O chef Jefferson Rueda não saiu da cozinha em abril e maio, mesmo com o seu restaurante A Casa do Porco fechado por conta da pandemia da Covid-19.

Na maior parte do tempo, ele ficou em sua casa ou no seu laboratório, protegido da Covid-19, testando receitas e mais receitas.

Mas, desde a última quinta-feira, 28 de maio, ele se mudou para A Casa do Porco, o seu restaurante eleito o 39º melhor do mundo, no ranking do World 50 Best Restaurants, o único brasileiro entre os 50 melhores.

Neste dia, foram entregues os primeiros porcos que vão ser preparados para o serviço de delivery de A Casa do Porco, que trabalhará com uma equipe reduzida de dois ou três cozinheiros. As entregas vão começar na primeira semana de junho.

Não muito longe dali, a uma distância que não chega a 300 metros, sua mulher, Janaina Rueda, também vai “pilotar” o delivery do Bar da Dona Onça, restaurante que fica no térreo do edifício Copam, no centro de São Paulo.

As duas unidades serão a base do serviço de entregas das quatro casas do casal. Além de A Casa do Porco e do Bar da Dona Onça, eles são donos também da sanduícheria Hot Pork e da Sorveteria do Centro, que, aos poucos, entram também no pacote de delivery dos Rueda.

Ao abrir uma pequena porta para o delivery, os Ruedas são um dos últimos restaurantes estrelados a se render a este tipo de venda.

Fasano, Evvai e Jun Sakamoto já lançaram o sistema de delivery. No caso da casa japonesa, o próprio Jun leva a sua bandeja de cerâmica com os seus sushis para os clientes. O Maní, da chef Helena Rizzo, que também estava fechado, abriu em maio. O DOM, de Alex Atala, no entanto, ainda permanece fechado.

O delivery, na verdade, nunca saiu do radar de Janaína e Jefferson. Antes da chegada do coronavírus por aqui, a dupla já tinha uma parceria com o aplicativo iFood e entregava alguns pratos, como o clássico Porco San Zé, que é assado lentamente, por cerca de nove horas, e servido com acompanhamentos típicos brasileiros.

Mas, com a quarentena, eles decidiram parar completamente, até com estas entregas para estudar seus negócios. Seguiram o exemplo de chefs italianos e espanhóis com quem conversam com frequência e fecharam as portas com a chegada da Covid-19.

“A gente tinha planos, mas eles se perdiam no meio de mil compromissos. Aproveitamos a quarentena para pensar neles”, diz Janaína

Pegaram as economias, resultado da poupança que estavam fazendo para investir em um futuro mercadinho (será o quinto empreendimento familiar), demitiram 10% dos seus 200 funcionários, principalmente aqueles que tinham funções repetidas entre os restaurantes, continuaram a honrar o salário dos demais, assim como os custos fixos nesses primeiros dois meses.

“A gente tinha planos, mas eles se perdiam no meio de mil compromissos. Aproveitamos a quarentena para pensar neles”, diz Janaína ao NeoFeed.

Com a correria dos restaurantes a pleno vapor (a Casa do Porco e o Bar da Dona Onça são conhecidos pelas enormes filas de espera), as aulas e as viagens de trabalho, não estava dando tempo para implementar novas ideias e conceitos.

"Tínhamos também medo de mudar algumas coisas e perder o faturamento, mas agora o faturamento já foi interrompido mesmo", afirma Janaína. O casal achou, então, que era melhor analisar o delivery com calma, sem a afobação da maioria de seus pares.

Deste repensar, ganhou força a ideia de só trabalhar com ingredientes orgânicos e afins e reduzir o uso de produtos mais industriais. O strogonoff da Dona Onça, até agora elaborado com conhaque e molho inglês, por exemplo, chegará no delivery com um gosto mais caseiro e sem estes ingredientes. "É um desafio, mas os testes que fizemos mostrou uma comida bem saborosa", afirma Janaína.

O casal teve tempo também de analisar quem são as pessoas que estão recorrendo à compra online, o que eles pedem, testar quais os produtos que podem ser colocados em uma embalagem e chegar com qualidade, entre outros pontos. Ou repetindo uma das frases que Jefferson falou muito para Janaina neste período: “A vida toda a gente trabalhou com alta gastronomia e de repente vamos colocar a comida na marmita.”

Não há preconceito nesta afirmação, apenas a preocupação de entregar uma comida de qualidade. A dupla de cozinheiros sabe, pelo exemplo de seus pares, que o delivery cria no consumidor a expectativa de provar em casa pratos com o mesmo sabor do restaurante.

Salão de A Casa do Porco, antes de ser fechado por conta da pandemia

Na criatividade gastronômica de Jefferson, o destaque do delivery deve ser a Caixa CPF, que pode ser a abreviação de Caixa Prato Feito ou de Caixa Porco Feliz.

A ideia é vender por R$ 44 uma caixa com seis itens, da salada ao prato principal, que terá sempre receitas de “confort food”, aquela comida que acalenta o estômago e também a alma.

Entre as receitas, há um porco-lovo, uma reinterpretação do bolovo, um bolinho de carne com ovo cozido, agora feito com carne de porco, e um parmegiana.

Os itens da caixa vão mudar semanalmente, conforme os ingredientes disponíveis. Haverá também caixas de degustação de sobremesa, com chocolates, leites e derivados. E também, claro, o Porco San Zé.

Neste período, o casal fez uma parceria com produtores de orgânicos que fica em São Jose do Rio Pardo, cidade natal do chef, onde os porcos também são criados. Agora todos os hortifrútis serão orgânicos e, como dependem da estação, serão sempre receitas novas. "Isso vai nos tirar da zona de conforto", lembra Janaína.

Para descontrair nesta quarentena, as caixas terão adesivos com fotos do casal. Jefferson encomendou uma cartela adesivos com a cara dos dois. Tem expressões alegres, bravas, tristes, pensativas. A ideia é colar no dia para que o cliente veja o estado de espirito do chef.

E, nos próximos meses, a mercearia deve ganhar vida virtualmente. Neste momento, eles estão estudando as plataformas disponíveis para o negócio.

A ideia é disponibilizar vários dos itens dos restaurantes. Há embutidos, curados e defumados que são feitos na A Casa do Porco, a mostarda caseira, os sorvetes. Terá também a salsicha do Hot Pork e até um kit pronto para replicar o sanduíche em casa, com as instruções de como fazer.

Agora é acompanhar a reabertura e ver quais serão as receitas criativas que saem deste delivery. E observar como o chef que ganhou espaço na cena gastronomia com a sua comida que valoriza a cozinha caipira brasileira, mas trabalhada com técnicas de vanguarda, se sairá em tempos de marmitas.

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