“Ah! Esses caras do Nubank? Não vão durar mais um ano, vão quebrar”, disse o presidente de uma empresa de cartões. “Olha só, esse Nubank é insustentável, só tem um produto, dá prejuízo, a conta não fecha”, disse o CEO de um banco. “Eu não acredito em negócios que não dão lucro, portanto, não colocaria o meu dinheiro lá”, afirmou um famoso empreendedor brasileiro, grande acionista de uma empresa com ações listadas na bolsa.
Todos os comentários acima foram feitos em diferentes ocasiões ao longo dos últimos anos, principalmente entre 2016 e 2017, em conversas que tive com alguns dos principais executivos de mercado. E caberiam mais outros comentários não tão elogiosos diante da descrença que o mercado tinha com a fintech criada no não tão longínquo ano de 2013. Mesmo com os polpudos aportes chegando, a conversa era sempre a mesma.
O colombiano David Vélez, o idealizador do Nubank ao lado de Cristina Junqueira e Edward Wible, continuou navegando contra a corrrente, enfrentando os Golias do mercado nacional. Aquele pequeno Nubank, do “pequeno” David foi ganhando musculatura, trazendo clientes com o chamado boca-a-boca, se tornando hype, agregando novos produtos, partindo para outros países e captando mais dinheiro. Pois David e seu Nubank, hoje com quase 50 milhões de clientes, acabaram virando Golias.
Na noite de ontem, quarta-feira, 8 de dezembro, as ações do Nubank foram precificadas na Nyse, a Bolsa de Nova York, a um valor de US$ 9, e na B3, com BDRs a R$ 8,36. Na largada, o Nubank já sai com um valor de mercado de quase US$ 41,5 bilhões, acima do Itaú Unibanco (US$ 37,7 bilhões) e do Bradesco (US$ 33,2 bilhões) e quase duas vezes o Santander Brasil (US$ 22,1 bilhões), de acordo com dados compilados pela Economatica. Trata-se da instituição financeira mais valiosa da América Latina.
Entre os que ancoraram o IPO, além de Sequoia, Dragoneer, Morgan Stanley, J.P. Morgan, e outros, estava o Softbank. Justamente o mesmo Softbank que, anos atrás, não investiu no Nubank por achar que “estava caro”, nas palavras de Marcelo Claure, CEO do Softbank Group International, ao podcast The Twenty Minute VC, de Harry Stebbings, em setembro. Desta vez, o Softbank acabou se convencendo de que não era bom ficar de fora da “festa”.
Assim como o Softbank, os outros gigantes que entraram no cap table do Nubank são investidores muito qualificados com visão de longo prazo. “São investidores que comparam o Nubank com um uma empresa de tech latina como o Mercado Livre”, diz um dos principais gestores do Brasil. Na visão desse gestor, aqui no Brasil, o Nubank pode ser analisado como um ativo caro, mas, para os internacionais, pode ser considerado barato.
Mesmo assim, o grande desafio agora será o de esticar esse valuation, que parte de uma base muito alta. Afinal, o Nubank anotou um prejuízo de R$ 528 milhões de janeiro a setembro deste ano, enquanto o Itaú chegou a um lucro líquido de R$ 18,7 bilhões e o Bradesco a R$ 19,6 bilhões. “O Nubank é uma grande empresa e tem potencial para valer muito mais nos próximos anos. Mas o valuation ideal seria entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões”, diz um gestor que analisou os papéis.
Apesar de a comparação ser com os players do setor financeiro, a vantagem do Nubank é ter se posicionado, desde o seu dia um, num pequeno sobrado na rua Califórnia, no bairro do Brooklyn, em São Paulo, como uma empresa de tecnologia. E, ao longo dos anos, saiu às compras para garantir que a fonte de sua plataforma digital calcada na tecnologia Clojure não secaria, ao adquirir a empresa americana Cognitec.
Ao mesmo tempo, também foi expandindo para outras áreas. De apenas cartões, lançou conta digital, empréstimo, conta PJ, comprou a Easynvest e entrou em investimentos. No paralelo, trazia investidores de peso para a sua base, como Warren Buffett. Recentemente, se associou à Creditas e adquiriu a fintech Olivia. Enquanto isso, o “pequeno” David continuava frisando: “é apenas o dia um”.
O mercado internacional também entrou no radar. México e Colômbia são dois dos mercados em que “os roxinhos”, como alguns concorrentes se referem ao Nubank, entraram. A empresa ainda investiu na fintech Jupiter, da Índia. Mas o dinheiro do IPO será usado sobretudo para ganhar tração na América Latina e fazer novas aquisições. As ambições são globais.
“O Nubank é um bicho diferente, é a única startup brasileira entre os top ten unicorns”, diz um gestor de ações que avaliou o papel da companhia. E prossegue. “Eles rivalizam com as principais empresas do Vale do Silício quando o assunto é atração de talentos”, diz um executivo do mercado.
Trouxe a americana Renee Mauldin, que comandou o RH na Uber e no Twitter, para ocupar o cargo de Chief People Officer. Jag Duggal, que tocava a gestão de produtos do Facebook, se tornou o Chief Product Officer. O marroquino Youssef Lahrech, ex-líder de tecnologia do banco Capital One, veio para ser o Chief Operating Officer.
Matt Swann, ex-Amazon e Booking, virou seu Chief Technology Officer. E o também americano Arturo Nuñez, ex-vice-presidente de marketing global da Nike para basquete e ex-diretor de marketing da Apple para a América Latina, chegou para ocupar o cargo de Chief Marketing Officer.
A empresa ainda criou um buzz ao levar a cantora Anitta para o seu board e torná-la sócia. Outros conselheiros são Muhtar Kent, que foi CEO global da Coca-Cola; Jacqueline Reses, ex-CEO da fintech Square e atual presidente do Conselho Consultivo Econômico do FED; Luís Alberto Moreno, ex-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Daniel Goldberg, ex-presidente do Morgan Stanley no Brasil, e a escritora, palestrante e consultora americana Anita Sands.
Nos últimos meses, o Nubank se apresentou ao mercado com esse time estelar. Mas, recentemente, o mercado de fintechs e empresas de tecnologia entrou numa grande ressaca. De acordo com um estudo da consultoria Dealogic, das 132 empresas que abriram capital neste ano, 85, quase dois terços delas, têm suas ações cotadas abaixo do preço de seus respectivos IPOs.
O Robinhood, por exemplo, um dos mais badalados dos últimos tempos, é negociado 40% abaixo do preço de sua abertura de capital, que aconteceu em julho. As brasileiras Stone e PagSeguro, por exemplo, que já estão nas bolsas americanas há alguns anos, também caem vertiginosamente. A Stone anota uma desvalorização de 78,8% no ano. Seu valor de mercado recuou de US$ 25,8 bilhões para US$ 5,43 bilhões. A PagSeguro, por sua vez, caiu 49%, de US$ 18,6 bilhões para US$ 9,48 bilhões.
No caso das empresas brasileiras, isso acontece também por conta de mudanças na regulação de mercado que incidem na taxa de intercâmbio do cartão de crédito e porque o BC estuda aplicar novas regras que exijam um capital maior de conglomerados liderados por instituições de pagamentos como Nubank, Stone e PagSeguro.
Todo esse cenário trouxe indagações ao, então, plano do Nubank de abrir capital. “A comunidade de fintechs estava rezando de joelhos para dar certo”, diz o fundador e CEO de uma grande fintech brasileira. O Nubank pretendia valer US$ 50 bilhões e reduziu a faixa de preço em 20% para conseguir emplacar. “Se esse IPO tivesse dado errado, teria sido muito ruim para as fintechs, de um modo geral.”
A hora da verdade acontece a partir de hoje, com as ações negociadas na bolsa, ao ritmo do humor do mercado, dia a dia, trimestre a trimestre. O Nubank pode ser uma empresa de tecnologia, pode prometer que replicará o modelo em outros países, pode dizer que vai se tornar global e que vai triunfar perante os concorrentes. Mas, a partir de agora, David e o Nubank serão cobrados como Golias.