A fintech de crowdfunding Abacashi, que tem entre seus sócios os fundadores da maior plataforma deste segmento na Europa, o Le Pot Commun, e o venture capital americano Twilio, acaba de comprar a plataforma brasileira Sharity.

A aquisição é o primeiro passo para Abacashi disputar a liderança no mercado brasileiro, hoje dominado pelo site de financiamento coletivo Vakinha, e expandir para a América Latina, como foco em especial nos projetos de financiamento de impacto social no B2B para escalar o negócio. Outras plataformas que têm mais projeção neste mercado são a Benfeitoria, que atua mais com ONGs, e a VOAA, da plataforma de mídia Razões Para Acreditar.

Com a união, a Abacashi passará a ter quase um milhão de usuários em sua base que, desde o início da operação em 2018, ajudaram a arrecadar mais de R$ 60 milhões a favor de cerca de 60 mil projetos. “A cada mês são lançadas de 3 mil a 5 mil campanhas, mas nem todas conseguem arrecadar”, conta o CEO da Abacashi, Nicolas Virieu ao NeoFeed.

Fundada em 2018 pelos empresários franceses Dimitri Mussard e Virieu, a Abacashi adquiriu a Sharity por cerca de US$ 1 milhão. Criada em 2019, a startup registrou desde então R$ 5 milhões em projetos criados por pessoas físicas, ONGs e empresas.

“Ainda não existe um nome forte de crowdfunding por aqui como temos na Europa ou Estados Unidos. Isso nos motivou a entrar em contato com alguns grupos na Argentina, Chile e Colômbia, mas nossos sócios americanos sugeriram testar o modelo de M&A no Brasil para depois expandir. Foi então que a Sharity surgiu para nós”, afirma Mussard, CFO da Abacashi.

“Percebemos rapidamente que os fundadores, Gustavo Henriques e Thiago Balducci, tinham visões semelhantes às nossas e competências complementares, com conhecimento de TI e de desenvolvimento de produto que a gente não tinha. Isso trará novas funcionalidades e melhorias tecnológicas à empresa”, explica Virieu.

Com potencial para gerar resultados de maior impacto tanto social como financeiro, campanhas de crowdfunding capitaneadas por grandes empresas focadas na pauta ESG estão na mira do grupo.

“Hoje, a parte social nas corporações acontece de maneira muito fria. Ou se compra carbono, ou se faz uma grande doação para uma instituição ou projeto, sem qualquer informação sobre o impacto que isso teve na vida das pessoas que receberam ou se a escolha está alinhada com os desejos do seu público interno”, aponta Gustavo Henriques, CPO da empresa.

“Queremos justamente criar ferramentas para mostrar a força e as consequências positiva dessas doações de forma simples e transparente, apoiada em métricas tangíveis, relatórios e certificações alinhados a critérios ESG”, completa. Até mesmo valer-se da tecnologia de blockchain está nos planos do grupo para atrair a interação e confiança no B2B.

A primeira experiência da Abacashi nesse segmento foi nos primeiros meses da pandemia, quando foi lançada a campanha “Brinde do Bem” para a Heineken. Em uma plataforma exclusiva (white label), o projeto previa a venda de vouchers de R$ 25 a R$ 100 para ajudar bares que tiveram de fechar as portas temporariamente. Em apenas 4 meses, mais de 100 mil consumidores participaram da ação que arrecadou R$ 20 milhões e beneficiou 7.500 bares em todo o Brasil.

Se no início eram os pedidos para financiamento de casamentos e festas diversas que povoavam o universo da Abacashi, com a pandemia veio a necessidade de ajudar a quem tem fome e pagar contas básicas, como de moradia e saúde. “90% das causas lançadas no Abacashi desde então são sociais”, completa.

Na Sharity, que já nasceu com essa vocação, o número é ainda maior. Nesse período, as plataformas cresceram 2.500% e 500%, respectivamente, em valor total arrecadado. “O brasileiro é extremamente generoso e queremos aproveitar essa onda iniciada na pandemia para facilitar o acesso a essas ações coletivas”, aponta o CEO da Abacashi.

Pode até ser, mas ainda há um longo caminho a percorrer se comparado aos Estados Unidos, onde a cultura da doação já está sedimentada. Ali, foram doados US$ 471,44 bilhões em 2020, segundo dados da Giving USA 2021. Sendo que 69% desse total veio de particulares.

No Brasil, segundo a pesquisa “Doação Brasil 2020”, do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), as doações individuais feitas durante o primeiro ano da pandemia totalizaram R$ 10,3 bilhões.

Some-se a isso os R$ 6,5 bilhões vindos de corporações, de acordo com dados levantados pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos no mesmo período, e teremos um total perto de R$ 17 bilhões em doações no período de maior gravidade da Covid-19.

Ao contrário do que acontece na plataforma B2C, onde não há qualquer envolvimento da Abacashi na curadoria ou formatação das campanhas, nessa nova frente que ganha fôlego com a chegada da Sharity, os projetos serão feitos em conjunto para encontrar as melhores soluções tecnológicas, métricas e mecânicas para cada caso.

“A ideia é criar novos produtos para o B2B, trazendo um ritmo muito agressivo de inovação”, afirma o CTO Thiago Balducci. A previsão é que a empresa movimente R$ 100 milhões nos próximos 12 meses, com ao menos metade desse valor vindo da área corporativa. “Mas esse segmento tem potencial para ultrapassar rapidamente a plataforma B2C”, aposta Gustavo.

Nos próximos três anos, a Abacashi espera movimentar R$ 600 milhões. Valor que pode ser alterado de acordo com a evolução dos planos de expansão na América Latina. Ao que tudo indica, o primeiro mercado a receber a Abacashi deverá ser a Colômbia, onde conversas avançadas com uma empresa local devem resultar e fusão em 2023.

Por enquanto, as duas marcas – Abacashi e Sharity – coexistirão em respeito às campanhas em andamento na plataforma adquirida e também pela possibilidade de adoção do nome em inglês na internacionalização da empresa.

Atualmente, a Abacashi conta com 27 sócios investidores, entre eles o Family Office brasileiro Verbier Invest, responsável por 18% do capital, o venture capital  Twilio, fundos europeus e business offices. Também fazem parte Adrien Soucachet, Ghislain Foucque, Thibault Saint-Georges, fundadores da Le Pot Commun, que ainda estão no conselho consultivo da operação. “Eles têm todo o conhecimento de um produto que fez muito sucesso”, diz Nicolas Virieu.