O jornalista Brad Stone, de 50 anos, autor do livro “Amazon sem limites”, escreveu a biografia de Jeff Bezos, o fundador da maior varejista online do mundo, sem nunca entrevistar o persosagem de seu livro.

Isso não significa que faltou rigor. Ao contrário. Há mais de dez anos, Stone dedica-se a pesquisar a Amazon e seu fundador, entrevistando diversas pessoas que conviveram com Bezos.

Seu primeiro livro, "A loja de tudo", escrito em 2013, se focou na construção da Amazon. Agora, Stone se volta à personalidade de Bezos e como ele se tornou uma pessoa implacável.

Ao longo de sua trajetória, Bezos acumulou muitos erros para construir a Amazon - e teve muitos acertos também. Mas, na visão de Stone, ele cometeu uma falha na sua ascensão: a de não consolidar uma imagem pública simpática.

"Ele está investindo lentamente em projetos humanitários, mas é considerado antipático pelos consumidores, ainda que eles adorem a Amazon", afirmou Stone, nesta entrevista ao NeoFeed.

De seu escritório em São Francisco, onde trabalha como editor-executivo da agência Bloomberg News, Stone falou mais sobre a personalidade de Bezos. Confira os principais trechos da entrevista:

Você já tinha feito a radiografia da Amazon no livro “A loja de tudo”. O que “Amazon sem limites” traz de novidade?
Bem, eu contei naquele livro o início, a ascensão e o triunfo de uma loja virtual de livros que se transformou na maior vendedora de produtos do mundo. No livro novo, eu conto algo ainda mais surpreendente: o ápice da carreira de um geek que se transformou em uma espécie de mestre do universo. A partir de 2017, ele se tornou o homem mais rico do planeta e sua personalidade se fez sentir com mais força.

Como você descreve Bezos e em que ele se diferencia de outros visionários da tecnologia, como Steve Jobs? Ele e Jobs ficaram célebres pela genialidade e pelo temperamento agressivo.
Steve Jobs foi um criador sensível. Bezos é mais pragmático. Jobs se destacou por produtos inovadores e dotados de design incríveis. Ele não se destacou como administrador da Apple e até foi afastado da companhia por isso. Mas seu gênio na criação de computadores e do iPhone é inegável. Ele se construiu como um artista à frente de uma grande corporação, em que por vezes reinou como um autocrata. Bezos é diferente. Até se tornar uma celebridade, era discreto e se dedicava à administração de suas empresas. Nunca deixou de envolver a equipe em seus projetos. Aos poucos, porém, foi se tornando mais agressivo. Mesmo sendo um grande gestor, ele encontrou tempo para inventar dispositivos eletrônicos. Desenvolveu o Kindle no começo do século, e depois o Echo e seu software de reconhecimento de voz Alexa. Trabalhou obsessivamente desenhando os protótipos dos aparelhos e quase enlouqueceu a equipe.

O jornalista Brad Stone

Bezos está deixando a presidência da Amazon. Qual o impacto para a empresa com essa mudança?
Você acha que só porque Jeff passou a função de CEO adiante vai deixar de interferir na Amazon? Claro que não. Ele vai participar como conselheiro do board da empresa e seguir monitorando suas operações. Quer partir para empreendimentos mais ambiciosos, na área da tecnologia espacial. De qualquer forma, o novo CEO, Andy Jassy, é conhecido como um sujeito mais descontraído e humano. Provavelmente vai fornecer um clima mais leve à vida diária da empresa. E isso só vai melhorar o desempenho da Amazon, que Jassy conhece tão bem como Jeff.

Qual foi maior fracasso e o maior sucesso de Bezos?
Ele cometeu deslizes, como reconhece, e um dos maiores foi o Phone Fire, em 2014, uma engenhoca que ninguém quis usar. Mas soube se livrar do lixo eletrônico. Também errou na implantação de filiais da Amazon na China. Na América do Sul, ele ainda não vingou. Quanto ao sucesso, é óbvio: com seu talento para gerenciar empresas e controlar e distribuir produtos em âmbito mundial, transformou o comércio via internet o negócio mais inovador e lucrativo do mundo. Não apenas isso. Impulsionou a alta tecnologia dentro da empresa, tanto em gestão de redes digitais como com aparelhos eletrônicos baratos e úteis. Não por outro motivo se tornou o homem mais rico do mundo e fez com que a Amazon, originalmente uma loja de livros, hoje concorra em algumas áreas com Google, Facebook e Microsoft.

"O novo CEO, Andy Jassy, é conhecido como um sujeito mais descontraído e humano"

Qual sua opinião sobre seu papel junto aos funcionários da Amazon?
Ele é cruel, mas essa crueldade é vista como um incentivo por seu staff. No entanto, parece ter uma obsessão por impedir que os trabalhadores dos galpões que armazenam os produtos da Amazon não melhorem as condições de vida. O governo está sempre convidando-o a prestar esclarecimentos. Os sindicatos têm tentado se infiltrar nesses armazéns, mas são impedidos. Jeff desconsidera feriados, fins de semana e até as idas ao banheiro são cronometradas.

E sua conduta com a concorrência?
É um monopolista que não vê obstáculos para chegar aonde quer. Adquiriu e incorporou uma série de empresas e colaborou para quebrar concorrentes fortes. Isso sem falar nos comércios locais, nos pequenos negócios, que a Amazon devastou, a começar pelas livrarias, até mesmo as mais tradicionais, e não apenas em solo americano. Com a pandemia da covid-19, acabou por participar da aceleração desse processo e acrescentou seis dezenas de bilhões de dólares ao patrimônio.

Ele alimenta alguma obsessão?
Bezos nunca foi de ostentar iates, carros ou mansões de luxo. Sua obsessão é “apenas” conquistar o universo. É vencer e fulminar toda a concorrência. “Sem limites” é seu lema.  Uma de suas obsessões é o espaço sideral. Como é um cara que ama ficção científica, ele lançou o projeto Blue Origin, para levar o homem ao espaço. Vamos ver o que ele vai nos apresentar no futuro.

O que lhe falta conquistar?
Por tudo isso que conversamos, parece claro que Jeff Bezos ainda não conseguiu se impor como uma personalidade pública simpática. Ele está investindo lentamente em projetos humanitários, mas é considerado antipático pelos consumidores, ainda que eles adorem a Amazon. Bezos só não conquistou uma coisa: sua imagem pública. Ele precisa conquistar uma proeminência como líder benemérito, à maneira de Bill Gates.

"Bezos só não conquistou uma coisa: sua imagem pública"

A Amazon vai conquistar o mundo, enfim?
Não acredito nisso. Há muitas empresas de alta tecnologia que estão crescendo e que irão prosperar mundialmente. A Amazon pode continuar a pontificar por algum tempo. Mas enfrenta uma concorrência acirrada em um mercado ilimitado, cada vez mais livre de regulamentações.

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