Em 2015, quando fundaram a StartSe, no interior de Minas Gerais, Junior Borneli e João Evaristo tinham um plano bem claro: transformar a startup, que nasceu vendendo cursos online a R$ 29,90, em uma companhia de educação digital. Ou para usar um termo em voga hoje, em uma edtech.

Nos anos que se seguiram, a empresa seguiu outro roteiro, que se mostrou não menos promissor. Seu portfólio evoluiu majoritariamente para cursos presenciais, missões para polos de inovação no exterior e a realização de eventos sobre temas ligados à nova economia.

Um componente fundamental para a evolução da operação foi a entrada em cena do quarteto formado por Pedro Englert, Marcelo Maisonnave, Eduardo Glitz e Maurício Bevenutti, todos ex-XP. Ainda em 2015, eles compraram uma fatia da StartSe. Englert, que segue como sócio da operação, também atuava como CEO até julho desse ano, quando passou o bastão para Borneli.

Agora, porém, a companhia está voltando às suas origens. E não se trata de abandonar o que deu escala à operação. “Mas colocamos uma norma: para cada curso físico, queremos outros três digitais”, diz Bornelli, ao NeoFeed. “Daqui para frente, essa é a regra do jogo. Queremos colocar muito mais ‘tech’ no nosso ‘ed’.”

Se a estratégia, a partir de agora, será guiada por esse lema, em seu resultado, a StartSe já está traduzindo o novo mantra. A empresa fechou julho com uma receita de R$ 4 milhões, dos quais, 70% vieram do digital. Há cinco meses, essa fatia era de incipientes 5%.

Uma virada dessa magnitude, em um intervalo tão curto, não foi feita sem dores. O movimento teve como combustível o impacto devastador da Covid-19. E foi acompanhado por um mea culpa. “Nós sempre flertamos com o plano de dar mais peso ao online”, afirma. “Mas como o modelo estava dando certo, nosso apetite era menor e acabamos caindo na zona de conforto.”

Os números reforçam esse discurso. A empresa saiu de uma receita de R$ 2 milhões, em 2016, para R$ 60 milhões em 2019. E previa chegar a R$ 90 milhões no fim de 2020. Qualquer projeção caiu por terra, porém, poucos dias depois de a Covid-19 ser classificada como pandemia.

Com a proibição dos eventos e aglomerações e 95% do negócio ligado a ofertas presenciais, a empresa, que havia apurado R$ 6 milhões de receita em fevereiro, viu o indicador recuar para exatos R$ 696 na última quinzena de março.

“Eles foram vítimas do próprio sucesso e, por ironia, como uma empresa que fala da nova economia, não fizeram a lição de casa do digital”, diz Renato Mendes, professor de empreendedorismo e marketing digital no Insper, autor do livro Mude ou Morra e colunista do NeoFeed.

Entretanto, ele destaca a capacidade e a agilidade da companhia para recuperar o tempo perdido. “Na Covid-19, a StartSe provou, de verdade, que tem mentalidade de startup”, afirma. “Eles realmente adotaram a lógica de testar, experimentar e agora têm um modelo muito mais escalável.”

Resposta

Assim como os efeitos do coronavírus no negócio, a reação da StartSe não demorou a chegar. Em 17 de março, uma terça-feira, Borneli reuniu os 65 funcionários da empresa para começar a traçar alternativas.

Em linha com o manual de qualquer crise, a primeira medida foi “sentar no caixa” e analisar quanto tempo a empresa aguentaria no modo de sobrevivência. A resposta? Seis meses. Para esticar esse prazo, a startup cortou custos mas, em abril, veio o inevitável. Mais de vinte pessoas foram demitidas.

No caminho para tentar virar esse jogo, um dos primeiros passos foi o lançamento do Restart.Se, programa gratuito de educação que envolveu quatro horas diárias, durante um mês, com temas relacionados à pandemia e a reinvenção das empresas na crise.

Luiza Trajano, do Magazine Luiza, e Alexandre Frankel, fundador da Vitacon e da Housi, foram alguns dos nomes que trouxeram suas contribuições. O programa capacitou 150 mil pessoas e começou a posicionar a empresa na arena digital.

Em abril, a segunda etapa envolveu o que foi batizado internamente de “Shoptime”, em uma referência ao canal de televendas que ficou famoso na década de 1990.

A empresa passou a promover lives diárias para vender seus programas internacionais que incluem roteiros como o Vale do Silício, onde a empresa mantém, desde 2019, a StartSe University, a poucos quarteirões da Universidade de Stanford. No momento, as aulas no local estão suspensas, por conta da Covid-19.

A startup deu um desconto de 15% nos cursos, que caíram para R$ 15 mil, com a possibilidade de dividir o valor em 12 vezes sem juros, contra as três parcelas tradicionais. E os interessados passaram a poder escolher o período de participação nos programas, em um prazo de doze meses. A média mensal de matrículas saiu de 50 antes da crise para 80 inscrições.

A principal guinada, porém, veio com um projeto que estava esquecido na gaveta há dois anos. Em maio, inspirada em serviços como Netflix e Spotify, a empresa colocou no ar a StartSe Prime, plataforma de streaming de educação, com assinatura mensal de R$ 14,90.

Lançada sem alarde e com uma versão simplificada, a plataforma mescla aulas gravadas com conteúdos ao vivo e sessões de mentoria, com a participação de executivos de empresas como Embraer e iFood.

Em três meses, a StartSe Prime atraiu 5 mil assinantes. Uma segunda versão entra no ar em outubro e a plataforma já começa a ser ofertada também a empresas. O PayPal é uma das companhias que já assinaram o serviço. “Até o fim do ano, nossa meta é chegar a 30 mil assinantes”, diz Borneli.

Também há novidades no braço de eventos. A companhia criou uma plataforma que traz, além da possibilidade de acompanhar a programação de um congresso, recursos como visitas a estandes virtuais, agendamento de reuniões e videoconferências.

O primeiro teste foi feito em agosto, com o evento Varejo Tech, que atraiu 45 mil participantes, contra uma base total de 35 mil pessoas em todas as conferências realizadas pela empresa em 2019.

Programado para outubro, o próximo evento na agenda é a Silicon Valley Web Conference, que reunirá nomes como Steve Blank, professor de Stanford e precursor do termo Lean Startup, e Mark Tarpenning, cofundador da Tesla.

Gratuito, o evento conta com patrocinadores como Tokyo Marine e Sympla, e já tem mais de 200 mil inscritos. “A projeção é chegar a 700 mil”, diz Borneli, que não abre números de receita nesse segmento.

StartSe University, em Palo Alto, no Vale do Silício

A operação internacional é outro foco. Além dos Estados Unidos, a StartSe tem presença em Israel, Portugal e China, onde os planos de abrir uma universidade, nos moldes da estrutura no Vale do Silício, foram adiados para 2021.

Durante a pandemia, a empresa começou a testar a oferta de cursos online, traduzidos em quatro idiomas, para mercados no exterior. A distribuição será feita via parcerias e a primeira delas, com foco na Europa, foi fechada com a Nova SBE, escola de negócios de Portugal.

À parte dessas iniciativas, a StartSe não vê necessidade de retomar, no momento, a busca por recursos no mercado. Em entrevista ao NeoFeed, em novembro de 2019, Englert afirmou que a empresa tinha negociações avançadas com alguns fundos e investidores para captar cerca de R$ 50 milhões.  Borneli afirma que essas conversas foram interrompidas com a Covid-19.

“Estamos operando com 70% da receita que tínhamos pré-pandemia, mas sem os custos do presencial, nossa lucratividade dobrou”, afirma Borneli. Ele prevê uma receita de R$ 50 milhões em 2020 e conclui com uma frase recorrente na StartSe, nos últimos meses. “É impossível sairmos maiores dessa crise. Mas melhores, há uma grande chance.”

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