A fórmula da maioria dos fundos de venture capital (VCs) não foge muito de encontrar empreendedores visionários, que resolvam uma dor de um setor, em um mercado grande e com um bom modelo de negócio escalável. Com diferentes graduações, todos seguem esse roteiro, variando o tamanho do cheque ou a área de atuação.
O Cloud9 Capital, fundo de venture capital que acaba de ser anunciado por Felipe Affonso, Noah Stern e Rafael Serson, não pretende mudar essa receita consagrada. Mas a nova gestora quer acrescentar outros ingredientes e buscar startups para além do radar tradicional dos VCs.
“Não queremos startups apenas de São Paulo e do Rio de Janeiro. O empreendedor não precisa também de um pitch bem feito, falar inglês ou ter um cap table estruturado, com os principais VCs do Brasil”, diz Affonso, com exclusividade ao NeoFeed. “Ele precisa ser um ‘cara’ bom de execução.”
Com essa tese, Affonso e Stern, que fizeram parte do primeiro time do Softbank na América Latina, e Serson, que integrou a área de private equity da Kinea, estão desde o ano passado conversando por investidores para levantar o seu primeiro fundo.
Eles acabam de concluir o “first close” e levantaram R$ 280 milhões – a maior parte dos recursos é de investidores institucionais e de single e multi family offices brasileiros. Entre os LPs (limited partners), estão fundadores de 25 startups, sendo que cinco deles comandam unicórnios – os nomes não são revelados.
O fechamento definitivo do primeiro fundo do Cloud9 Capital deve acontecer em seis meses e a meta é captar R$ 400 milhões. A intenção é ter um portfólio concentrado de 10 startups ao longo dos próximos três anos – o primeiro investimento deve ser anunciado em breve. O cheque padrão será de R$ 20 milhões.
Apesar de os gestores do Cloud9 Capital afirmarem que são agnósticos quanto aos setores que pretendem investir, a preferência será por startups dos mercados de saúde, educação e consumo que admitem o modelo de negócios SaaS (Software as a Service).
A ideia de criar seu próprio fundo surgiu quando Affonso e Stern trabalhavam juntos no Softbank Latin America. Por eles, passavam diversas startups para avaliação, mas que não iam para frente por não seguir a estratégia da gestora fundada pelo japonês Masayoshi Son.
“Eram empreendedores legais, com negócios bons, mas não conseguíamos investir por ser pouco dinheiro”, diz Affonso. “Era frustrante ver que não conseguia ajudar.”
Mas o que são startups fora do radar dos fundos de ventures capital? Affonso diz que são empresas fundadas por empreendedores que construíram companhias geradoras de caixa sem apoio de venture capital.
Muitas vezes, esses empreendedores não cursaram universidades de primeira linha nos Estados Unidos, estão fora do eixo Rio-SP, não falam inglês e não são bons em captar recursos. Mas, mesmo assim, conseguem levar uma empresa do zero para R$ 10 milhões de faturamento sem dinheiro
“São empresas que ficaram grande para um fundo de venture capital early stage e pequena para fundos de growth e de late stage”, diz Stern. “Vamos atuar nesse meio.”
Um exemplo do que falam Affonso e Stern é a Hotmart, startup mineira dona de uma plataforma de cursos online. Fundada em 2011, a Hotmart passou boa parte de sua trajetória sem o apoio de investidores de risco – a empresa conseguiu, em seu início, levantar recursos com um programa do Buscapé, chamado “Sua Ideia Vale 1 Milhão”, e com alguns investidores-anjo.
Mas, com pouco dinheiro, seguiu sozinha e se tornou uma grande geradora de caixa. Só mais tarde foi notada por investidores, quando o fundo soberano de Cingapura (GIC) e o General Atlantic compraram 30% da Hotmart, em 2019.
Dois anos depois, a Hotmart recebeu R$ 735 milhões liderado pelo fundo americano TCV, investidor de companhias como Netflix e Airbnb, quando se tornou um unicórnio, como são chamadas as startups que valem mais de US$ 1 bilhão.
“Queremos encontrar startups que já tracionaram e que já ultrapassaram a zona de arrebentação, sendo um de seus primeiros cheques institucionais”, diz Stern. Affonso complementa: “Quero ser uma mini-Riverwood, uma General Atlantic e um Softbank do estágio anterior”, diz ele.
A equipe do novo fundo será enxuta. O que não significa que os investimentos serão feitos sem análise. Haverá muita diligência antes de a Cloud9 Capital assinar o seu cheque. Afinal, com um portfólio concentrado, o objetivo é fazer apostar mais certeiras.
Affonso, além de Softbank e GIC, atuou também do GP Investments. Stern, por sua vez, passou boa parte de sua carreira no Goldman Sachs. No começo, trabalhando no Brasil. Depois, foi para Nova York, onde atuou em um grupo focado em tecnologia.
Em tempo: Cloud9 Capital, o nome do novo fundo foi inspirado na graduação da altura das nuvens. A de número 9 é a mais alta do céu. “É o lugar mais próximo do paraíso”, afirma Affonso.
Filhotes do Softbank
A Cloud9 Capital não é o primeiro fundo de venture capital a surgir de profissionais que passaram pelo Softbank na América Latina. O primeiro deles foi o Volpe Capital, de André Maciel, que era managing partner do Softbank Latin America.
O Volpe Capital, no entanto, nasceu com o apoio do próprio Softbank, que foi um dos investidores âncoras do primeiro fundo da gestora de Maciel, que levantou US$ 102 milhões – o BTG Pactual foi o outro âncora.
Com aportes que variam entre US$ 5 milhões e US$ 10 milhões, a Volpe Capital já investiu em Caju, SaltPay, Seedz, UOL EdTech, VTEX, CRM&Bonus e Atlas Governance. Além de Maciel, são sócios do fundo Gregory Reider, ex-Warburg Pincus, e a advogada Milena Oliveira, que era do escritório Pinheiro Neto.
No fim de março, Marcelo Claure, o homem por trás do Softbank Latin America, deixou o grupo japonês, após desentendimentos com Son sobre uma compensação de US$ 2 bilhões pelo fato de ter tirado o WeWork do fundo do poço, segundo o jornal americano The New York Times.
No mercado, é dado como certo de que Claure, um boliviano apaixonado por futebol e que vive atualmente em Miami, vai ter o seu próprio fundo de venture capital. Mas, dessa vez, em vez de mirar apenas as startups latino-americanas, a atuação deve ser global.