A chef Carla Pernambuco está criando uma nova frente de negócios, uma plataforma de cursos para quem quer empreender no setor. Está "formatando" suas três décadas de experiência na restauração em apostilas e aulas em que vai "falar a verdade" para quem já está ou pretende investir na gastronomia.
"Na gastronomia tem mais de um negócio dentro do próprio negócio. Somos indústria na medida em que compramos e transformamos, serviço e, ao mesmo tempo, varejo", disse ela ao NeoFeed. "Cuidar dessas três frentes é um desafio".
O Estúdio CP/Projetos Gastronômicos, como foi batizada a nova empreitada, é uma parceria dela com uma agência de TI, a Hub500, que está desenvolvendo a tecnologia e terá uma participação de 30%.
O conteúdo será estruturado pela própria chef, responsável pelo investimento e que terá os restantes 70%. Os cursos mesclam o modelo online, hospedados na Monetizze, e presencial e serão lançados em fevereiro de 2023.
Os modelos vão desde assinatura mensal por streaming de vídeo por R$ 97 até o Bíblia do Restaurante de Sucesso, que acompanha um projeto gastronômico do zero por tempo indeterminado por R$ 1,9 mil.
Carla Pernambuco fez carreira à frente do restaurante Carlota que há 27 anos está no mesmo endereço, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, e acaba de ser premiado pela crítica especializada como o “melhor menu variado da cidade”.
Em sua atividade como chef e empresária teve outros restaurantes, como o Lolita e Las Chicas, na capital paulista, e também um Carlota, no Leblon, no Rio, que funcionou por 11 anos.
Além disso, a chef desenvolveu vários trabalhos de consultoria. Na área de rotisserie para o Grupo Pão de Açúcar, para dois restaurantes do Rio Grande do Sul: 20/9, em Porto Alegre, e 1835, em Canela. E para inúmeras empresas, entre elas, Sodexo, Tramontina, Brastemp, BRF, Citroen, Le Creuset. Em São Paulo, durante um ano foi responsável pelo refeitório do Google, onde fazia a comida dos 450 funcionários.
Desenvolveu, também, produtos artesanais com a marca Carlota, que levam sua assinatura. Um blend de café de grãos certificados, um mel com mix de pimentas, um azeite extravirgem produzido em Minas Gerais e um fondant de leite com flor de sal.
O seu currículo soma, ainda, dez livros publicados, entre eles “Balaio de Sabores” (Companhia Editora Nacional) e “DezX10” (Editora Leya) com receitas que foram exaustivamente testadas. Na televisão apresentou “Brasil no Prato”, na Fox, com três temporadas, e no Discovery H&H foram dois programas: “Cozinhando no Supermercado” e “Com que receita eu vou” (duas temporadas).
Aos 63 anos, a gaúcha de Porto Alegre conta nesta entrevista ao NeoFeed, que a maturidade lhe deu condições de partilhar o que aprendeu. E diz há muito por fazer, mas de uma forma diferente do que nos tempos em que ficava 16 horas por dia em pé entre a cozinha e o salão do restaurante.
Por que entrar na área de cursos?
Eu sou uma empreendedora e uma apaixonada pelo empreendedorismo. Gosto de realizar e tenho visto muitas pessoas perdidas: gente que sai da faculdade, seja de um curso de hospitalidade e gastronomia, seja de administração. Por outro lado, vejo pessoas que se aposentam, mas não querem parar de trabalhar, querem montar um negócio.
Você percebe uma demanda em várias faixas etárias?
Sim, em todas as faixas. Também vejo pessoas que têm um negócio e estão um pouco perdidas. Na gastronomia tem a hospitalidade, o food service, um café, um pequeno restaurante, uma churrascaria, uma pizzaria – então, nosso foco é todo esse ramo de projetos. Estamos montando cursos para atender pessoas e ajudá-las a deslanchar.
Como os cursos serão estruturados?
São diferentes módulos. Você pode fazer todos ou fazer um específico. Por exemplo: tem um que a gente vai falar sobre atendimento, outro sobre food styling, outro para conceituar um negócio e definir o que fazer para obter resultado. Vai ser um curso modular. Você pode fazer só uma palestra. Tem só online e outros combinados online e presencial. O último pode ser presencial para um grupo mais restrito, porque vai afunilando para as pessoas que realmente querem fazer uma consultoria. A gente vai falar a verdade, o quanto é difícil empreender nessa área.
Por quê?
Porque na gastronomia tem mais de um negócio dentro do próprio negócio. Somos indústria na medida em que compramos e transformamos, serviço e, ao mesmo tempo, varejo. Três negócios dentro de um. Cuidar dessas três frentes é um desafio.
O mercado mudou muito nos últimos anos?
Quando a gente começou, há 27 anos, até podia ser um pouco mais romântico. Hoje, tudo precisa ser fundamentado.
Quando a gente começou, há 27 anos, até podia ser um pouco mais romântico. Hoje, tudo precisa ser fundamentado.
Não há mais espaço para aventureiros?
Isso já foi. Ou você vai atrás das pessoas que sabem fazer para poder investir em alguma coisa que vá ter resultado ou escolhe outra profissão ou negócio. Porque as pessoas, às vezes, têm sonhos. Na verdade, é chão, suor e trabalho.
Quando você diz falar a verdade é, de alguma forma, desiludir as pessoas ou prepará-las para uma realidade que pode ser mais dura?
É simplesmente preparar o terreno para a realidade. Não é por ela ser mais dura. Eu sou a maior incentivadora, adoro. Quando me chamam pra fazer um projeto de gastronomia, como foi o caso dos dois últimos que fiz no Rio Grande do Sul, os restaurantes 20/9 e 1835, vibrei. Criei um conceito, fiz desenvolvimento de cardápio e treinamento. Os lugares são um enorme sucesso, são de cozinha regional com churrasco, mas jovens, modernos.
Você também vai destacar o projeto arquitetônico?
Claro, porque a atmosfera e o ambiente são fundamentais. A luz, todos esses detalhes. Fórmula mágica não existe, mas muita coisa pode ser contornada com profissionais especializados, porque são equipes multidiciplinares.
Se o Carlota não estivesse nessa casinha em Higienópolis se tornaria o que se tornou?
Sem dúvida, o ambiente dele é poderoso. Claro que a comida tem que ser boa, porque a experiência tem que ser completa. Mas você pode transformar uma pequena garagem num lugar hiper charmoso. A nova geração está fazendo o que quem viaja sente falta. Não precisa ir longe, o Uruguai tem muitos lugares cheios de bossa, onde você senta num balcão e come uma empanada ou um peixe frito, num boteco lindo, que lembra coisas rústicas que são muito afetivas. Lógico que com dinheiro tudo fica mais fácil, mas dá pra fazer com menos.
A tua entrada nesse mercado é fruto das consultorias e da percepção de que haveria demanda?
De certa forma sim, mas sempre pensei muito no negócio. Nesse ramo todo mundo só quer brilhar na cozinha. Eu entendo de cozinha, é minha profissão raiz, mas vejo que é preciso ir além. A gente vai ficando mais madura e começa a se ver fazendo outras coisas. Eu não vou entregar o osso tão cedo. Vejo exemplos de mulheres que fizeram muitas coisas e continuam fazendo.
"Eu entendo de cozinha, é minha profissão raiz, mas vejo que é preciso ir além"
A rotina de consultoria é menos pesada que na cozinha?
A gente precisa encontrar alternativas pra não ficar 16 horas de pé. Hoje já diminui meu ritmo, trabalho metade, mas ainda muito. Não é só a cozinha. No salão você não para um segundo, é uma energia física. Não que um consultor não precise de energia, mas é diferente o jeito.
Você também viveu esse processo de abrir e fechar restaurantes. Como tratar isso nos cursos?
Errar faz a gente aprender. Esse erro faz você recomeçar de outro jeito. Fechar, às vezes, significa entender que é preciso mudar. Também tem a maturidade de enxergar se aquele negócio está te trazendo bons resultados.
Foi o caso do Rio?
Olha, o aluguel estava extorsivo para um espaço de 70 m². Em vez de sair para procurar outro ponto achei que o melhor era focar só em São Paulo. Foi uma decisão, não uma derrota. Mas foi muito saudável ter ido para o Rio, foi incrível como marketing. Sempre digo: prefiro ter um barquinho pequeno porque quando vem a tempestade você volta para a costa.