No último dia 22 de julho, a Multilaser abriu capital na B3. O toque na campainha veio três anos depois de a fabricante brasileira de eletroeletrônicos ensaiar um IPO e ver seus planos frustrados em meio ao ambiente turbulento das eleições presidenciais na época.

A espera por uma janela mais favorável parece ter valido a pena. Em seu desembarque no mercado de capitais, a empresa foi avaliada em pouco mais de R$ 9 bilhões e levantou R$ 1,9 bilhão com a oferta primária de ações.

Concluído esse trajeto e com o caixa reforçado pela captação bilionária, a companhia se prepara agora para avançar rumo a outro destino: o mercado internacional, com escalas na América Latina, na África e na Europa.

“Nós queremos repetir o que fizemos no mercado brasileiro”, diz Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser, em entrevista ao NeoFeed. “Estamos com metas bem agressivas e entendemos que esse braço de exportações tem tudo para ser bem relevante na nossa operação.”

Essa jornada teve início em 2020 com as incursões, via distribuidores, em redes varejistas da Argentina e do Uruguai. Para liderar e dar velocidade a esse plano, a Multilaser acaba de contratar Felipe Duarte, executivo que traz como credenciais as passagens por empresas como Dell, HP e Lenovo.

Programadas ainda para este ano, as próximas paradas incluem mercados como Portugal, Angola, México e Bolívia, além da abertura de um centro de distribuição no Uruguai. “Estamos avaliando mais países na América Latina e na África, entre outros mercados emergentes”, afirma Ostrowiecki.

Na bagagem, a companhia está levando seu portfólio de mais de 5 mil produtos. O mix inclui desde smartphones, TVs, tablets e eletroportáteis até ferramentas, brinquedos, bikes e produtos de áudio, beleza, saúde, automotivos e casa conectada.

“Dificilmente eles irão encontrar um rival com a mesma escala na América do Sul e na África”, diz o analista de um banco de investimentos. “Ao mesmo tempo, a empresa provavelmente não terá lá fora os incentivos que tem no mercado brasileiro, o que deixa o seu modelo menos competitivo.”

Os dois pares mais próximos da Multilaser na B3 já se arriscam nessa trilha. Desde 2010, a Positivo Tecnologia mantém uma fatia de 50% em uma joint venture com a argentina BGH. Com PCs, notebooks e tablets, a operação tem presença em Ruanda e no Quênia, além da atuação no mercado argentino.

Já a Intelbras, que abriu capital em fevereiro e tem dispositivos de casa conectada, segurança eletrônica e outras linhas, também exporta para a América Latina, América Central e África. No prospecto do seu IPO, a empresa destacou, porém, que essa operação responde por menos de 1% de sua receita líquida.

Made in Brazil

Na distribuição e no varejo, a Multilaser está carimbando o passaporte e partindo rumo ao estrangeiro para adicionar novos pontos ao seu mapa de operações. Mas quando o assunto é fabricação, o caminho é exatamente o inverso.

Com um modelo que combina parte do portfólio fabricado no Brasil e itens importados da China, a companhia decidiu ampliar o componente nacional dessa equação. O motivo? Reduzir os impactos da falta de peças, de produtos e da elevação dos custos no país asiático, em virtude da pandemia.

“Hoje, trazer um contêiner da Ásia custa dez vezes mais do que o piso que historicamente nós pagamos”, explica Ostrowiecki. “O aumento dos fretes foi exatamente o argumento que nós precisávamos para selar essa questão.”

Nessa direção, a Multilaser vai investir R$ 154 milhões na ampliação de sua produção local. Hoje, em suas unidades localizadas em Extrema (MG) e Manaus (AM), a empresa fabrica placas de circuitos integrados e monta produtos como computadores, tablets e celulares.

Parte dos recursos está sendo aplicada na compra de uma área de 20 mil metros quadrados vizinha à fábrica de Extrema e na construção de outros dois galpões de seis mil metros quadrados, no mesmo local.

Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser

Nessas novas unidades, a companhia vai instalar linhas de injeção plástica, de telas de computadores e de produtos como ventiladores, liquidificadores, batedeiras e tapetes higiênicos para o segmento de pets. Já em Manaus, cuja instalação será ampliada em 33%, a empresa passará a produzir televisores.

“Hoje, cerca de 70% do faturamento da Multilaser é produzido em casa. Com essas novas linhas, a projeção é chegar a 80%”, afirma Ostrowiecki. Com entregas em fases, a expectativa é de que todas essas iniciativas estejam em operação até meados de 2022.

Em paralelo, a empresa trabalha para seguir renovando e diversificando seu portfólio. Atualmente, além de 21 marcas próprias, a Multilaser mantém acordos de licenciamento para fabricar e comercializar linhas de produtos de nove multinacionais no País.

Nessa lista, que inclui smartphones da Nokia, acessórios da Microsoft, roteadores e equipamentos de rede da ZTE e equipamentos de áudio da Sony, entre outros itens e parceiros, a lógica é sempre a mesma.

Com suas marcas, a Multilaser se concentra em oferecer produtos de entrada, mais focados nas classes C e D. Já com os parceiros, a estratégia é trabalhar com produtos em faixas intermediárias de preço. No momento, a empresa negocia com seis multinacionais para ampliar essa oferta.

Segundo Ostrowiecki, a abertura de novas categorias no portfólio também pode passar por aquisições no mercado brasileiro. Com essa orientação, na semana passada, a companhia anunciou a compra da brasileira Expet, consolidando sua entrada no mercado de produtos para pets.

Ele conta que a Multilaser tem conversas preliminares nesse momento, mas não revela quais categorias e segmentos de mercado vão orientar a busca por ativos. Entretanto, Ostrowiecki dá algumas pistas dos critérios que irão balizar essa procura.

“Temos alguns nãos na Multilaser. Não trabalhamos com alimentos perecíveis, moda e nem luxo”, afirma. “Fora isso, dentro do universo de bens de consumo, há muitas categorias nas quais ainda não estamos e que podemos explorar.”

Resultado trimestral

O desenvolvimento de todas essas iniciativas vem na esteira do IPO e também do resultado da empresa no segundo trimestre. Em balanço divulgado nesta sexta-feira, 13 de agosto, a Multilaser reportou um crescimento de 103,4% na receita líquida, para R$ 1,2 bilhão.

Na última linha do balanço, o lucro líquido ficou em R$ 202,3 milhões, o que representou um salto de 122,9% na comparação com o número apurado em igual período, há um ano. Nesse intervalo, a margem líquida teve um aumento de 1,4 ponto percentual, para 16,3%.

No segundo trimestre de 2021, a receita líquida da Multilaser cresceu 103,4%, para R$ 1,2 bilhão

Ostrowiecki ressalta que parte desses indicadores expressivos se explica pela comparação com uma base relativamente mais baixa no segundo trimestre de 2020, sob os impactos da Covid-19. Mas destaca que, ainda assim, o resultado foi surpreendente e cita outros fatores por trás desse desempenho.

“Lançamos muitas novidades no portfólio nesse intervalo, como a entrada em papelaria, utensílios domésticos e a parceria com a Nokia, em celulares”, diz. “E algumas categorias foram muito demandadas durante a pandemia e puxaram a nossa receita para cima.”

Na contramão do resultado, as ações da Multilaser acumulam uma desvalorização de mais de 19% desde o seu primeiro dia de negociação, quando fecharam o pregão com alta de 16,67%. Hoje, a empresa está avaliada em R$ 8,4 bilhões.

Para um analista ouvido pelo NeoFeed,  a empresa tem condições de seguir entregando bons resultados e reverter essa queda. Mesmo depois que a explosão da demanda observada na pandemia perder força, em particular, em categorias como notebooks e tablets.

“Há um limite para o impulso da pandemia nessas linhas, que explicaram o boom das empresas do setor nesse período”, diz. “Mas a Multilaser têm um portfólio mais diversificado e está mais bem posicionada do que outros pares do setor.”