No início do ano, a foodtech americana Myco Technology captou US$ 85 milhões, em uma rodada de série E, liderado pelo fundo Oman Investment Authority. O aporte milionário confirma o interesse da indústria plant based e dos investidores pelo micélio, organismo vivo imprescindível para a alimentação dos fungos.

Mofo, bolor, levedura, ferrugem... há de 2 a 11 milhões de espécies de fungos, embora apenas cerca de 150 mil tenham sido formalmente nomeadas. À startup fundada em 2013, na cidade de Aurora, no Colorado, interessa o micélio de cogumelos – sim, cogumelos são fungos.

Na natureza, os micélios crescem (e como crescem!) em todas as direções, para todos os lados, cada vez mais fundo, embaixo da terra. Na busca por nutrientes, formam um complexo emaranhado de filamentos de células, conhecidas como hifas. À essa rede, o micologista americano Paul Stamets chamou de “internet da natureza”.

A título de curiosidade, o maior micélio de cogumelo do planeta fica nos Estados Unidos, no leste do Oregon, mede inacreditáveis 971 hectares, o equivalente a cerca de 365 campos de futebol. Essa massa micelial, pasmem, está em crescimento há 2,2 mil anos, segundo Stamets, tido como um dos principais estudiosos de fungos do mundo.

Espécie de catadores seletivos de lixo, os micélios usam a fermentação para decompor a matéria orgânica, presente no solo, e, assim, alimentar os fungos. E é, nesse processo de circularidade, que a startup pega carona para produzir novos ingredientes. O FermentIQ, por exemplo, compõe um análogo da carne, feito a partir da fermentação da proteína de ervilha e arroz, com o micélio de shitake.

Em comunicado, a Myco informa que o produto, em pó, pode melhorar o sabor, a textura, o aroma e a funcionalidade das proteínas à base de plantas. Em março passado, em um artigo na revista especializada Journal of Food Science and Technology, pesquisadores das universidades de Illinois e Cornell atestaram que o FermentIQ possibilitou a absorção de 99,9% da proteína consumida – um eterno desafio para os fabricantes de “carne plant based”.

“O metabolismo único dos cogumelos elimina o excesso de carboidratos, liberando o acesso à proteína, ao mesmo tempo em que diminui muitos dos atributos indesejáveis das proteínas vegetais em relação a sabor e aroma”, lê-se no informe da Myco. É consenso na indústria: se o gosto e o cheiro da “carne alternativa” não são semelhantes aos da carne de verdade, a maioria das pessoas não abre mão de um suculento e apetitoso steak.

Essa é uma disputa de gente grande. O relatório “Plant based foods poised for explosive growth”, analistas da Bloomberg Inteligence preveem que, em 2030, os alimentos à base de plantas podem abocanhar 7,7% do US$ 1,2 trilhão do mercado global de proteínas. No ano passado, os plant based somaram US$ 29,4 bilhões.

Outro produto da Myco que tem o micélio como matéria prima é o ClearIQ, um modulador de sabor. A ideia é usar o pó para reduzir a necessidade de açúcar na produção de alguns alimentos. Frequentemente, o adoçante é usado pela indústria para mascarar notas pouco apreciadas, como as amargas, azedas e metálicas. O pó já é usado na fabricação de bebidas alcoólicas e energéticas, chás, chocolates, cereais e até em enxaguantes bucais.

Na natureza, os micélios crescem em todas as direções, para todos os lados, cada vez mais fundo, embaixo da terra

Os micélios são hoje testados em uma infinidade de produtos, além dos alimentícios. Como define uma reportagem recente da revista National Geographic, o emaranhado de hifas foi descoberto pelos “inovadores de tudo” e, quando isso acontece, o céu é o limite.

Tem micélio na moda e na indústria automobilística. A sempre ecologicamente correta Stella McCartney, em julho, lançou uma bolsa de luxo feita de couro à base da estrutura radicular dos cogumelos.

No ano passado, foi a Hermès, com uma mala de viagem, e a Adidas, com os tênis da linha Stan Smith. Entre as fabricantes de automóveis, a sul coreana Kia firmou parceria com uma fabricante de couro de micélio para usar em seus carros. O material é macio, fácil de ser tingido e capaz de imitar diversas texturas.

Tem micélio também nas indústrias de móveis, de suprimentos médicos, da construção civil, de energia, eletrônica, agroalimentar, espacial... Até a NASA investiga o poder do organismo na construção de módulos espaciais, que, um dia, poderão ser usados em Marte.

“O micélio é o Santo Graal”, definiu o engenheiro estrutural e arquiteto japonês Arthur Huang, em entrevista a National Geographic. “Como subproduto da degradação do lixo orgânico, representa um passo além do uso do lixo existente para fazer algo novo.”