Fundada em 2007, a Acesso Digital, empresa que atua no mercado de identidade digital, mais conhecida como uma idtech, caminhou com as próprias pernas até janeiro deste ano, quando recebeu o primeiro aporte de sua história. Na ocasião, o fundo e.bricks ventures assinou um cheque de R$ 40 milhões.
Até agora, a Acesso Digital pouco havia mexido nesse dinheiro. Mas isso está mudando. A empresa acaba de comprar a Meerkat, empresa de Porto Alegre que desenvolve algoritmos para reconhecimento facial, o chamado “motor” de biometria.
A transação, cujos valores não são revelados, envolveu dinheiro e ações da Acesso Digital. “Mais do que comprar uma empresa, trouxemos um time que, em termos de qualidade, está no patamar dos melhores do mundo”, diz Diego Martins, cofundador e CEO da Acesso Digital, com exclusividade ao NeoFeed.
As compras, entretanto, não vão parar por aí. “Estamos olhando para outras empresas”, diz Paulo Alencastro, cofundador e diretor-executivo da Acesso Digital. “Nos últimos três meses, conversamos com 60 companhias. Até o fim do ano, vamos comprar mais umas três empresas no mercado”, afirma.
No caso da Meerkat, a Acesso Digital pretende manter a base já instalada na capital do Rio Grande do Sul. “Vamos manter o escritório deles e aumentar o time, criando um polo tecnológico da empresa na região”, diz Alencastro. Nos próximos três meses, a companhia vai dobrar o time em Porto Alegre, passando de dez engenheiros para 20.
“O nosso negócio tem sinergia com o da Acesso e o que nos convenceu é o objetivo de focar em ser uma tecnologia brasileira”, diz Renan Franz, cofundador da Meerkat. A ideia da Acesso Digital é, de fato, criar as próprias tecnologias e algoritmos.
Atualmente, a companhia usa três motores biométricos: um russo, outro europeu e outro brasileiro (no caso, da própria Meerkat). Com a aquisição da Meerkat, o objetivo é ter uma tecnologia proprietária em agosto de 2021 e, assim, deixar de usar os “motores” estrangeiros.
Pode parecer um capricho, mas ter uma tecnologia própria reduz a dependência dos fornecedores. “Se uma empresa que fornece para a gente quebra, ficamos na mão”, diz Martins. Além disso, com a tecnologia própria, a empresa poderá fazer melhorias contínuas com mais liberdade.
Para entender o movimento da Acesso Digital é preciso, antes de tudo, compreender o negócio da empresa. “Nosso produto só diz que a pessoa é aquela pessoa. Cruzamos a imagem da pessoa com o CPF. Se os dados divergem, a Acesso Digital avisa a empresa contratante”, diz Martins.
Mas como garantir que uma pessoa não usa a foto de outra para cometer uma fraude? Martins explica que, para garantir que ninguém está usando a foto de outra pessoa, a empresa conta com uma tecnologia chamada liveness, que identifica se a foto está sendo tirada em tempo real.
Isso é crucial para o negócio. Segundo o executivo, acontece uma tentativa de fraude a cada 30 segundos no Brasil. A empresa, diz ele, consegue devolver um score de autenticação em 80% das consultas. “Somos o segundo País do mundo com mais tentativa de fraude”, diz Martins.
Não à toa, as empresas têm demandado cada vez mais esses serviços e feito com que a Acesso Digital avance no mundo das transações financeiras – a menina dos olhos da empresa. Um dos casos mais emblemáticos é o das Lojas Pernambucanas, que contratou a Acesso Digital para “tornar a face de seus clientes um mecanismo de autenticação de pagamentos”.
Acontece da seguinte forma: depois de o consumidor adquirir um cartão da rede de varejo, por exemplo, ele faz o cadastro na primeira compra e depois já pode usar o reconhecimento facial para concluir novas compras. Só mostrar o rosto e sair com os produtos nas mãos.
A outra frente aberta é a parceria com grandes portais de telemedicina para autenticar tanto o médico como o paciente. Já no e-commerce, outra área muito sujeita a fraudes, a Acesso Digital passou a trabalhar com grandes cadeias de varejo no momento das transações de compra.
“Antes de finalizar uma transação, a empresa pede o reconhecimento facial”, diz Martins. Companhias como Via Varejo e Peixe Urbano, por exemplo, já estão adotando esse formato.
“Nosso modelo de negócio é parecido com o da Serasa, cobramos por consulta”, diz Martins. O faturamento, pelo menos, vem crescendo. No ano passado, chegou a R$ 70 milhões e neste ano deve alcançar R$ 150 milhões.
Mas é uma gota no oceano diante das possibilidades que devem surgir no horizonte. A visão de futuro do executivo é fazer com que quase tudo seja feito por reconhecimento facial. Para entrar em casa, no trabalho e até para ligar um carro, a face seria a chave para tudo.
“Nosso sonho é fazer com que as pessoas usem calça sem bolso”, diz Martins. E prossegue. “Sem chave, sem cartão, sem documento. Só com a face vai poder fazer tudo.” Esse cenário, aos olhos do executivo, não está tão distante. Ele acredita que, entre quatro anos e sete anos, o reconhecimento facial será usado dessa forma.
No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia em Identificação Digital (Abrid), o mercado de biometria facial deve movimentar R$ 1 bilhão até o fim do ano. E a Acesso Digital tem competidores de peso por aqui.
Uma delas é a startup Idwall. Fundada em 2016, a companhia já recebeu R$ 51 milhões em três rodadas de investimentos e conta com o apoio de fundos como o Canary, Monashees, Qualcomm Ventures, ONEVC e Globo. A empresa já conta com clientes como Loggi, Movida, Cielo, Banco Original, OLX, entre outras.
No mundo, as projeções e estudos apontam que essa tecnologia deverá movimentar US$ 12 bilhões em 2025. É um negócio que todas as grandes empresas de tecnologia olham com atenção. A Amazon, por exemplo, atua nesse segmento e vende uma tecnologia própria sob a marca Amazon Rekognition. A chinesa Alibaba está empregando biometria facial em quase todos os seus produtos.
Na China, aliás, o reconhecimento facial já faz parte do dia-a-dia das pessoas. É praticamente uma ferramenta usada pelo Estado para identificar os cidadãos – o que traz uma série de questões ao redor da privacidade.
No dia-a-dia, a biometria facial é usada em mercados autônomos, onde os chineses fazem as compras, até em hotéis. Quando um cliente chega para se hospedar, a rede hoteleira já sabe tudo sobre ele só reconhecendo a sua face. As fintechs chinesas também usam e abusam dessa tecnologia. Algo que, no Brasil, foi acelerado com a pandemia.
Salto na crise
A crise acabou catapultando outros produtos da Acesso Digital, que não eram tão usados, como a assinatura digital de documentos. As empresas que formalizaram as reduções de jornada de trabalho com os seus funcionários, por exemplo, precisaram disso.
“Nesse período, fechamos com 15 grandes empresas.” Entre elas, OLX, Ambev, Albert Einstein, Itaú”, afirma Martins. O projeto com o Itaú, que está em implantação e deve ser levado ao ar dentro de dois meses, significa uma grande conquista para a empresa. “Este ano tínhamos como missão conquistar os grandes bancos”, diz Martins, que já tinha o Santander como cliente.
Mas não foram apenas as grandes instituições financeiras que passaram a demandar os serviços da startup. Houve um crescimento muito grande no setor de fintechs. “Vimos uma aceleração enorme em volume. Enquanto alguns setores que atendemos, como varejo, caíram brutalmente, as fintechs mais que duplicaram”, diz Martins.
São empresas como Agibank, Digio, C6 Bank, Ame Digital. “O reconhecimento facial tem sido o mais pedido e é muito usado por elas nas aberturas de conta”, diz Martins. Mas, além desse produto, outro negócio que cresceu bastante foi a contratação remota, com destaque para supermercados e hospitais, que contrataram muita gente nesse período.
O executivo afirma que o volume de transações, contando todos os produtos oferecidos, saltou 30%. Antes da crise, a empresa fazia em média 3,5 milhões de transações por mês e atualmente anota 5 milhões por mês, o que faz necessário o aumento da equipe.
Se, em 2019, a Acesso Digital contava com 170 funcionários, neste ano deve fechar com 280. “Estamos com 60 vagas abertas”, diz Martins. Aos interessados, um aviso: preparem-se para ficar bem na foto.
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