesquisa e desenvolvimento e preparar a papelada necessária para aprovação dos estudos no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo Franco Levis, um dos fundadores, a empresa em um futuro próximo deve transferir sua sede para a Califórnia.
Do portifólio da Puna Bio, diz Levis, já constam cerca de 500 cepas de bactérias. Para as principais linhagens, a empresa possui licença exclusiva por vinte anos, conforme o Protocolo de Nagoia. Criado pela Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, em sua décima reunião, a COP 10, o documento estabelece as diretrizes para as relações comerciais entre o país provedor de recursos genéticos e aquele que vai utilizá-los.
Uma das sócias da startup, a biotecnologista Elisa Violeta Bertini, Chief Scientific Officer (CSO) da startup, viaja o mundo fazendo bioprospecções à caça de microorganismos hiper-resistentes - e tem pelo menos uma centena de artigos científicos assinados sobre o tema, conta Levis. Sua última expedição foi ao Grande Lago Salgado, em Utah, nos Estados Unidos.
“Hoje em dia, você não precisa apenas de cientistas, você precisa de aventureiros”, disse Levis em entrevista à AgFunder, fundo de investimento americano focado em agtechs. “Você tem de ir 4 mil metros acima do nível do nível do mar. Frequentemente, ficar lá por semanas, sem serviço de telefone e eletricidade e, às vezes, sem água.”
Cerca de 80% das terras aráveis do planeta, já estão em uso. Um quarto delas, segundo a FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação, estão devastadas, pelo mau uso. Outros 44% estão moderadas ou ligeiramente degradadas. Em outras palavras, se não mudar o modo de produção e consumo dos produtos agrícolas, não haverá solo suficiente para alimentar os 10 bilhões de habitantes do mundo, previstos para 2050.
Uma saída seria tornar os terrenos inóspitos ou estragados aptos para a agricultura. E, agora, essas criaturas microscópicas, de 0,0002 centímetros, em média, podem ser a salvação da lavoura.
O pioneiro nos estudos sobre os extremófilos foi o microbiologista americano Tom Brock (1927-2021). Em 1964, como pesquisador da Universidade de Indiana, fez uma expedição ao parque Yellowstone e ficou encantado com o colorido das águas termais da Grande Fonte Prismática.
Maravilhado e intrigado. Brock encontrou bactérias vivas, em poços ferventes, com temperaturas médias de 87º Celsius. Àquela ocasião, acreditava-se, que nada sobreviveria em ambientes de mais de 71º. Ao microorganismo, ele e o estudante Hudson Freeze deram o nome de Thermus aquaticus.
Com a descoberta, abriu-se o caminho para um novo campo de pesquisas em biotecnologia. Graças à Thermus aquaticus e sua resistência ao calor, no início dos anos 80, o bioquímico Kary Mullis (1944-2019), também americano, desenvolveu o exame de PCR, de análise genômica do DNA de micróbios.
Com a pandemia do novo coronavírus, o teste de reação em cadeia da polimerase se popularizou. Além de bactérias, outros micróbios de alta resiliência podem ser encontrados nos grupos dos fungos e das arqueas.