Fundada em 2015, na Colômbia, a Rappi construiu, em pouco tempo, uma trajetória impressionante. Nesse intervalo, a empresa chegou a outros oito países da América Latina, entre eles o Brasil. E alcançou o status de unicórnio. Além de receber, em maio, um investimento de US$ 1,2 bilhão. Dos quais, US$ 1 bilhão veio apenas do Softbank, no maior aporte já captado por uma startup da região.

Com o caixa recheado, a companhia tem acelerado o passo para consolidar o conceito de super aplicativo. Em média, a startup de entregas adiciona um produto ou serviço ao seu guarda-chuvas a cada 19 dias. E a próxima novidade da empresa está, literalmente, no forno.

Depois de uma fase de testes que durou cerca de dois meses, a Rappi vai dar tração agora a uma nova vertente em sua operação brasileira: o modelo de cozinhas compartilhadas, chamado também de dark kitchens.

O formato funciona como uma espécie de WeWork de cozinhas compartilhadas. E reúne restaurantes dispostos a atender especificamente à demanda gerada por aplicativos de delivery de comida.

Instalados, geralmente, em imóveis localizados em bairros de preço mais acessíveis e mais próximos dos consumidores, esses espaços são geridos por terceiros, que centralizam os pedidos e cuidam das entregas. No caso da Rappi, o modelo mescla operações próprias e com parceiros.

“As dark kitchens são um ponto focal de expansão para a Rappi no próximo ano”, diz Ricardo Bechara, diretor de expansão e cofundador da Rappi no Brasil, com exclusividade ao NeoFeed. “Os testes acabaram. Agora é hora de escalar”, acrescenta ele, que é o principal executivo da startup no País.

“As dark kitchens são um ponto focal de expansão para a Rappi no próximo ano”, diz Ricardo Bechara, cofundador da Rappi no Brasil

O plano da Rappi para estruturar essa vertente segue a mesma velocidade com que os entregadores cadastrados no aplicativo cruzam as ruas do País. A empresa já tem mais de um hub em São Paulo e outro em Belo Horizonte. Essas unidades serviram como projetos-pilotos da iniciativa.

Cada estrutura conta com um número específico de cozinhas, de acordo com o tamanho do imóvel. E cada cozinha é ocupada por um determinado restaurante.

Agora, o objetivo é inaugurar outros hubs, que totalizarão mais de 100 cozinhas no Brasil. Detalhe: esse número estará disponível para a locação de parceiros já em 2019. Curitiba, Recife e Fortaleza são algumas das próximas cidades a receber esses centros.

As cozinhas escondidas da Rappi chegam ao Brasil depois de a startup lançar o modelo na Colômbia, no início deste ano. Atualmente, a empresa já tem cerca de 200 cozinhas na América Latina, em países como México, Chile e Argentina. Em 2020, a meta é chegar a 600 unidades na região.

Com a nova frente, a Rappi reforça o apetite para acirrar a competição com concorrentes como o iFood e o Uber Eats. “Esse formato resolve dois problemas. Nós melhoramos o resultado do parceiro e também a qualidade do serviço, ao ampliar a oferta e reduzir o tempo de entrega para o cliente”, diz Bechara.

Com a nova frente, a Rappi reforça o apetite para acirrar a competição com concorrentes como o iFood e o Uber Eats

Para os restaurantes, as dark kitchens trazem diferentes apelos. Elas podem servir, por exemplo, para os estabelecimentos cujas cozinhas atuais já não acompanham a demanda. Ao mesmo tempo, funcionam como uma alternativa para expandir a área de atendimento. Sem que para isso, seja necessário investir grandes somas.

“É uma operação muito mais funcional e com bom impacto nas margens. Para muitos restaurantes, seria muito caro chegar com um salão a uma zona periférica”, observa Bechara. “As dark kitchens são o futuro desse segmento.”

A rede paulistana Al Capizza é um dos restaurantes que está investindo nesse modelo. Atualmente, a empresa já tem cozinhas compartilhadas com a Rappi em São Paulo e Belo Horizonte. E tem planos de outras unidades, em linha com a expansão da parceira.

Em crescimento

Globalmente, o conceito de dark kitchens já é uma realidade em mercados como a China e outros países asiáticos, além dos Estados Unidos. E já atrai nomes conhecidos como Travis Kalanick, fundador e ex-CEO da Uber.

Depois de embolsar US$ 1,4 bilhão com a venda de ações de sua antiga empresa, Kalanick assumiu o controle da CloudKitchens, startup de cozinhas compartilhadas. Segundo reportagem publicada pelo The Wall Street Journal na quinta-feira, 7 de novembro, a companhia atraiu um aporte de US$ 400 milhões do fundo soberano da Arábia Saudita. O investimento teria sido realizado em janeiro desse ano.

Outras empresas e fundos de investimento também começam a olhar para esse formato. Entre elas, a própria Uber. A chinesa Panda Selected, do portfólio da gestora Tiger Global, e a indiana Rebel Foods, investida da Coatue, são mais alguns nomes que engrossam essa tendência, além de aplicativos de entrega como os britânicos Deliveroo e GrabFood.

“Esse modelo explodiu, de fato, com os aplicativos de entrega. Faz todo sentido quando se tem muita demanda. Você pode ter cozinhas em localizações não tão nobre e não tão óbvias”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “No Brasil, é um fenômeno ainda em estágio inicial, que começou a ser trabalhado há cerca de um ano.”

Uma abordagem semelhante também começa a ganhar corpo em outros segmentos. Nos Estados Unidos, por exemplo, grandes redes de supermercados, como Walmart e Stop & Shop, estão investindo nas chamadas dark stores. A ideia é reduzir os custos e desafogar os pontos de venda, cuja capacidade de atendimento começa a ficar comprometida com os pedidos online.

Nos Estados Unidos, por exemplo, grandes redes de supermercados, como Walmart e Stop & Shop, estão investindo nas chamadas dark stores

Esses espaços parecem com as lojas tradicionais. Mas são fechados ao público. Eles são usados para a entrega de produtos comprados no e-commerce dessas redes. Em geral, os clientes estacionam seus carros e contam com um funcionário para carregar seus porta-malas com os pedidos.

Expansão

Na estratégia de expansão da Rappi, o plano é levar as cozinhas compartilhadas a todas as cidades nas quais a empresa já opera no País. A startup vai fechar o ano com presença em 60 municípios brasileiros, ante as 20 praças incluídas no seu mapa no início de 2019.

A projeção da Rappi é fechar 2019 com operação em 60 cidades no mercado brasileiro

Entre outros critérios, o crescimento observado no ano seguiu um roteiro de cidades com mais de 300 mil habitantes. As operações mais recentes envolvem municípios como Manaus (AM), Vitória (ES), Belém (PA), Uberlândia (MG) e São José do Rio Preto (SP).

“Em 2020, a velocidade dessa expansão vai depender muito das oportunidades”, afirma Bechara. “Nosso crescimento não depende dessa frente e ainda temos muito a explorar no que diz respeito a produtos, serviços e engajamento em cidades como São Paulo.”

À parte das estratégias à frente, Bechara tem consciência da exposição que o aporte bilionário do Softbank trouxe à companhia. E já está acostumado aos questionamentos recorrentes sobre a cultura de queima de caixa, impulsionados pela crise vivida pelo WeWork, outra investida da empresa japonesa.

“Nós estamos construindo o caminho para nos consolidarmos como um super aplicativo. Mas isso não significa que isso está sendo feito a qualquer custo”, explica. Ele também ressalta que a situação do WeWork não trouxe nenhum impacto no relacionamento e no direcionamento proposto pelo Softbank.

“Nós estamos construindo o caminho para nos consolidarmos como um super aplicativo", diz Bechara

“Temos uma relação muito saudável. Eles apoiam e aportam conhecimento e desafios. Mas a decisão é sempre nossa. Eles confiam no nosso time”, diz. “E é sempre bom lembrar que não são nossos únicos investidores. Temos os principais fundos do mundo apoiando nossa operação.” A lista inclui ainda nomes como Sequoia Capital, DST Global e Andreessen Horowitz.

A forma como deu a notícia sobre o aporte de US$ 1,2 bilhão aos mais de mil funcionários da Rappi no Brasil é o exemplo que Bechara dá para ilustrar que a empresa mantém os pés no chão, apesar de toda a visibilidade e do caixa bilionário.

Em um discurso que durou 30 segundos, ele pediu que cada um dos funcionários desse parabéns ao colega ao lado. Que se abraçassem e comemorassem por terem feito história. Mas que voltassem a trabalhar com dez vezes mais afinco. Pois se tudo estivesse resolvido, não precisariam daquele aporte.

“Precisamos ter dez vezes mais cuidado com nossas ações daqui para frente”, afirma, repetindo as palavras daquele dia. “Tivemos o reconhecimento de que estamos no caminho certo. Mas ainda não estamos na linha de chegada.”

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