Como entrar para a história do cinema, filmando uma obra digna de prêmios nos maiores festivais do mundo? A comédia “Competencia Oficial”, coprodução entre Espanha e Argentina, tenta dar uma pista, ainda que abuse do humor negro ao traçar um caminho que pode levar ao topo no circuito de arte.

Exibido na 69ª edição do Festival Internacional de Cinema de San Sebastian, encerrado no sábado, 25 de setembro, o filme brinca com o embate de egos por trás das câmeras, a insegurança dos atores e os artifícios do processo criativo. A eterna briga entre filme autoral e comercial, a pompa dos grandes festivais e a banalidade dos prêmios também são motivos de piada.

Ainda sem data de lançamento no Brasil, “Competencia Oficial” tem início com o capricho de um empresário milionário do setor farmacêutico (interpretado por José Luis Gómez). O magnata quer fazer algo mais significativo, na esperança de ser reconhecido não apenas por seu dinheiro. Entre construir uma ponte e produzir um filme, ele fica com a segunda alternativa.

A ideia não é buscar aqui o sucesso comercial (até porque o empresário não precisa de retorno financeiro). Mas sim conquistar o circuito de cinema de arte, o que sempre confere prestígio, independentemente do resultado nas bilheterias. Seu alvo é agradar a crítica especializada e os programadores dos festivais.

E para garantir que a obra não só seja selecionada, mas conquiste prêmios nos maiores festivais de cinema do mundo, ele compra os direitos de um livro ganhador do Nobel de Literatura – como se isso já fosse meio caminho andado.

A seguir, o magnata contrata uma cineasta que já tem fama nesse circuito. Lola Cuevas (vivida por Penélope Cruz, com uma peruca ruiva) ficou conhecida por uma produção chamada “A Chuva Invertida” (daí já dá para ter uma ideia dos “filmes cabeça” que ela dirige). O cinema mais autoral de Lola é visto como uma espécie de passaporte para o sucesso.

O título em espanhol, “Competencia Oficial”, se refere justamente à seção de filmes que concorrem aos troféus nesses eventos. Diferentemente do Oscar, que é o prêmio da indústria, os festivais procuram valorizar o aspecto artístico, ainda que isso possa significar produções menos palatáveis para o grande público. Nesse cenário, quanto mais radicalismo por parte do diretor, melhor.

Isso explica algumas das excentricidades de Lola. Para começar, ela coloca seus atores para ensaiar debaixo de uma rocha levantada por guindaste – só para aumentar a tensão. E para assegurar que eles deixem a vaidade de lado, na hora de abraçar um novo personagem, ela os obriga a destruir seus prêmios.

Também pensando na melhor receita para alcançar o êxito, Lola aposta em figuras opostas no elenco – até porque a trama gira e torno da rivalidade entre dois irmãos. Buscando uma atmosfera de animosidade no set de filmagem, ela põe um galã de Hollywood, Félix Rivero (Antonio Banderas), para contracenar com um ator renomado de teatro, Iván Torres (Oscar Martínez).

Como seus egos são gigantes e ambos não se respeitam, eles entram em conflito imediatamente – o que a diretora espera contar a favor do filme. O que os atores têm em comum é a disposição para ir longe, fazendo o que for necessário em nome da interpretação. E, se der para atrapalhar o companheiro de cena pelo caminho, melhor.

Por mais que algumas situações sejam exageradas, dá para imaginar que os diretores argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat se inspiraram em profissionais que conheceram ao longo da carreira. A dupla escreveu o roteiro em parceria com Andrés Duprat.

“Não nos propomos inicialmente a fazer uma comédia, mas foi o que saiu. Essa é a nossa visão da realidade”, disse Gaston Duprat, em sua passagem por San Sebastián. “Cada um de nós trouxe a sua cota de veneno para o filme, o que também valeu para os atores”, completou Mariano Cohn, lembrando que o showbiz é repleto de peculiaridades e excessos.

A dupla ficou conhecida por satirizar outros segmentos da arte. Foi assim em “O Cidadão Ilustre” (2016), comédia sobre um autor premiado com o Nobel de literatura que volta à terra natal, a mesma que ele tanto desdenha em seus livros. Em “Minha Obra-prima” (2018), um pintor dá dois tiros em um dos seus quartos expostos em galeria, só para “modernizar o conceito” e efetuar pelo menos uma venda.

“Mariano e Gastón sabem como criticar determinados comportamentos no mundo das artes”, afirmou Antonio Banderas, que também promoveu o filme na Espanha. “Eles exploram muito bem aqui a forma como os atores se relacionam entre si e com os diretores. Também abordam os mitos sobre como encontrar verdade e realismo nas interpretações.”

É o tipo de filme dentro do filme que não perdoa ninguém. Se por um lado, a dupla de diretores aponta os caminhos para uma obra ser selecionada para um grande festival, por outro, o rumo que a história toma acaba soando como aviso. Algumas passagens mostram claramente o que não se deve fazer para atingir o sucesso. Como deixar que o produtor coloque a sua filha, uma atriz inexperiente, no elenco.