O colombiano David Vélez, fundador e CEO do Nubank não esquece dos obstáculos que enfrentou para ser recebido por uma bandeira de cartão logo que a empresa foi criada. Era o ano de 2013, o Nubank ocupava uma pequena casa na rua Califórnia, no bairro paulistano do Brooklyn, e poucos davam bola para aquela turma da “tecnologia”.
“Tive muita dificuldade para marcar reunião. Nessa época, logicamente, não existia conceito de fintech e todos achavam um absurdo uma startup concorrer com os bancos”, diz Vélez ao NeoFeed. A única que se abriu para conversar, diz ele, foi a Mastercard. “Eles entenderam a importância do projeto e corremos para lançar o primeiro cartão em seis meses. Foi o projeto mais rápido da Mastercard em todo o mundo”, diz Vélez.
Atualmente, o Nubank conta com mais de 8,5 milhões de clientes, iniciou operações no México, vai para a Argentina, é considerada uma das empresas mais inovadoras do mundo pela revista americana Fast Company e foi avaliada em US$ 4 bilhões. Agora, com o jogo jogado, é fácil dizer que a empresa acertou ao apostar em fintechs. Mas ela correu riscos e colhe os louros de ter surfado nessa onda desde o início.
Além do Nubank, a Mastercard trabalha com exclusividade com o C6 Bank, o Banco Inter, o Agibank, a Pag!, e tem uma sólida parceria com o MercadoPago, o PagSeguro, entre outras fintechs que têm dominado o mercado. “Quanto mais cartões eles emitirem, melhor para a gente”, diz João Pedro Paro Neto, presidente da Mastercard no Brasil e Cone Sul, região que engloba Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai.
Só o Banco Inter, por exemplo, já conta com 2,7 milhões de clientes. No caso do MercadoPago, em menos de um ano, mais de 1 milhão de cartões pré-pagos foram emitidos no Brasil, no México e na Argentina. “Elas passaram a nos procurar”, diz Paro Neto.
No mercado financeiro, no qual os bancões ainda querem proteger seus legados, as fintechs ainda são vistas, sim, com temor. “Mas as fintechs e os novos entrantes, com diferentes ideias e conceitos, estão conquistando espaço”, diz Paro Neto.
“Quando olho os números da indústria, sempre observo os grandões. Antes, eles tinham 100% e hoje esses menores já têm entre 20% e 25% do mercado de cartões”, diz Paro Neto. Percentuais de respeito para um mercado bem robusto. De acordo com a Associação Brasileira de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), os pagamentos feitos com cartões de crédito, débito e pré-pagos, movimentaram R$ 1,55 trilhão no ano passado e a expectativa é a de que alcancem R$ 1,8 trilhão até o fim de 2019.
Ainda há muito espaço para crescer. Afinal, isso não corresponde nem a metade do volume do consumo das famílias brasileiras. “Nós temos como conceito de que precisamos fazer crescer a pizza, de ter mais volume. E queríamos buscar o que chamamos de new flows, novos negócios para entrarmos. E pensamos aqui que não custava nada investir. Queremos que as fintechs cresçam, que a pizza aumente. Quanto mais cartões elas emitirem, melhor para a gente”, diz Paro Neto.
O trabalho tem surtido efeito. De acordo com dados do Banco Central (BC), em 2010, a bandeira Visa anotou 484,8 milhões de transações com cartões de crédito enquanto a Mastercard respondeu por 354,8 milhões das transações no Brasil. Em 2017, o dado mais recente do BC, a Visa aparecia com 712,5 milhões enquanto a Mastercard surgia com 853,4 milhões de transações.
No débito aconteceu o mesmo. Em 2010, a Visa era responsável por 507 milhões de transações e a Mastercard por 325,2 milhões. Em 2017, a Visa aparecia com 699,6 milhões e a Mastercard com 935,8 milhões de transações.
Além do foco nas fintechs, há muito mais por trás desse crescimento. “Nesses últimos dez anos, a Mastercard estreitou o relacionamento com os grandes bancos emissores como o Itaú e o Santander”, diz um executivo que passou por algumas das maiores empresas do setor. “E é essa relação que faz o ponteiro mexer. Eles criaram até uma consultoria para ajudar os bancos a atender os clientes.”
A virada de jogo da Mastercard também está umbilicalmente ligada a chegada do indiano Ajay Banga, que trabalhou por 14 anos no Citigroup. Ele entrou na companhia, em julho de 2010, para mudar a cultura da empresa. “Com o Banga, passamos de uma empresa de cartão para uma companhia de meios de pagamento. Depois, viramos fornecedora de tecnologia para meios de pagamento. Hoje, somos uma empresa de tecnologia”, diz Paro Neto.
Essa travessia não foi das mais fáceis. Foi necessário mudar a cabeça dos funcionários e mostrar para eles que falhar fazia parte do processo. Muitos não se adaptaram e saíram durante o percurso. A companhia também mudou o perfil de contratação. Passou a focar mais em profissionais com experiência em tecnologia do que em finanças.
A Mastercard conta com 1500 engenheiros de dados. Há pouco tempo não tinha nenhum
Outro ponto crucial nessa metamorfose foi se aproximar de startups e criar laboratórios de aceleração ao redor do mundo. Ou seja, em vez de assistir à transformação do mercado de camarote, a empresa decidiu se tornar protagonista. “A Mastercard tem sido uma grande parceira. Mais do que nos colocar no programa deles, a companhia abriu portas e nos conectou com várias outras empresas”, diz Renato Camargo, CMO da RecargaPay, fintech que já recebeu US$ 28 milhões em aportes e conta com 1,5 milhão de clientes ativos.
Nos últimos anos, a Mastercard investiu bilhões de dólares em parcerias e aquisições de empresas de inteligência artificial e big data. “Temos 1.500 engenheiros de dados. Antes não tínhamos um. Essa passou a ser a nossa realidade, entender os dados e usá-los no nosso negócio”, diz Paro Neto. E complementa falando desse movimento de inflexão. “Há cinco anos, entregávamos todas as soluções sozinhos. Hoje, não há um projeto em que não atuamos com parceiros de forma colaborativa.” Daí surgiram negócios e soluções de pagamento desenvolvidas para empresas como iFood, McDonald’s, Via Varejo, entre outras.
O sumiço dos cartões
A nova meta da empresa é fazer com que os cartões desapareçam, no que seus executivos chamam de transações com cartões não presentes – que atualmente representam um terço das operações. “A minha obsessão é fazer o cartão não presente se tornar uma realidade. Porque isso ainda me incomoda muito. O meu consumidor ainda não tem a melhor experiência na mão dele e quero que ele tenha”, diz Paro Neto. A ideia é popularizar pulseiras, óculos, celulares e até “chips instalados debaixo da pele” como meios de pagamento. E a companhia tem investido maciçamente em segurança para tornar isso cada vez mais comum.
Em 2017, a Mastercard comprou a startup canadense NuData. A empresa de tecnologia desenvolveu soluções para identificar o dono do cartão pelo jeito que ele pega o celular, pelo modo como pressiona um determinado botão. Até as batidas do coração são identificadas por quem usa a pulseira como meio de pagamento. Isso garante um nível de precisão maior até do que a digital de uma pessoa. Tudo baseado em inteligência artificial.
Nesse processo de transição do cartão presente para não presente, a Mastercard começou a pôr em prática um ousado plano. Em janeiro, lançou um novo logo sem o nome da empresa. Ficam apenas os círculos vermelho e amarelo. Em fevereiro, apresentou ao mercado a sua identidade sonora. À exemplo de Intel e Netflix, que têm sons de marca característicos, a Mastercard quer ser reconhecida a cada compra dos usuários.
Em março, prosseguiu no que pode ser uma das tacadas mais disruptivas no mercado financeiro. Ao lado da Apple e do Goldman Sachs, a Mastercard ajudou no desenvolvimento do Apple Card, o cartão de crédito lançado pela empresa de Cupertino em um dos eventos de tecnologia mais esperados do ano. Mais do que um cartão que tem potencial para deixar os grandes bancos com medo, ele nasce integrado à Wallet, a carteira digital da Apple que armazena o dinheiro do cashback. Daí para se tornar um meio de pagamento de proporções colossais, alcançando boa parte do globo, é um passo.
Um passo que o indiano Banga, o CEO global da Mastercard, conseguiu visualizar ao transformar o modelo de negócios da companhia ao longo dessa década. Uma mudança comprada pelo mercado. Em julho de 2010, quando Banga assumiu, os papéis da Mastercard eram negociados a US$ 21. No fim de março passado, eles eram vendidos a US$ 235,45 – dez vezes mais. O faturamento saltou de US$ 5,53 bilhões, em 2010, para US$ 15 bilhões no ano passado. “Empresas nascem e morrem desde que o mundo é mundo. Isso é normal e é dos ciclos econômicos. Você tem de estar preparado para competir e estamos preparados para isso”, diz Paro Neto.
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